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Mercado da IA revela o capitalismo em sua forma mais pura

O capitalismo em sua forma mais pura não se esconde em becos escuros; ele se senta em salas de reunião envidraçadas, veste ternos caros e, hoje, fala fluentemente a linguagem da “Inteligência Artificial”. O que estamos testemunhando com a PwC, um dos pilares do consultoria global, não é uma “adaptação estratégica”. É um banho de […]

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A promessa que a PwC não sustentou na era da automação

O capitalismo em sua forma mais pura não se esconde em becos escuros; ele se senta em salas de reunião envidraçadas, veste ternos caros e, hoje, fala fluentemente a linguagem da “Inteligência Artificial”. O que estamos testemunhando com a PwC, um dos pilares do consultoria global, não é uma “adaptação estratégica”. É um banho de sangue corporativo justificado por uma cortina de fumaça tecnológica.

Em 2021, no auge de uma euforia pós-pandêmica, o então líder Bob Moritz prometeu ao mundo 100.000 novos empregos até 2026. Era a face humana do capital, a promessa de prosperidade compartilhada. Três anos depois, essa promessa não foi apenas esquecida; ela foi ativamente revertida.

Sob a nova gestão de Mohamed Kande, a PwC não está contratando; está encolhendo. O último relatório anual, uma peça de ficção corporativa cuidadosamente elaborada, revela a verdade fria: 5.600 empregos foram eliminados globalmente. O gigante não está apenas pisando no freio; está dando ré, esmagando as aspirações de milhares de trabalhadores.

Para atingir a meta original, seriam necessárias mais de 30.000 novas vagas este ano. Esse número agora soa como uma piada cruel, e a liderança da PwC sequer teve a decência de mencioná-lo no novo relatório. Foi varrido para debaixo do tapete, junto com a poeira de seus escândalos recentes.

Quando questionado sobre o abandono da meta de contratação — sobre o destino desses 100.000 seres humanos — a resposta de Kande foi tão previsível quanto desoladora. Ele não falou sobre pessoas. Ele falou sobre máquinas.

“Implementámos ferramentas de IA e capacitámos mais de 315.000 pessoas em IA, o que está a aumentar a produtividade dos nossos colaboradores”, disse Kande.

Leia-se: a “produtividade” é o novo nome para fazer mais com menos gente. A IA não está sendo usada para libertar o trabalhador de tarefas mundanas; está sendo usada para eliminar o trabalhador por completo. A prova cabal está na alocação de recursos: a meta de investimento de US$ 12 bilhões, destinada majoritariamente à tecnologia (incluindo IA) e aquisições, foi atingida com um ano de antecedência. O investimento em capital foi acelerado. O investimento em gente foi cancelado.

Esta é a lógica do capital financeiro: a máquina, que não tira férias, não fica doente e não exige participação nos lucros, é sempre o investimento preferido. Os 315.000 “capacitados” em IA deveriam olhar para o lado e notar os 5.600 que já se foram; eles não estão sendo treinados para o futuro, estão sendo treinados para treinar seus substitutos digitais.

A “tempestade perfeita” que a empresa alega enfrentar — crescimento lento, IA e escândalos — é apenas uma desculpa conveniente. O crescimento da receita, embora mais lento (2,7%), ainda atingiu a cifra astronômica de US$ 57 bilhões. O problema não é a falta de dinheiro; é a ganância por margens de lucro cada vez maiores.

O relatório admite que o setor de consultoria desacelerou, e o texto-base da matéria jornalística é claro: as demissões em todo o setor visam “preservar o lucro dos sócios”.

É a primeira vez desde a crise financeira de 2010 que a PwC reduz seu quadro de funcionários. Naquela época, a desculpa foi o colapso financeiro global. Hoje, a desculpa é a eficiência. Mas o resultado é o mesmo: 1.500 demitidos nos EUA, 1.500 no Oriente Médio, e um golpe nos recém-formados do Reino Unido, cujas vagas foram cortadas.

E, na maior demonstração de desprezo pela transparência, a PwC decidiu, convenientemente, não divulgar detalhes sobre seu lucro líquido este ano. Nos últimos três anos, esse lucro já vinha desacelerando. Agora, preferem escondê-lo. Os trabalhadores são demitidos em público, mas os lucros dos sócios são protegidos em privado.

A PwC não está apenas lidando com a economia; está fugindo de seus próprios fantasmas. A empresa foi forçada a lidar com escândalos que expõem a podridão moral no cerne de suas operações.

Na Austrália, um sócio vazou informações confidenciais do governo. Não foi um erro; foi uma traição da confiança pública para ganho privado. Na China, a PwC foi a auditora complacente da Evergrande, a gigante imobiliária que faliu após ser considerada culpada de superestimar suas receitas. A PwC estava lá, assinando os papéis enquanto o castelo de cartas desmoronava.

Como resultado, a receita na Ásia-Pacífico encolheu 4,1%. A resposta de Kande a essa falha sistêmica? Uma nova doutrina de “qualidade”.

“Estamos focados incansavelmente na qualidade e em ter a carteira de clientes certa”, afirma Kande.

Novamente, vamos traduzir o jargão corporativo: “qualidade” significa livrar-se de clientes “arriscados” ou menos lucrativos, especialmente após suas próprias falhas terem tornado o risco evidente.

A manifestação mais clara dessa nova estratégia é uma retirada vergonhosa. A PwC deixou de operar em 13 países, “principalmente na África”. O capital global extrai valor do Sul Global e, ao primeiro sinal de problema (ou de lucros menores), bate em retirada, abandonando mercados inteiros. O número de clientes caiu de 180.000 para 175.000.

Isto não é foco na “qualidade”. É uma admissão de derrota e uma fuga da responsabilidade. Depois de falharem em auditar fraudes massivas na China, eles agora decidem que os mercados africanos são “arriscados” demais.

A história da PwC é um microcosmo do capitalismo tardio. A promessa de 100.000 empregos foi substituída pela eficiência fria da IA. A responsabilidade pública foi substituída pela proteção do lucro dos sócios. E a expansão global foi trocada por uma retirada estratégica dos mercados mais pobres. O gigante não está apenas freando; está escolhendo ativamente quem será deixado para trás.

Com informações de Financial Times*

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