Nassif e a crônica de Roma Antiga

Algeria, archway in Roman ruin C: Corel Stock Photo

Uma das raras coisas boas proporcionadas pelo caos político que vivemos é a oportunidade de lermos críticas tão divertidas como esta do Nassif, que reproduzo abaixo.

O texto é repleto de advertências trágicas, mas o seu tom irônico, flertando com o cinismo, nos remete aos grandes cronistas de Roma Antiga, como Suetônio e Salustio.

As intrigas, as conspirações, a corrupção, nos fazem duvidar se, em verdade, não viajamos no tempo e estamos vivendo alguns séculos antes de Cristo, naquela república onde plebeus e patrícios, populares e optimates, viviam eternamente em estado de conflagração.

Tudo nos faz lembrar o passado. Assim como hoje, as elites romanas conservavam o poder através do acesso aos cargos do aparelho estatal, em especial aqueles ligados à repressão.

Ministério público, judiciário, Polícia Federal tinham seus correlatos nos cargos políticos que os patrícios (aristocratas) reservavam apenas para si: censor, edil, pretor, magistrado, questor.

O povo, os plebeus, tinha acesso aos cargos de tribuno, o deputado da época.

Alguns plebeus, ou representantes do partido popular, alcançaram a função máxima, de cônsul. Entre eles, Caio Graco, que tentou implementar uma agenda política revolucionária, sendo vítima de intrigas, conspirações e golpes.

Assim como hoje, o capital tentava corromper os tribunos ou capturá-los em alguma intriga assim que estes assumiam seu cargo.

A grandeza de Roma nasceu justamente da força gerada por seus terríveis conflitos internos.

E assim a República sobreviveu por séculos, até sucumbir tragicamente sob o peso de seus próprios interesses imperialistas no resto do mundo.

Pelo menos isso temos ao nosso lado, a criatividade.

Se pensarmos na babaquice hipócrita de um Marco Antonio Villa ou na histeria farisaica de um desses blogueiros da direita, entenderemos um pouco melhor porque, apesar do massacre midiático contra todas as políticas populares, conseguimos fazer tantas mudanças, em tão pouco tempo.

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A hora do grande acerto de contas nacional

Por Luis Nassif, em seu blog.

TER, 28/07/2015 – 00:05
ATUALIZADO EM 28/07/2015 – 07:50

Ainda não caiu a ficha dos principais atores públicos – governo, oposição, Congresso, mídia, Ministério Público Federal – sobre o tamanho da crise que se avizinha.

Quadro fiscal – não há nenhuma possibilidade do ajuste fiscal de Joaquim Levy dar certo. Criou-se uma dinâmica perversa em que cada corte de despesas aumenta mais a recessão provocando uma queda proporcionalmente maior na receita; e a elevação descomunal da taxa Selic impede qualquer estabilização no déficit nominal.

Era um quadro previsível que, agora, confirma-se com os últimos dados divulgados:

Apenas no mês passado, o impacto dos juros na dívida pública federal foi de R$ 23,34 bilhões.

A recessão derrubou em R$ 122 bilhões a arrecadação de dois tributos, os administrados e a arrecadação previdenciária. Parte pela queda da atividade, parte por manobras fiscais defensivas das empresas.

Haverá um impacto adicional na dívida na eventualidade de um rebaixamento do país pela agência Moody´s.

Ainda não foram contabilizados os impactos da desvalorização cambial sobre os swaps cambiais do Banco Central.

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Quadro internacional – Avolumam-se os sinais de uma nova crise. Os superinvestimentos dos anos de bonança criaram um excesso de capacidade. Ainda não terminou a parte mais aguda do processo de desinflação mundial.

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Efeito junho de 2013 – as manifestações de junho de 2013 provocaram um cataclismo político cujas consequências mais graves estão se fazendo sentir agora. Com o modelo institucional vigente sem condições de atender às insatisfações, buscou-se a saída em outras instâncias. Em 1964, foram os militares; em 2015, a república dos procuradores. Para atingir seus objetivos, vale tudo, até divulgar mensagens em celulares de filha de detido ou divulgar como obra de arte valiosa meras gravuras. O inferno das denúncias e julgamentos midiáticos prosseguirá por muito tempo.

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O efeito Lava Jato encontrou pela frente um vácuo absoluto de poder.

No Executivo, uma presidente atemorizada e um Ministro da Justiça ausente. No STF (Supremo Tribunal Federal), Ministros intimidados pelo clamor das ruas. Na PGR (Procuradoria Geral da República) e na Polícia Federal comandantes corretos, honestos, mas sem liderança sobre a tropa. No Congresso, um bando de coelhos em pânico com a possibilidade de serem indiciados, colocando fogo na casa para se salvarem. No PSDB, um oportunismo amplo, irrestrito e hipócrita, de prostitutas em convento sem perceber que serão consumidos pela fogueira que armarem; no PT, o quadro desabonador das prostitutas flagradas no próprio prostíbulo. Duas lideranças referenciais – FHC e Lula – sufocadas pelos novos tempos e deixando de ser referencias. E a mídia vivendo intensamente o gozo do escândalo final, como se fosse o último dia, como nos grandes cabarés franceses antes da invasão alemã.

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Em algum momento, todos terão que sentar, solidários como náufragos acotovelando-se em um barco no mar revolto. Se a presidente voltar a si logo, poderá aspirar a coordenar o processo. Caso contrário, terá que ceder o lugar.

Mesmo assim, tem-se um país moderno pronto para iniciar a recuperação assim que as chamas políticas amainarem.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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