“Ou bem uma pessoa é candidata a presidente, ou é candidata a vassalo. E não há espaço no Brasil pra vassalagem. Desde 1822 isso acabou.”
“A única explicação plausível para o que foi feito ontem é porque a família Bolsonaro urdiu esse ataque ao Brasil.”
As declarações são do ministro da Fazenda Fernando Haddad, em entrevista coletiva concedida a veículos da mídia independente nesta quinta-feira (10), menos de 24 horas após o governo de Donald Trump anunciar tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
A entrevista, transmitida por TVT News, TV 247, Fórum, TV Vermelho, Carta Capital, Pão com Ovo e Rádio e TV Atitude Popular, teve como pano de fundo a imposição de tarifas anunciada na tarde de quarta-feira (9) pelo governo Trump, que atingiu diretamente produtos como suco de laranja de São Paulo e aviões da Embraer.
A conspiração interna
Haddad foi categórico ao apontar a origem das medidas americanas. “A única explicação plausível para o que foi feito ontem é porque a família Bolsonaro urdiu esse ataque ao Brasil”, afirmou o ministro. “Isso com um objetivo específico, que é escapar do processo que está em curso, do processo judicial que está em curso.”
O ministro sustentou que a decisão não tem “nenhuma racionalidade econômica”, lembrando que “nos últimos 15 anos, nós tivemos um déficit de bens e serviços de mais de 400 bilhões de dólares para os Estados Unidos”. “Os Estados Unidos são superavitários em relação à América do Sul como um todo. E ao Brasil também”, explicou.
“Isso não é uma acusação infundada que eu estou fazendo. O próprio Eduardo Bolsonaro disse a público que se não vier o perdão, as coisas tendem a piorar”, declarou Haddad, conectando as declarações públicas do filho do ex-presidente com as medidas tarifárias.
“É uma coisa que, na minha opinião, como eu acredito que o tiro vai sair pela culatra, eu acredito que isso não pode se sustentar”, avaliou o ministro, prevendo que “até a extrema-direita vai ter que reconhecer mais cedo ou mais tarde que deu um enorme tiro no pé”.
Soberania versus alinhamento
Questionado sobre a política externa brasileira e os BRICS, Haddad defendeu o multilateralismo como estratégia nacional. “O Brasil é grande demais para ser apêndice de um bloco econômico”, declarou. “O mesmo país que está negociando com China, Índia, Rússia, África do Sul e outros membros que recém aderiram aos BRICS é o mesmo país que está buscando, desde da posse do presidente Lula, o acordo com a União Europeia.”
O ministro rejeitou críticas sobre supostos alinhamentos ideológicos. “Quando você tem uma força interna trabalhando contra o interesse nacional, em proveito do interesse individual, aí você tem problemas”, disse, voltando a atacar a família Bolsonaro. “Uma pessoa, um brasileiro, que presidiu o país, está conspirando contra os interesses nacionais em proveito próprio. Isso é uma coisa que não dá para conviver com isso.”
“O Brasil acredita numa reglobalização sustentável. A globalização neoliberal realmente não deu certo”, afirmou Haddad, defendendo que o país busque “parcerias múltiplas que permitam um mundo mais equilibrado, mais sustentável do ponto de vista social e do ponto de vista ambiental”.
O ajuste fiscal “pelo lado de cima”
Sobre a agenda econômica doméstica, Haddad detalhou a filosofia do governo para o ajuste fiscal. “Quem tem que pagar pelo ajuste fiscal é quem não paga imposto”, declarou. “Vamos olhar pro morador da cobertura que não paga o condomínio. É ele que tem que colaborar dessa vez.”
O ministro citou sucessos já obtidos no Congresso. “Fundos fechados, que eram fundos familiares, nós aprovamos com este Congresso a taxação de fundos exclusivos. Fundos em offshore, em paraísos fiscais, dinheiro que estava em paraísos fiscais sem pagar imposto, nós aprovamos”, listou.
Sobre as casas de apostas online, Haddad foi direto: “As bets, o governo Bolsonaro isentou as bets de pagamento de impostos, abriu mão de 40 bilhões de reais de impostos das bets. Até hoje eu não sei a razão, o que está por trás disso, a correlação entre o governo anterior e as bets”.
“Vira e mexe eu ouço notícias de personalidades do governo anterior, visitando, tomando jato, pra lá e pra cá, com gente ligada às bets. Será que foi por isso que eles se omitiram na cobrança de tributos das bets e trataram as bets como se fossem um hospital filantrópico?”, questionou.
O ministro apresentou dados sobre desigualdade para justificar a agenda tributária. “47 países africanos têm uma distribuição de renda melhor do que o Brasil, de 54 países africanos”, revelou. “Não é razoável que os economistas em geral mais ortodoxos só olham para o lado da moeda, e não olham para o dado vergonhoso de que nós estamos entre as dez piores economias do mundo em termos de distribuição de renda.”
Reforma da renda e jornada de trabalho
Haddad confirmou que a reforma do Imposto de Renda para pessoas físicas está na agenda. “Uma professora de escola pública paga 10% de imposto de renda retido na fonte, ela nem vê a cor do dinheiro. E uma pessoa que ganha um milhão por ano não está disposta a pagar 10%, que é a mesma alíquota da professora de escola pública”, comparou.
“A alíquota do super-rico de imposto de renda é 2,6%. E a gente está pedindo para a pessoa pagar um mínimo de 10, completar 10, e nem isso é possível”, criticou o ministro.
Sobre a discussão da escala 6×1, Haddad indicou que o tema tem atenção presidencial. “Existe uma preocupação do presidente em dar uma resposta para um movimento global de retomar o debate sobre jornada de trabalho”, disse. “Tanta tecnologia deveria significar um pouco mais de tempo livre para as pessoas.”
“Para que tanta máquina, tanta inteligência artificial, tanto robô, tanto isso, tanto aquilo, se não for para fazer com que as pessoas vivam mais para suas famílias, mais para os seus filhos, mais para a arte, para a política, para a ciência”, questionou o ministro.
A disputa comunicacional
Ao final da entrevista, Haddad abordou a importância da comunicação alternativa. “Na minha opinião, a desinformação é um pouco o reflexo do vácuo que a esquerda acabou produzindo nas redes sociais”, avaliou.
“Se você preencher isso com informação correta, com bandeiras corretas, com militância correta, com verdade, com projeto de futuro, o espaço para fake news, o espaço para desinformação vai diminuir”, defendeu o ministro.
“Hoje as pessoas não têm diante de si um horizonte utópico que elas almejam um sonho, né? Para valer do meu trabalho pra ir subir um degrau? Hoje as pessoas têm muita insegurança em relação a isso, com razão”, concluiu Haddad, defendendo a necessidade de “forjar esse projeto de uma sociedade mais equilibrada, onde todo mundo tem espaço, tem a vez, tem a voz”.


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