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Dong Yu revela como a renda dita o rumo da China

O mundo observa: o modelo chinês de planejamento inspira países que buscam consistência em tempos de incerteza Há mais de sete décadas, a China adota um modelo único de planejamento econômico: os planos quinquenais. Criados pela primeira vez em 1953, esses documentos estratégicos de médio prazo definem as metas de desenvolvimento nacional e são acompanhados […]

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Entre PIB, consumo e tecnologia, o novo ciclo carrega a missão de sustentar empregos e renovar motores de crescimento.
Em meio a desafios globais, a China prepara o 15º plano para equilibrar crescimento, renda e confiança em sua trajetória econômica.

O mundo observa: o modelo chinês de planejamento inspira países que buscam consistência em tempos de incerteza


Há mais de sete décadas, a China adota um modelo único de planejamento econômico: os planos quinquenais. Criados pela primeira vez em 1953, esses documentos estratégicos de médio prazo definem as metas de desenvolvimento nacional e são acompanhados de perto tanto dentro do país quanto no exterior. Hoje, eles se tornaram não apenas um instrumento de gestão, mas também uma vitrine da forma como Pequim organiza sua trajetória de crescimento.

Quem conhece os bastidores desse processo é Dong Yu, vice-presidente executivo do Instituto Chinês de Planejamento de Desenvolvimento da Universidade Tsinghua desde 2019. Antes de ingressar na academia, ele ocupou cargos de peso em órgãos que estão no coração das decisões econômicas do governo central, como a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma e o Escritório da Comissão Central de Assuntos Financeiros e Econômicos.

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Yu participou ativamente da elaboração dos 11º, 12º e 13º planos quinquenais. Em entrevista recente, ele explicou por que a renda continua sendo o fio condutor desses documentos, comentou o desempenho dos planos anteriores e antecipou o que pode estar em jogo no próximo ciclo — o 15º plano, que começa a ser desenhado em breve.

Da economia centralizada ao mercado

Segundo Dong Yu, os planos quinquenais passaram por uma transformação significativa ao longo do tempo. Antes vistos como símbolos da economia rigidamente planejada, eles ganharam nova relevância após a política de “reforma e abertura” lançada em 1978.

“No início, quando a China ainda era pobre e frágil, era preciso organizar grandes projetos para construir as bases da economia nacional e criar setores praticamente do zero”, relembra. Nem todos os primeiros planos atingiram as metas propostas, devido às dificuldades internas da época. Porém, com as reformas, o país conseguiu cumprir grande parte dos objetivos e consolidar um modelo de crescimento de longo prazo.

Um marco simbólico ocorreu no 11º plano (2006-2010), quando a palavra usada no título em chinês mudou de jihua para guihua. Embora ambas possam ser traduzidas simplesmente como “plano”, a segunda expressão carrega um sentido mais estratégico e macroeconômico, refletindo a transição de uma economia centralizada para uma economia de mercado.

O equilíbrio do ciclo de cinco anos

Dong Yu defende que o prazo de cinco anos é o ponto ideal entre a flexibilidade dos planos anuais e a ambição das visões de 15 ou 20 anos. “É um horizonte equilibrado e prático, que permite prever cenários com maior realismo e, ao mesmo tempo, executar políticas consistentes”, explica.

Os planos costumam reunir cerca de 20 indicadores-chave, divididos em duas categorias: alguns são obrigatórios, outros funcionam como metas antecipatórias, que representam expectativas, mas não exigências rígidas. Apesar disso, a maioria desses indicadores tem sido cumprida, sinal de que foram definidos de maneira razoável.

Resultados e desafios recentes

O atual 14º plano quinquenal já percorreu mais da metade de seu caminho. Apesar de ter enfrentado um contexto global marcado por incertezas e turbulências, Yu avalia que a maioria dos indicadores está em linha com o esperado. “Apenas uma pequena parcela das metas encontrou obstáculos, mas, em geral, o desempenho é sólido”, afirma.

Ele acredita que, até o fim do ciclo, os 20 indicadores principais deverão mostrar resultados consistentes — o que, em sua visão, é ainda mais notável diante dos desafios inesperados que surgiram ao longo desses anos.

A referência que inspira outros países

Se antes o modelo chinês de planejamento era visto com desconfiança por alguns, hoje ele desperta interesse além das fronteiras. “Outros países começam a observar e até a imitar essa forma de organizar o desenvolvimento”, ressalta Dong Yu. Para ele, a força dos planos está justamente em sua capacidade de unir visão estratégica de longo prazo com metas claras de médio prazo, sempre tendo a melhoria da renda e da qualidade de vida como pano de fundo.

Com o 15º plano quinquenal já no horizonte, a expectativa é de que a China siga apostando nesse equilíbrio — buscando crescimento econômico, mas sem perder de vista a sustentabilidade e o bem-estar de sua população.

Mais do que um número: a mensagem por trás da meta do PIB

Quando se fala em plano quinquenal, uma das primeiras perguntas costuma girar em torno da taxa de crescimento do PIB. Não é por acaso: essa é a métrica que concentra os holofotes, dentro e fora da China. Mas, para Dong Yu, o debate vai além do percentual.

“O mais importante não é apenas a meta do PIB em si, mas sim o sinal que ela envia ao mercado e a forma como é enviado”, defende. Em sua visão, o número é tão relevante quanto a confiança que transmite a investidores, empresários e à própria população.

Expectativas e projeções

Embora tanto órgãos oficiais quanto centros de pesquisa independentes já tenham feito cálculos, Dong Yu faz uma distinção crucial: metas não são previsões. Enquanto projeções partem de análises técnicas, as metas também consideram o impacto psicológico e político que exercem sobre os agentes econômicos.

Atualmente, há um consenso entre muitos especialistas: um crescimento médio de 5% entre 2026 e 2030 seria uma meta “moderadamente ambiciosa”. Para Yu, esse patamar pode funcionar como um reforço de expectativas positivas, sem cair na armadilha de metas inalcançáveis ou excessivamente conservadoras.

Políticas macroeconômicas: estabilidade como sinal

Tradicionalmente, os planos quinquenais não entram em detalhes sobre políticas macroeconômicas específicas. Essas medidas, como explica Yu, sempre foram ajustadas dinamicamente conforme mudanças no cenário interno e externo, através de ações anticíclicas e intercíclicas.

Mesmo assim, ele sugere uma novidade: que o 15º plano traga desde o início um compromisso explícito com certo nível de apoio à política macroeconômica, sobretudo nos dois primeiros anos. Isso, segundo ele, aumentaria a previsibilidade para o mercado sem engessar a possibilidade de ajustes posteriores.

O papel estratégico das províncias

Outro ponto destacado por Yu é a responsabilidade das chamadas “potências econômicas provinciais”, regiões que concentram uma fatia significativa do PIB nacional. Segundo ele, o governo central já deixou claro que essas províncias precisam assumir responsabilidades maiores para sustentar o crescimento do país como um todo.

Se cada uma delas conseguir manter metas próprias de crescimento em torno de 5% ou mais, isso criará uma base sólida para que a meta nacional seja alcançada. Além disso, como os planos provinciais costumam ser divulgados antes do plano nacional, eles funcionam como uma espécie de termômetro antecipado do que esperar para o próximo ciclo.

Mais estratégia, menos obsessão numérica

Para Dong Yu, o debate em torno do PIB não deveria se limitar ao percentual final estampado no documento. O que está em jogo é a direção estratégica e a mensagem de confiança que a China deseja transmitir.

“A confiança não vem de apenas um número”, afirma. Na sua avaliação, o desafio do próximo plano será equilibrar metas realistas com sinais claros de estabilidade e compromisso com o desenvolvimento.

Com o 15º plano quinquenal prestes a sair do papel, a expectativa é de que Pequim combine pragmatismo e visão de longo prazo, reafirmando sua capacidade de adaptação em meio a um cenário global cada vez mais imprevisível.

Desafios estruturais no horizonte: indústria, regiões, cidades e demografia

À medida que a China se prepara para formular o 15º plano quinquenal, um ponto é claro: os desafios do próximo ciclo vão muito além de metas de PIB. Para Dong Yu, as prioridades devem ser vistas em quatro frentes principais — indústria, equilíbrio regional, dinâmica urbano-rural e demografia.

No setor industrial, o dilema é evidente. Os motores tradicionais, em especial o mercado imobiliário, perderam força e já não exercem o mesmo impacto no crescimento. Em contrapartida, o governo central aposta nas chamadas “indústrias pilares emergentes”, que incluem áreas de tecnologia de ponta, energias renováveis e manufatura avançada. “O maior desafio será até que ponto esses novos setores conseguirão ocupar o espaço deixado pelos antigos e se tornar, de fato, os novos propulsores da economia”, avalia Yu.

Um mapa econômico em transformação

Na frente regional, a discussão deixou de se restringir à clássica divisão entre leste desenvolvido e oeste menos dinâmico. Agora, a questão é mais refinada: como ativar polos específicos de crescimento no interior e no oeste do país. “Não se trata apenas de saber se essas regiões estão crescendo, mas de verificar se as oportunidades existentes podem ser sustentadas e se novas podem ser cultivadas”, explica o especialista.

Já no campo urbano-rural, a urbanização segue em ritmo mais lento, mas atingiu a marca histórica de 67%. Isso traz novos dilemas: como garantir que os serviços públicos acompanhem a migração rural para as cidades? A resposta a essa pergunta terá impacto direto em áreas cruciais como o mercado imobiliário e o consumo interno. “O ponto central é se conseguiremos aumentar o dinamismo econômico no processo de urbanização”, afirma.

O peso da demografia

No terreno demográfico, as tensões também são grandes. Nos próximos cinco anos, a China enfrentará uma combinação desafiadora: número recorde de graduados universitários entrando no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que a população total começará a encolher.

Esse cenário pressiona a criação de empregos e exige repensar a infraestrutura de serviços públicos em regiões que já sentem o impacto do envelhecimento populacional. Apesar de o governo ter lançado políticas para incentivar a natalidade, ainda não está claro se surtirão efeito. “O desemprego entre jovens e recém-formados deve se consolidar como um dos principais desafios do período”, alerta Yu.

Planos quinquenais: legado ou vantagem competitiva?

Ao falar sobre o papel dos planos quinquenais no mundo atual, Dong Yu reconhece as diferentes percepções. Para alguns, eles ainda carregam a imagem de uma herança da economia planejada. Mas, cada vez mais, vêm sendo vistos como uma vantagem institucional única.

Ele lembra que, durante décadas, autoridades estrangeiras que visitavam a China demonstravam enorme curiosidade pelo mecanismo de planejamento. Hoje, com o peso crescente da economia chinesa, esse interesse se intensificou. “Muitos deixaram de ver o plano como um resquício do passado para reconhecê-lo como parte da transição bem-sucedida da China para uma economia de mercado”, diz.

O que o mundo quer aprender com a China

Na avaliação de Yu, o que intriga observadores estrangeiros não é apenas o conteúdo dos planos, mas principalmente a capacidade de execução. “Muitos países têm dificuldade em manter a consistência de longo prazo. A China, por outro lado, conseguiu sustentar grandes projetos graças à continuidade de seu sistema político”, observa.

Ele lembra que alguns programas estratégicos ultrapassam o ciclo de cinco anos e se estendem por 10 ou até 15 anos, o que garante fôlego para iniciativas estruturantes. Isso cria um sistema interconectado que não se limita a papéis e metas, mas avança para ações concretas.

Nos últimos anos, até mesmo países como os Estados Unidos passaram a adotar medidas que se aproximam de uma política industrial inspirada no modelo chinês. Ainda assim, Dong Yu ressalta que, fora da China, as tentativas têm sido fragmentadas. “Eles copiam a forma ou algumas políticas isoladas, mas o processo completo, da formulação à implementação, é muito difícil de replicar.”

A lógica do longo prazo

Para Yu, há uma lição universal nos planos quinquenais: qualquer governo que pretenda crescer de forma sustentável precisa conciliar prioridades de curto prazo com objetivos de longo prazo. Isso exige, muitas vezes, abrir mão de ganhos imediatos para investir em fundamentos duradouros.

“A China tende a olhar para frente, priorizando o desenvolvimento estrutural, mesmo que isso signifique não buscar resultados rápidos a qualquer custo”, resume. Essa postura, acredita ele, é o que torna o modelo de planejamento chinês não apenas resiliente, mas também cada vez mais observado como referência em todo o mundo.

O caminho para a China se tornar o maior mercado consumidor do mundo

Uma das perguntas que mais despertam atenção em relação ao futuro da economia chinesa é: a China pode se tornar o maior mercado consumidor do planeta nos próximos cinco anos? Para Dong Yu, a resposta é que o país já está muito próximo disso — e, em alguns aspectos, já superou os Estados Unidos.

Durante a formulação do 14º plano quinquenal, essa possibilidade chegou a ser discutida como meta oficial. À época, a diferença em relação ao mercado americano era mínima, e havia confiança de que a liderança viria em breve. No entanto, fatores externos, como as flutuações cambiais, acabaram adiando essa conquista.

Mesmo assim, em termos de poder de compra real, os números impressionam: segundo dados do Banco Mundial, as vendas no varejo da China em 2024 já representaram 1,6 vez o volume registrado nos Estados Unidos. Para Yu, esse é um dado que reforça a importância de colocar o consumo no centro do 15º plano quinquenal.

O desafio de estimular o consumo em larga escala

Mas a questão não se resume a definir metas ambiciosas. O desafio central é como impulsionar o consumo de maneira sustentável. Em alguns países, políticas como vales ou subsídios diretos ajudaram a aquecer a demanda. No entanto, Yu alerta que aplicar medidas desse tipo em um país com 1,4 bilhão de habitantes levanta perguntas complexas:

  • Qual o valor de subsídios que o sistema fiscal conseguiria sustentar?
  • Qual escala de incentivos seria realmente eficaz para estimular o consumo?
  • Quais grupos populacionais deveriam ser priorizados?

“O comportamento dos consumidores varia muito e não há garantia de que um subsídio seja convertido em gastos adicionais”, ressalta.

Consumo e investimento: aliados, não rivais

Na opinião de Dong Yu, é preciso evitar interpretações simplistas que colocam o consumo e o investimento em lados opostos. “A regulação macroeconômica não é um cabo de guerra. Precisamos dos dois. O essencial é reduzir os investimentos ineficientes e apostar naqueles que fortalecem a competitividade futura”, explica.

Ele cita o exemplo dos Estados Unidos, onde investimentos em inteligência artificial (IA) têm impulsionado a economia a ponto de, segundo estimativas do Departamento de Análise Econômica, contribuírem mais para o crescimento do que o próprio consumo agregado. Para Yu, esse é um sinal claro de que a China não pode negligenciar setores de ponta, mas sim ampliar o investimento em novas tecnologias, equilibrando inovação e demanda interna.

As novas frentes do consumo chinês

Seja no presente, seja no futuro próximo, Yu enxerga duas áreas decisivas para transformar a China em uma potência global do consumo.

A primeira é o consumo de serviços, especialmente em setores ligados ao dia a dia, como alimentação, hospedagem e lazer. “Essas áreas têm impacto direto no emprego e abrem espaço para novas formas de consumo que crescem de forma significativa”, destaca.

A segunda prioridade é a criação de cenários de consumo diversificados, como sugerido na última Conferência Central de Trabalho Econômico. Isso envolve remover barreiras e restrições que ainda limitam a demanda em várias frentes.

“Precisamos criar oportunidades de consumo não apenas para a classe trabalhadora, mas também para diferentes faixas de renda”, diz Yu. Para ele, nem sempre será necessário recorrer a grandes pacotes fiscais; muitas vezes, bastará eliminar entraves regulatórios que freiam a expansão do mercado interno.

Mais ousadia em setores estratégicos

Especialistas também apontam caminhos mais ousados, como serviços médicos de alto padrão e o turismo de luxo, áreas em que a China poderia reter gastos que hoje acabam saindo do país. Para Yu, adotar uma postura mais aberta nesses segmentos pode trazer ganhos rápidos e palpáveis.

“O importante é que cada setor identifique quais restrições desnecessárias podem ser retiradas. Muitas delas são relativamente simples de resolver e têm potencial de gerar resultados concretos em pouco tempo”, conclui.

Cada capítulo ligado à renda: o centro da estratégia econômica chinesa

Se há um ponto que atravessa todos os planos quinquenais da China, é a renda das famílias. Para Dong Yu, esse será mais uma vez o núcleo do próximo ciclo. “Cada capítulo do plano está, de uma forma ou de outra, conectado à renda familiar”, afirma.

No 14º plano quinquenal, a ideia de sincronizar o crescimento econômico com a renda dos moradores não foi uma meta obrigatória, mas ficou implícita como prioridade. Para o 15º plano, Yu acredita que o caminho será semelhante: estabelecer incentivos claros, mas sem transformar tudo em mandatos rígidos que poderiam destoar da lógica de mercado.

Isso não significa, no entanto, que o governo não possa definir metas concretas em áreas estratégicas, como cidades escolhidas para se tornarem polos internacionais de consumo. Além disso, políticas voltadas a melhorar a distribuição de renda e reforçar a rede de segurança para a população de baixa renda devem ganhar força.

“Discutir apenas como dividir o bolo econômico é insuficiente”, resume Yu. “O verdadeiro desafio é fazer o bolo crescer, pois só assim a partilha se torna mais justa.”

Emprego e expectativas: o elo frágil da confiança

Um dos pontos mais delicados no horizonte é a estabilidade do emprego. Para Dong Yu, não basta apenas gerar postos de trabalho: é preciso garantir confiança nas expectativas de renda futura.

“Hoje, colocamos as expectativas em uma posição de importância sem precedentes”, explica. Em sua avaliação, comunicar de forma precisa e estável as políticas governamentais é tão importante quanto sua execução. Sem clareza, empresas e famílias ficam inseguras, retraindo investimentos e consumo.

A pressão deflacionária, somada ao envelhecimento populacional, reforça esse desafio. A solução, segundo Yu, passa por dar maior segurança econômica em múltiplos níveis, especialmente para empresas privadas e empreendedores, que são motores de inovação e geração de empregos.

O papel do mercado global

Outro ponto central é a relação da China com os mercados internacionais. O desaquecimento da demanda externa preocupa empresas exportadoras, que podem ver sua expansão comprometida caso os pedidos internacionais diminuam.

Além disso, cresce o debate mundial sobre a capacidade produtiva chinesa e seus impactos sobre a concorrência global. “Precisamos continuar a buscar mercados internacionais, mas equilibrando esses esforços com a geração de empregos e oportunidades locais”, pondera Yu.

Esse equilíbrio, explica, já foi observado na história recente: o crescimento acelerado da costa leste chinesa acabou irradiando benefícios para o interior do país. Agora, com a saída de parte da manufatura avançada da China e o aumento dos investimentos externos, a expectativa é que novos dividendos de desenvolvimento se espalhem para outras regiões do mundo.

O duplo motor: consumo interno e demanda externa

Se no passado a China foi beneficiada pelos efeitos colaterais positivos de economias desenvolvidas, hoje ela própria gera externalidades globais, seja pela escala de suas empresas, seja pelo peso de seu comércio.

No entanto, para sustentar esse papel durante o 15º plano quinquenal, Yu destaca que será necessário um esforço em duas frentes:

  • Desbloquear o potencial de consumo interno, ampliando oportunidades e confiança das famílias;
  • Liberar a demanda externa, ajustando a oferta de produtos e serviços para atender às novas necessidades globais.

Esse movimento, afirma, não será simples. “Exigirá um trabalho mais direcionado e meticuloso”, conclui. Mas, para ele, esse é o caminho inevitável para garantir que a China siga não apenas crescendo, mas também influenciando a economia mundial de forma estrutural.

A próxima onda: IA, biomedicina e a corrida tecnológica

Se o debate global sobre “excesso de capacidade” coloca a China na defensiva, no campo da inovação tecnológica o país busca assumir uma posição ofensiva. Dong Yu acredita que o 15º Plano Quinquenal marcará um período decisivo de aceleração em indústrias emergentes e futuras, com destaque para robótica, biomedicina, veículos de nova energia e equipamentos de ponta.

“Esses setores já atingiram uma escala considerável e deverão desempenhar um papel ainda maior na economia”, afirma. A biomedicina, por exemplo, apresentou avanços encorajadores em 2024 e pode se tornar um dos motores de crescimento mais consistentes da próxima década.

No horizonte mais distante, estão áreas como interfaces cérebro-computador e tecnologias quânticas. O momento exato de suas transformações revolucionárias ainda é incerto, mas, segundo Yu, a China precisa estar preparada desde já: “A alocação de recursos para essas indústrias deve ocorrer já na primeira metade do 15º plano, para que não percamos as tendências de desenvolvimento”.

Vantagem competitiva: cenários de aplicação

Uma das maiores fortalezas da China, segundo Yu, está em sua amplitude industrial. Diferente de outros países, a maioria das inovações encontra cenários de aplicação imediata dentro do próprio mercado doméstico — algo que acelera testes, ajustes e escalabilidade.

“Mesmo que ainda sejamos relativamente fracos em algumas áreas de tecnologia essencial, a abundância de oportunidades de aplicação nos permite experimentar e expandir mais rápido que outros”, observa.

Por isso, ele alerta que o país deve evitar a tentação de impor regras rígidas cedo demais. “Quando novas tendências tecnológicas surgem, precisamos dar às indústrias emergentes e futuras espaço para crescer. Regras prematuras podem sufocar a inovação.”

O papel dos governos locais

Outro diferencial chinês é a mobilização de governos locais. Em todas as províncias, autoridades regionais competem para identificar e apoiar novas indústrias, elaborando análises detalhadas e planos próprios para atrair empresas e talentos.

Essa postura proativa, unida ao fato de a China formar o maior contingente anual de trabalhadores em STEM do mundo, cria um ambiente propício para que startups e empreendedores transformem ideias em negócios escaláveis.

No campo da inteligência artificial, a virada foi emblemática. “Antes do lançamento do DeepSeek, éramos muito bons em escalar projetos, mas tínhamos dificuldades em criá-los do zero. Isso levou à ‘involução’, uma corrida de replicação. Agora, a situação mudou. Há uma disputa feroz entre regiões para atrair cérebros, e isso torna a China um dos ecossistemas mais promissores do mundo para startups”, avalia Yu.

IA como motor de liderança global

Dong Yu é categórico: a China não ficará de fora da revolução industrial impulsionada pela inteligência artificial. Ao contrário, pode até avançar mais rápido e assumir liderança em áreas específicas.

Combinando a visão estratégica do governo central, a proatividade dos governos locais e o dinamismo de sua força de trabalho altamente qualificada, a China acredita estar posicionada para uma nova onda de crescimento explosivo em indústria e tecnologia durante o próximo plano quinquenal.

“O desafio não é apenas alcançar, mas definir os rumos”, conclui Yu. “Estamos diante de uma oportunidade histórica de transformar a inovação em competitividade sustentável.”

Planejamento de longo prazo em tempos de imprevisibilidade

À medida que o cenário global se torna mais instável, o planejamento estatal chinês ganha novo peso como instrumento de redução de riscos e ancoragem de expectativas. Para Dong Yu, o 15º Plano Quinquenal não apenas estabelecerá metas de crescimento, mas também servirá como uma espécie de mapa de segurança econômica, capaz de orientar empresas e investidores em meio à volatilidade.

“Cada plano não é apenas uma lista de iniciativas, mas um sistema de coordenação. Ele conecta diferentes setores, regiões e níveis de governo, garantindo que os recursos sejam alocados de maneira consistente e de longo prazo”, explica.

Cooperação internacional sob novas bases

A crescente preocupação internacional com cadeias de suprimentos, tarifas e competição industrial coloca a China sob pressão, mas também abre espaço para novas formas de cooperação. Dong Yu ressalta que startups estrangeiras podem encontrar no país um terreno fértil para acelerar sua inovação.

“Temos algo que outros países não possuem: cenários de aplicação em larga escala. Muitas tecnologias, especialmente na área de inteligência artificial, precisam de experimentação prática. Na China, essas condições existem”, afirma.

Esse ambiente cria uma relação de complementaridade: enquanto empresas estrangeiras trazem tecnologias pioneiras, a China oferece escala e demanda, permitindo que ideias sejam testadas em situações reais de mercado.

A lógica da autoconfiança

Apesar de incentivar cooperação, o plano reafirma um princípio de longa data: a necessidade de “focar em suas próprias prioridades”. Isso significa que, independentemente das turbulências externas, a China deve continuar a fortalecer suas próprias bases produtivas e tecnológicas, apostando em inovação doméstica, desenvolvimento regional equilibrado e aumento do consumo interno.

“O ambiente internacional está em rápida transformação. Mas, quanto maior a incerteza, mais importante é manter clareza estratégica”, resume Yu.

Um porto seguro relativo

No balanço final, a China se apresenta como um porto seguro relativo em meio ao mar revolto da economia global. Embora enfrente desafios como desaceleração demográfica, saída de algumas multinacionais e tensões comerciais, continua a oferecer algo que poucos mercados possuem: escala, estabilidade institucional e previsibilidade de longo prazo.

Para empresas estrangeiras, a mensagem é clara: permanecer engajado no mercado chinês não é apenas uma questão de participação local, mas de relevância global no futuro.

Com informações de South China Morning Post*

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