Em entrevista publicada nesta quarta-feira, 30, pelo New York Times, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a decisão do governo dos Estados Unidos de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. Segundo Lula, a medida estaria relacionada a pressões do presidente norte-americano, Donald Trump, para interromper o processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A entrevista foi conduzida pelo correspondente Jack Nicas e publicada no momento em que aumentam as tensões diplomáticas entre os dois países. Lula afirmou que tem tentado abrir diálogo com autoridades dos Estados Unidos desde maio, mas não obteve retorno.
“Quero dizer ao Trump que brasileiros e americanos não merecem ser vítimas da política, se o motivo da tarifa for o processo contra o ex-presidente Bolsonaro”, disse Lula. “O povo brasileiro pagará mais por alguns produtos, e o povo americano pagará mais por outros. E acho que a causa não justifica isso. O Brasil tem uma Constituição, e o ex-presidente está sendo julgado com pleno direito de defesa.”
Segundo Lula, foram realizados dez encontros com o Departamento de Comércio dos EUA, e uma carta foi enviada no dia 16 de maio solicitando um posicionamento formal do governo norte-americano. De acordo com o presidente, a resposta veio por meio de uma publicação online assinada por Trump, na qual foi anunciado o aumento das tarifas.
“O que está impedindo é que ninguém quer conversar. Pedi para entrar em contato. Indiquei meu vice-presidente, meu ministro da Agricultura, meu ministro da Economia, para que cada um falasse com seu respectivo colega e entendesse qual era a possibilidade de diálogo. Até agora, não foi possível”, relatou.
O presidente brasileiro avaliou o tom adotado por Trump como um sinal claro de ausência de interesse no diálogo. “Espero que a civilidade retorne à relação Brasil-EUA. O tom da carta dele é claramente de alguém que não quer conversar”, afirmou.
Questionado sobre possíveis represálias em razão das críticas públicas feitas a Trump, Lula negou qualquer temor. “Não. Não há razão para ter medo. Estou preocupado, obviamente, porque temos interesses econômicos, políticos, tecnológicos. Mas em nenhum momento o Brasil vai negociar como se fosse um país pequeno diante de um país grande. O Brasil vai negociar como país soberano.”
Lula também destacou que o Brasil não aceitará subordinação em suas relações internacionais. “Na política entre dois Estados, a vontade de nenhum dos dois deve prevalecer. Sempre precisamos encontrar o meio-termo. Isso não se consegue estufando o peito e gritando por coisas que não se pode entregar, nem abaixando a cabeça e dizendo ‘amém’ a tudo que os Estados Unidos quiserem.”
Processo contra Bolsonaro é considerado inegociável
Segundo Lula, a tentativa de condicionar a suspensão das tarifas ao arquivamento do processo contra Jair Bolsonaro é inaceitável. O presidente brasileiro declarou que a condução do caso segue o devido processo legal, sem interferência do Executivo.
“É importante que o presidente Trump considere o seguinte: se ele quer ter uma briga política, então que tratemos como uma briga política. Se quer falar de comércio, vamos sentar e discutir comércio. Mas não dá para misturar tudo”, afirmou.
Lula reiterou que respeita a soberania dos Estados Unidos e espera reciprocidade. “Não posso simplesmente mandar uma carta para o Trump dizendo: ‘Olha, Trump, o Brasil não vai fazer tal coisa se você não fizer tal coisa com Cuba’. Eu não posso fazer isso — por respeito aos Estados Unidos, à diplomacia e à soberania de cada nação. É isso que eu espero que ele reflita.”
O presidente afirmou desconhecer os motivos pelos quais Trump teria adotado posição tão rígida e especulou que o mandatário norte-americano esteja mal informado. “Honestamente, não sei o que o Trump ouviu sobre mim. Mas, se me conhecesse, saberia que sou 20 vezes melhor do que o Bolsonaro.”
Brasil buscará novos parceiros caso tarifas entrem em vigor
Lula também afirmou que, caso a tarifa de 50% seja efetivada na próxima sexta-feira, o Brasil buscará ampliar relações comerciais com outros países. “Não vou chorar pelo leite derramado. Se os Estados Unidos não quiserem comprar algo nosso, vamos procurar quem queira. Temos uma relação comercial extraordinária com a China.”
Segundo ele, o Brasil não se alinhará a nenhuma disputa entre potências globais. “Se Estados Unidos e China quiserem fazer uma Guerra Fria, nós não vamos aceitar. Não tenho preferência. Tenho interesse em vender para quem quiser comprar — para quem pagar mais.”
Lula encerrou a entrevista afirmando que sua atuação diplomática tem como base a negociação. “Nem meu pior inimigo pode dizer que o Lula não gosta de negociar. Aprendi política negociando. Não tenho nada contra a ideologia do Trump. Trump é um problema do povo americano. Eles votaram nele. Ponto final. Não vou questionar o direito soberano do povo americano, porque não quero que eles questionem o meu.”


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