Especialistas alertam que o protecionismo pode sair caro para estados industriais e para trabalhadores, em ano decisivo para a corrida presidencial
O governo dos Estados Unidos está preparando uma nova onda de tarifas sobre produtos importados, medida que tem gerado debates intensos entre economistas, empresários e analistas políticos. Segundo uma análise recente divulgada pelo Washington Center for Equitable Growth, as novas alíquotas podem pressionar os custos das fábricas norte-americanas em até 4,5%, afetando setores manufatureiros já fragilizados por desafios estruturais e pela pandemia.
A pesquisa destaca que, apesar do discurso do presidente Donald Trump sobre proteger a indústria nacional e trazer empregos de volta, as realidades econômicas estão começando a se revelar com mais clareza. Chris Bangert-Drowns, pesquisador do centro e autor da análise, alerta que os aumentos de custos, mesmo que pareçam modestos, podem ter consequências graves para empresas operando com margens reduzidas. “Haverá uma crise de caixa para muitas dessas empresas”, disse ele. “Essas mudanças podem levar à estagnação salarial, se não a demissões e fechamentos de fábricas, caso os custos se tornem insustentáveis.”
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As tarifas, anunciadas como parte de acordos comerciais com a União Europeia, Japão, Filipinas, Indonésia e Grã-Bretanha, variam entre 15% e 50%. O presidente Trump pretende aplicá-las formalmente a partir de sexta-feira, ampliando o escopo da política protecionista que caracteriza seu estilo de governança.
Embora Trump tenha prometido que as medidas ajudariam a reduzir o déficit orçamentário e revitalizar cidades industriais tradicionais, especialistas questionam se isso será suficiente para compensar os custos internos. De fato, a análise sugere que os impactos negativos poderão superar os benefícios esperados, especialmente em estados como Michigan e Wisconsin — palcos importantes das eleições presidenciais — onde mais de 20% dos empregos estão ligados a setores diretamente afetados pelas tarifas, como manufatura, construção e mineração.
Outro ponto preocupante é o impacto nas cadeias de suprimentos globais. A fabricação de computadores e equipamentos eletrônicos, por exemplo, depende fortemente de componentes importados. Mais de 20% dos insumos usados na produção desses bens são adquiridos no exterior, o que significa que as novas tarifas podem elevar significativamente os custos do setor tecnológico, incluindo a inteligência artificial, tema em alta nos discursos recentes de Trump.
Enquanto o presidente argumenta que as tarifas fortalecem a indústria local, dados recentes sugerem um quadro menos otimista. Em abril, logo após a primeira rodada de impostos de importação, o país perdeu 14 mil postos de trabalho na indústria. Essa perda gera dúvidas sobre a eficácia da estratégia, especialmente com o relatório de emprego de junho prestes a ser divulgado.
No entanto, nem tudo indica pessimismo absoluto. O mercado de ações dos EUA demonstrou certo alívio ao perceber que as tarifas anunciadas foram menores do que as inicialmente ameaçadas em abril. Além disso, há uma expectativa de maior estabilidade comercial, embora alguns riscos permaneçam. Uma pesquisa do Federal Reserve de Atlanta aponta que as empresas tendem a repassar metade dos custos adicionais aos consumidores, o que pode levar a uma inflação crescente e a um ritmo de crescimento mais lento no médio prazo.
“Nós eliminamos a inflação”, afirmou Trump recentemente, antes de embarcar em uma viagem oficial. No entanto, economistas destacam que, diante do aumento dos preços globais e da pressão sobre as cadeias produtivas, o controle da inflação pode estar longe de ser alcançado.
A Casa Branca, por sua vez, mantém o tom positivo, defendendo que as novas tarifas abrirão caminho para que as empresas americanas conquistem mercados externos. “O selo ‘Made in USA’ deve retomar seu domínio global sob o governo do presidente Trump”, afirmou Kush Desai, porta-voz da administração.
Apesar do otimismo oficial, a realidade no chão de fábrica parece ser outra. Para muitos empresários, a combinação de custos elevados e incertezas comerciais representa um obstáculo à recuperação. Com a economia global cada vez mais integrada, tentar isolar o mercado interno por meio de barreiras comerciais pode acabar resultando em contratempos que nem sequer o próprio Trump consegue prever ou controlar.
Ainda há muita incerteza, mas a economia mundial enfrenta um novo preço
Há limites para a análise. As tarifas de Trump têm sido um alvo em movimento, e a análise considera apenas os custos adicionais, não como esses custos serão absorvidos entre produtores estrangeiros, fabricantes nacionais e consumidores. Além disso, a base legal das tarifas como uma lei “emergencial” será analisada por um tribunal de apelações dos EUA na quinta-feira.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse em uma entrevista na semana passada no programa “Kudlow”, da Fox Business Network, que os países estavam essencialmente aceitando as tarifas para manter o acesso ao mercado americano. “Todos estão dispostos a pagar um pedágio”, disse ele.
Mas o que Bessent não disse é que os fabricantes americanos também estão pagando grande parte desse preço.
“Estamos sendo pressionados por todos os lados”, disse Justin Johnson, presidente da Jordan Manufacturing Co. em Belding, Michigan, a nordeste de Grand Rapids. Seu avô fundou a empresa em 1949.
A empresa, que fabrica peças usadas pelos armazéns da Amazon, empresas automobilísticas e empresas aeroespaciais, viu o preço de uma matéria-prima essencial — bobina de aço — subir de 5% a 10% este ano.
Trump impôs tarifas de 50% sobre aço e alumínio importados. A Jordan Manufacturing não compra aço estrangeiro. Mas, ao prejudicar a concorrência estrangeira, as tarifas de Trump permitiram que as siderúrgicas americanas aumentassem os preços.
Johnson não os culpa. “Não há capitalista de sangue quente que não vá aumentar seus preços nessas circunstâncias”, disse ele.
Trump diz que não há inflação com tarifas, mas empresas veem preços mais altos
A Casa Branca de Trump insiste que a inflação não está se manifestando na economia, emitindo um relatório por meio do Conselho de Assessores Econômicos este mês, afirmando que o preço dos produtos importados caiu entre dezembro do ano passado e maio deste ano. “Essas descobertas contradizem as alegações de que tarifas ou temores de tarifas levariam a uma aceleração da inflação”, conclui o relatório.
Ernie Tedeschi, diretor de economia do Laboratório de Orçamento da Universidade de Yale, disse que a medida mais precisa seria comparar as tendências dos preços de importação com elas mesmas no passado e que os próprios números da CEA mostram que “os preços de importação aceleraram nos últimos meses”.
A estimativa mais recente do Budget Lab de Yale é que as tarifas fariam com que a família média tivesse US$ 2.400 a menos do que teria de outra forma.
Josh Smith, fundador e presidente da Montana Knife Co., se autodenominou eleitor de Trump, mas disse que vê as tarifas sobre aço estrangeiro e outros produtos como uma ameaça aos seus negócios.
Por exemplo, Smith acaba de encomendar da Alemanha uma máquina de US$ 515.000 que afia as lâminas de suas facas. Trump impôs um imposto de 10% sobre produtos da UE, que deverá aumentar para 15% com o acordo comercial que ele anunciou no domingo. Assim, o imposto de Trump sobre a máquina chega a US$ 77.250 — o suficiente para Smith contratar um trabalhador iniciante.
Smith compraria com prazer as máquinas de retificação de chanfros de um fornecedor americano. Mas não há nenhuma. “Só existem duas empresas no mundo que as fabricam, e ambas ficam na Alemanha”, disse Smith.
Há também o aço importado, que Trump está taxando em 50%. Até este ano, a Montana Knife comprava o aço em pó de que necessitava da Crucible Industries, em Syracuse, Nova York. Mas a Crucible declarou falência em dezembro passado, e seus ativos foram comprados por uma empresa sueca, a Erasteel, que transferiu a produção para a Suécia.
Smith contornou as tarifas comprando antecipadamente o equivalente a um ano de aço. Mas, a partir de 2026, o aço especial que ele importará da Suécia estará sujeito a uma tarifa de 50%.
“O americano médio não está na minha posição, olhando para os números e tomando decisões diárias, tipo: ‘Ei, não podemos contratar essas pessoas a mais porque podemos ter que pagar essa tarifa sobre esse aço ou essa tarifa sobre essa retificadora’”, disse ele. “Quero comprar mais equipamentos e contratar mais pessoas. É isso que eu quero fazer.”
Enquanto grandes corporações e indústrias podem ter mais flexibilidade para absorver ou repassar os custos, pequenas e médias empresas estão vivendo sob constante tensão. Para elas, cada dólar adicional representa uma escolha difícil entre investir no futuro ou simplesmente sobreviver.
Na verdade, o que está em jogo vai muito além das fronteiras comerciais. É uma questão de confiança no sistema econômico e na liderança política. E, conforme os custos começam a aparecer, essa confiança pode estar sendo colocada à prova — não só pelos números, mas pela realidade cotidiana de quem tenta manter o negócio aberto.


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