A taxa de letalidade policial aumentou em São Paulo durante o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas a responsabilização de agentes por mortes segue em níveis baixos. Um levantamento realizado por Débora Nachmanowicz, mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), mostra que apenas 2% dos policiais militares envolvidos em homicídios são condenados no estado.
O estudo, obtido pelo jornal O Globo, analisou 1.293 inquéritos e processos judiciais referentes a mortes provocadas por PMs na cidade de São Paulo entre 2015 e 2020. Dos casos avaliados, 85% foram arquivados, 10% resultaram em denúncias formais e menos de 2% terminaram em condenações. Nos processos que chegaram ao Tribunal do Júri, 46% resultaram em vereditos de culpa.
A divulgação do levantamento ocorre após a circulação de imagens em que dois PMs executam um homem desarmado na comunidade de Paraisópolis, zona sul da capital paulista. A gravação foi feita pelas próprias câmeras corporais utilizadas pelos agentes.
Segundo Nachmanowicz, os julgamentos envolvendo policiais militares são marcados por um contexto de pressão e investigações frágeis. “Existe um receio, porque o nome dos jurados é público. E estamos falando das forças de segurança, com acesso a sistemas de dados”, afirmou a pesquisadora. Ela também observou que colegas dos réus costumam frequentar as sessões de julgamento, o que, segundo ela, pode provocar constrangimentos, embora não seja possível estabelecer uma relação direta entre isso e as absolvições.
Outro fator citado por Nachmanowicz é a qualidade das investigações. “Em poucos casos temos testemunhas ou um laudo necroscópico absurdo, que aponte um tiro à queima-roupa ou algo que chame a atenção do promotor para tentar se produzir mais provas para uma denúncia”, explicou. A ausência de elementos técnicos consistentes favorece a tese de legítima defesa, que tem sido frequentemente aceita nos pedidos de arquivamento.
O caso mais recente ocorreu em 10 de julho, quando os cabos Renato Torquatto da Cruz e Robson Noguchi de Lima foram gravados matando Igor Oliveira de Moraes Santos, de 24 anos. A vítima aparece nas imagens com as mãos levantadas ao lado de uma cama quando é atingida por disparos a curta distância. Em seguida, os policiais comentam: “as COP, as COP”, em referência às câmeras operacionais portáteis.
Diferente do sistema anterior, que funcionava de forma contínua, o novo modelo de câmeras exige ativação manual. Porém, uma das unidades foi ligada automaticamente por engano ou por disparo do sensor, acionando todas as demais dentro de um raio de 20 metros via Bluetooth. O equipamento também grava os 90 segundos anteriores à ativação, o que permitiu registrar o momento da execução.
O mesmo sistema já havia sido utilizado anteriormente para absolver a dupla. Em uma operação de 2023 na mesma região, imagens mostraram que os dois agiram conforme o protocolo ao atirar em um suspeito armado. O caso foi arquivado pelo Ministério Público.
A morte de Igor Santos gerou protestos na região de Paraisópolis, com registro de confrontos, incêndios e depredações. No dia seguinte, o porta-voz da Polícia Militar, coronel Emerson Massera, confirmou a prisão dos agentes. O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), não se pronunciou. O governador Tarcísio de Freitas declarou que sua gestão não tolera “desvio”, “ilegalidade” e “abuso”.
Apesar de uma queda no número de mortes em intervenções policiais no primeiro trimestre — de 210 para 158 em relação ao mesmo período do ano anterior —, São Paulo já registrou 760 mortes em 2024. O número representa um aumento de 65% em relação ao total de 2023, que foi de 460. A média atual é de dois óbitos por dia causados por policiais militares no estado.
Em 2022, último ano da gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), o estado registrou 396 mortes por ações da polícia, menor número desde 2017. À época, o programa de câmeras corporais havia sido expandido.
Outros episódios envolvendo PMs ocorreram nos dias seguintes à morte em Paraisópolis. Em 11 de julho, o cabo Fábio Anderson Pereira de Almeida, fora de serviço, matou o marceneiro Guilherme Dias Ferreira, em Parelheiros. Guilherme havia acabado de sair do trabalho e foi confundido com um assaltante. O policial foi preso, mas liberado após pagamento de fiança e responde ao processo em liberdade. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, ele está afastado de atividades operacionais.
Há também casos em que os envolvidos retornaram às ruas. O cabo Clóvis Damasceno de Carvalho Júnior, acusado de matar Ryan Santos, de 4 anos, durante operação em Santos em novembro de 2023, já voltou ao serviço. Os soldados Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, denunciados por homicídio duplamente qualificado pela morte do estudante Marco Aurélio Cardenas Acosta, em novembro de 2024, na Vila Mariana, também estão em atividade. Nenhum dos dois foi preso.


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