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Rubens Casara: O golpe, a linguagem e o problema mental

Reproduzimos abaixo um artigo de Rubens Casara, publicado no Viomundo. Casara é autor de Estado Pós-Democrático, obra que já nasceu clássica, de denúncia contra a manipulação da justiça para controle político da população. *** Um Problema Mental da Nação por Rubens Casara*, especial para o Viomundo Os discursos de ódio, a dificuldade de interpretar um […]

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Reproduzimos abaixo um artigo de Rubens Casara, publicado no Viomundo. Casara é autor de Estado Pós-Democrático, obra que já nasceu clássica, de denúncia contra a manipulação da justiça para controle político da população.

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Um Problema Mental da Nação

por Rubens Casara*, especial para o Viomundo

Os discursos de ódio, a dificuldade de interpretar um texto, o desaparecimento das metáforas, a incompreensão das ironias, a divulgação de notícias falsas (ou manipuladas) e o desrespeito à Constituição são fenômenos que podem ser explicados a partir de uma única causa: o empobrecimento subjetivo.

Empobrecimento que se dá na linguagem. Alguns chegam a falar na “arte de reduzir cabeças”, outros no encolhimento das mentes.

A linguagem, e isso já foi dito antes, sempre antecipa sentidos. Uma linguagem empobrecida antecipa sentidos empobrecidos, estruturalmente violentos, pois se fecham à alteridade, às nuances e à negatividade que é constitutiva do mundo e se faz presente em toda percepção da complexidade.

Sentidos empobrecidos que não se prestam à reflexão e que são funcionais à manutenção das coisas como estão.

A linguagem empobrecida é resultado e atende à razão neoliberal, a esse modo de ver e atuar no mundo que transforma (e trata) a tudo e a todos como mercadorias, como objetos que podem ser negociados.

A lógica das mercadorias esconde o negativo e o complexo enquanto apresenta discursos que mostram as coisas existentes como pura positividade e simplicidade.

Não é por acaso que para atender ao projeto neoliberal, que poderíamos resumir como a total liberdade voltada apenas para alcançar o lucro e aumentar o capital, cria-se uma oposição à mentalidade subjetiva, apaixonada, imaginativa e sensível.

Segundo o mantra neoliberal, não há que se sensibilizar com a violação a direitos fundamentais diante dos interesses do mercado e da circulação do capital. Há uma recusa a qualquer compaixão ou empatia. A proposta é de que se esqueça como lidar e reagir ao sofrimento e a dor.

Na era do empobrecimento da linguagem, não há espaço para a negatividade que é condição de possibilidade tanto da dialética quanto da hermenêutica mais sofisticada. Tudo se apresenta como simples para evitar conflitos, dúvidas e perspectivas de transformação.

Aposta-se em explicações hipersimplistas de eventos humanos, o que faz com que sejam interditadas as pesquisas, ideias e observações necessárias para um enfoque e uma compreensão necessária dos fenômenos.

Correlata a essa “simplificação” da realidade, há a disposição a pensar mediante categorias rígidas. A população é levada a recorrer ao pensamento estereotipado, fundado com frequência em preconceitos aceitos como premissas, que faz com que não tenha a necessidade de se esforçar para compreender a realidade em toda a sua complexidade.

Quem se afasta do pensamento raso e dos slogans argumentativos, e assim coloca em dúvida as certezas que se originam da adequação aos preconceitos, torna-se um inimigo a ser abatido, isso se antes não for cooptado.

Nesse sentido, pode-se falar que o empobrecimento da linguagem gera o ódio direcionado a quem contraria essas certezas e desvela os correlatos preconceitos.

É também o empobrecimento da linguagem que reforça a dimensão domínio-submissão e leva à identificação com figuras de poder (“o poder sou Eu”).

Pense-se em um juiz lançado no empobrecimento da linguagem, não há teorias, dogmática, tradição ou lei que sirva de limite: a “lei” é “ele mesmo” a partir de suas convicções e de seu pensamento simplificado.

Em outras palavras, o empobrecimento da linguagem abre caminho à afirmação desproporcional tanto da convicção e de certezas delirantes quanto dos valores “força” e “dureza”, razão pela qual pessoas lançadas na linguagem empobrecida sempre optam por respostas de força em detrimento de respostas baseadas na compreensão dos fenômenos e no conhecimento.

Essa ênfase na força e na dureza leva ao anti-intelectualismo e à negação de análises minimamente sofisticadas.

A razão neoliberal se sustenta diante da hegemonia do vazio do pensamento expressa no visível empobrecimento da linguagem, da ausência de reflexão e de uma percepção democrática de baixíssima intensidade.

Qualquer processo reflexivo ou menção aos valores democráticos representam uma ameaça a esse projeto de mercantilização do mundo.

Não por acaso, a razão neoliberal levou à substituição do sujeito crítico kantiano pelo consumidor acrítico, do sujeito responsável por suas atitudes pelo “a-sujeito” que protagoniza a banalidade do mal, que é incapaz de refletir sobre as consequências de seus atos.

Pode-se, então, identificar a sociedade que atende à razão neoliberal como uma sociedade do pensamento ultra-simplificado.

A exigência de simplificação tornou-se um verdadeiro fetiche e um tema totalizante. Como em toda perspectiva totalizante, há uma tendência à barbárie: aos que não cederam ao pensamento simplificado, reserva-se a exclusão e, no extremo, a eliminação.

As coisas se tornam simples ao se eliminar qualquer elemento ou nuance capaz de levar à reflexão.

A simplicidade neoliberal exige que se elimine toda negatividade e as diferenças que não podem ser objeto de exploração comercial, fazendo com que a coisa se torne rasa, plana e incontroversa, para que se encaixe sem resistência ao projeto neoliberal.

A simplicidade leva a ações operacionais, no interesse do capital, que se subordinam a um governo passível de cálculo e controle.

A simplicidade se afasta da verdade e mostra-se compatível com a informação (também simplificada).

A verdade, por definição, é complexa, formada de positividades e negatividades, a ponto de não ser apreensível por meio de atividade humana. A verdade nunca é meramente expositiva.

A informação é construída e manipulada segundo a lógica das mercadorias. A informação simplificada recorre aos preconceitos e as convicções dos destinatários para se tornar atrativa e ser consumida.

Da mesma maneira, a simplicidade neoliberal também impede o diálogo, que exige abertura às diferenças, para insistir em discursos, adequados ao pensamento estereotipado e simplificador, verdadeiros monólogos, por vezes vendidos como “debates”.

O ideal de comunicação na era da simplificação neoliberal parte do paradigma do amor ao igual. A comunicação ideal seria aquela entre iguais, na qual o igual responde ao igual e, então, se gera uma reação em cadeia do igual.

É esse amor ao igual, avesso a qualquer resistência do outro, o que só é possível diante da linguagem empobrecida, é que explica o ódio ao diferente, a quem se coloca contra esse projeto totalizante e a essa reação em cadeia do igual.

Vale lembrar que Freud já identificava nos casos de paranoia um amor ao igual (amor homossexual) que não era reconhecido e se tornava insuportável a quem amava.

Esse ódio, que nasce do amor ao igual e da comodidade gerada pelo pensamento simplificador, direciona-se à alteridade que retarda a velocidade e a operacionalidade da comunicação entre iguais, coloca em questão as certezas e desestabiliza o sistema.

Quem ousa ser diferente (e pensar para além do pensamento simplificador autorizado), deve ser eliminado, simbólica ou fisicamente, em atenção ao projeto neoliberal.

* Rubens Casara é Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, Juiz de Direito do TJ/RJ.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Heloísa Coellho

11/02/2018 - 20h25

Excelente artigo. A indústria cultural de baixo nível é dominante e quando se reduz a linguagem a “Mim Tarzan, tu Jane” temos um tipo de desenvolvimento neuronal. Quando conseguimos entender Chico Buarque e Machado de Assis, temos outro. Aqui não vai nenhum elitismo. Basta ver “Programa do Faustão”, “Caldeirão do Huck”, para entendermos como nosso povo tem sido emburrecido há décadas, e não digam que tais “produtos” são de origem popular. As redes sociais estão mais próximas dessas coisas do que a comunicação direta, cada vez menor. Receio que também ocorra fora do Brasil, essa decadência planetária, que geralmente antecede algum grande conflito bélico.

Clá

09/02/2018 - 13h17

E para que servem as redes sociais? Algum ingênuo acredita que as empresas privadas de grande capital inventaram o celular e as redes sociais para facilitar a vida do campo social? Não é por acaso que a linguagem usada nas redes sociais é absolutamente empobrecida; trata-se de um espaço onde todos têm uma opinião, mas ninguém fundamente coisa alguma. A linguagem das redes sociais está a serviço da Nova Ordem Mundial, do capitalismo financeiro e seu correlato neoliberal.
Além de empobrecida, a linguagem das redes sociais não têm a modulação tonal que é própria da linguagem falada. Segundo as ideias de Franco Berardi (Bifo), essas “modulações de tom” é o que marca a relação do sujeito com a corporeidade; é aquilo que garante a conexão do sujeito com ele mesmo e com o mundo; são as forças da vida. Nas redes sociais, a relação entre os sujeitos perde a corporeidade, torna-se tecnológica e isso gera um campo social caracterizado por laços frouxos entre os sujeitos. Essa fragilidade dos laços entre os sujeitos produz uma precariedade subjetiva que transforma os seres humanos em inimigos. Essa forma de laço social tem uma alta potência destrutiva; são as forças da morte em ação. Esta é a estratégia do capitalismo financeiro (que se alimenta da destruição e da morte): fragilizar as conexões do sujeito com ele mesmo e com o mundo. Como se destrói um sujeito? Desligando, nele a capacidade de construir sentido, de interpretar. Desativando, nele, a possibilidade de se conectar com suas próprias experiências e enriquecer, rever, reelaborar seu lugar de fala. Daí a relação direta entre as redes sociais e o capitalismo financeiro. É o instrumento perfeito para viabilizar a implantação da Nova Ordem Mundial. Essa tecnologia, no meu modo de entender, foi o que faltou a Adolf Hitler. Com esses instrumentos nas mãos, aquela mente insana teria feito coisas muitíssimo piores. Essas mentes ainda existem, nos dias de hoje… mentes neoliberais, fundamentalistas.
Quando coloco a pergunta “Como se destrói um sujeito?” Gostaria de acrescentar, aqui, que nós, humanos, aprendemos a capacidade de dar sentido, de interpretar o mundo, o outro e a nós mesmos, em um tempo muito precoce: quando ainda somos bebês, por meio do afeto que é veiculado pela voz do cuidador. Esse afeto se expressa pelas modulações tonais da voz do cuidador, quando este se refere ao bebê. As perturbações nessa comunicação afetiva precoce, facilita a emergência das patologias. É por isso que ouvimos dizer, com certa freqüência, que a depressão será a “doença” do século XXI. A depressão acomete o sujeito quando ele se vê impossibilitado de atribuir sentido ao mundo, ao outro e a ele mesmo.
Todos estão muitíssimos satisfeitos com seus planos de celulares, oferecidos pelas operadoras “boazinhas”. As pessoas já estão até desligando seus telefones fixos! Você, leitor, deve estar me perguntando: “Ah, e para que serve telefone fixo se eu passo a maior parte do tempo no trabalho e nem fico em casa?” E eu lhes respondo: ótima pergunta, leitores! A próxima pergunta a ser feita é: e para que serve a sua casa, então, se você nem tem tempo para estar naquele espaço? Vocês acham que os judeus da Nova Ordem Mundial já não estão pensando nisso há muito tempo? Aguardem… o futuro próximo…as novas leis trabalhistas já garantem que você, intermitente, não precisará de uma casa para morar, pois poderá tirar uma soneca no banheiro da empresa mesmo… e quando acordar, já estará em seu próximo turno…até os 80 ou 90 anos de idade…? Até quando você aguentar… depois… foda-se.

    Carlos Monteiro

    09/02/2018 - 14h16

    Artigo brilhante tenho que salvar…COMENTÁRIO BRILHANTE,TAMBÉM.
    Foi perfeita.

Tânia de Martino

09/02/2018 - 10h50

Reflexão inteligente e clara! Muito oportuna. Grande contribuição à compreensão da realidade do Brasil e do mundo.
A ideia – amor ao igual/ resistência ao outro – explica tudo! Qualquer um pode entendê-la.
A sugestão do Alex sobre o livro é ótima!
Quero comprar…

Mário

08/02/2018 - 17h25

Após o golpe o Brasil se tornou um país GROTESCO!

twoprong

08/02/2018 - 15h27

Há direitistas hoje em dia que dizem que o neo-liberalismo é de esquerda, coisa de comunistas do partido democrata dos e.u.a..

Allex

08/02/2018 - 14h42

Excelente artigo. A relação entre o empobrecimento da linguagem (e, por conseguinte, da comunicação) e uma visão de mundo simplória, imediatista, ególatra e preconceituosa. Ambiente propício para a rapina neoliberal, o consumismo e os golpes contra o povo.
A propósito, Miguel do Rosário. O blogueiro já pensou em editar/organizar um livro com os melhores artigos sobre o golpe e a atual tragédia brasileira? Seria leitura obrigatória e um tesouro para a posteridade.

Reginaldo Gomes

08/02/2018 - 13h54

O golpe, a linguagem e o problema mental; qual a causa?
RESPOSTA: ” O golpe , a linguagem e o problema mental são construções da inteligência de pessoas mal intencionadas, pessoas velhas e muito ricas que dedicaram toda a vida estudando e criando formas sofisticadas de assaltar o povo. Velhos milionários donos de institutos de ciência que tem até premio nobel e escreve artigos para revistas científicas. Velhos rabugentos e miseráveis que se acham gênios do saber , porém , só conhecem a rapina.

Carlos Monteiro

08/02/2018 - 12h41

Brilhante,brilhante e……BRILHANTE!
O lado trágico desta lucidez : mostra como estamos FERRADOS.

Tragédia humana ABSOLUTA.

A parte triste deste texto fenomenal: pouquíssimos conseguirão captá-lo.


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