Novas salvaguardas para proteger produtores agrícolas europeus não foram suficientes para obter apoio mínimo necessário. Eventual aprovação do acordo ficou para janeiro.
Os agricultores obtiveram uma vitória sobre a indústria da União Europeia (UE) e conseguiram nesta semana adiar a assinatura do acordo de livre comércio com o Mercosul , que estava prevista para ocorrer no sábado (20/12) em Foz do Iguaçu.
Esta semana era considerada decisiva para a assinatura do acordo, negociado há quase três décadas. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho da UE, Antonio Costa, haviam planejado viajar até Foz do Iguaçu, onde ocorre uma cúpula do Mercosul, para assinar o texto – se houvesse a maioria necessária no bloco europeu.
Mas essa maioria não foi garantida após a Itália manifestar que não aprovaria o texto , por entender que uma proposta de criar salvaguardas extras aos produtores agrícolas europeus careciam de esclarecimento e confirmação. Junto a França, Polônia e Áustria, que são contra o acordo, formou-se quórum suficiente para travar o texto.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva , que na quarta-feira havia dito que o Brasil não apoiaria mais a assinatura acordo durante seu governo se ele não fosse fechado no sábado, conversou com a premiê italiana, Giorgia Meloni nesta quinta-feira e disse que ela havia pedido mais “no máximo um mês” para tentar convencer os produtores agrícolas italianos – e o brasileiro concordou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também apoiou o adiamento. “Alguns países da Europa estão precisando de mais tempo (…) Para esclarecer isso [o acordo] para a opinião pública, para os produtores rurais. Eu penso que talvez, se for pouco tempo, vai dar para esperar”, disse.
Equilíbrio do acordo em risco
Para tentar convencer os agricultores de países contrários ao acordo, a UE definiu nesta semana uma proposta de salvaguardas extras para protegê-los, que não constam do texto do acordo negociado com o Mercosul – o que pode vir a ensejar no futuro retaliações dos países sul-americanos.
Essas salvaguardas estabelecem que, caso as importações de alguns produtos sensíveis de países do Mercosul, como carne bovina e frango, cresçam mais de 8% em países da UE ou os preços caiam mais do que 8% abaixo da média de três anos, a Comissão Europeia pode abrir uma investigação e suspender as preferências tarifárias a esses produtos.
Essa investigação deverá ser concluída em até três meses para os produtos sensíveis, e medidas poderão ser anunciadas de forma cautelar já após 21 dias da notificação.
A criação dessas salvaguardas não foi bem recebida por integrantes do governo brasileiro, mas prevaleceu a vontade de fechar o acordo e, depois, discutir eventuais retaliações.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta quinta-feira que, caso o acordo seja assinado, os países do Mercosul poderão também definir políticas similares de salvaguardas – por exemplo, para proteger o setor automotivo.
O acordo negociado entre os dois blocos já contém restrições significativas à exportação de carne bovina e frango do Mercosul. Segundo uma projeção da Comissão Europeia, o texto limitaria esses itens do Mercosul com tarifas reduzidas a 1,5% e 1,3% do mercado europeu, respectivamente.
A França pressiona por ainda mais proteções ao setor agrícola, como uma obrigação de reciprocidade sobre regras de produção agropecuária.
Divisão entre países da UE
Um dos maiores apoiadores na UE do acordo com o Mercosul é a Alemanha, que vê nele uma oportunidade de ampliar a exportação de bens industrializados.
Na quarta-feira, Sepp Müller, vice-líder parlamentar da União Democrata Cristã (CDU), partido do chanceler federal Friedrich Merz, deu a entender que, sem o acordo com o Mercosul, haveria menos dinheiro alemão para sustentar as ambições da própria UE, que busca maior autonomia em relação aos EUA e se fortalecer militarmente. A Alemanha responde por quase um quarto do financiamento do orçamento da UE.
“A Alemanha é uma nação exportadora , do que, a propósito, todos os outros países da UE também se beneficiam (…). Se a Alemanha não voltar a ser uma forte nação exportadora, então nós não teremos a capacidade, econômica e financeiramente, de suportar quaisquer encargos adicionais para um quadro financeiro plurianual cada vez maior”, disse Müller.
Do outro lado está a França, envolta em uma crise orçamentária. O presidente Emmanuel Macron voltou a afirmar nesta quinta-feira que o acordo “não pode ser assinado” e que seu país fará todo o possível para bloqueá-lo.
Já Meloni não descartou apoiar o texto, mas disse que as propostas de salvaguardas ainda precisam ser aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu, e que seria necessário aguardar pela finalização desse processo antes de assinar o acordo.
“Todas essas medidas, embora tenham sido apresentadas, ainda não foram totalmente concluídas. Portanto, acreditamos que assinar o acordo nos próximos dias, como foi sugerido, ainda é prematuro”, disse ela.
A maior confederação de indústrias da UE, a BusinessEurope, criticou a decisão de adiar a votação do acordo, que considera “vital” para os interesses econômicos e políticos do bloco. “Exortamos todas as partes a chegarem rapidamente a um acordo sobre uma data para a assinatura que permita finalmente avançar com o processo de ratificação. A credibilidade da UE está em jogo como parceiro comercial fiável”, afirmou seu diretor-geral, Markus Beyrer, ao jornal Financial Times.
Aspecto geopolítico
O objetivo principal do acordo é ampliar as trocas comerciais entre a UE e o Mercosul, mas ele vem assumindo um crescente aspecto geopolítico em um contexto de rápidas transformações globais, incluindo o governo Donald Trump nos EUA, que desafia uma ordem mundial baseada em regras e ampliou tarifas comerciais, e o crescimento da China, que já é a maior parceira comercial do Brasil.
Esse ângulo foi destacado nesta semana por Lula: “O dado concreto é que nós, do Brasil, e nós, do Mercosul, trabalhamos muito para aceitar esse acordo e passar uma ideia no momento em que você tem um presidente dos Estados Unidos querendo fragilizar o multilateralismo e fortalecer o unilateralismo”.
E também por Haddad: “O que está em jogo é muito mais do que um acordo comercial, é um acordo de natureza política, com um sinal claro para o mundo de que nós não podíamos nos voltar a ter um ambiente de tensão entre dois blocos fechados”.
Tanto a UE e como o Mercosul são formados por países democráticos. Juntos, eles somam 721 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB) conjunto de cerca de 22 trilhões de dólares.
Publicado originalmente pelo DW em 19/12/2025
Por Bruno Lupion


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