Documentos inéditos revelam como foi reunião que decidiu o AI-5!

Crédito: Antônio Teixeira / Acervo CPDoc – JB / 13 de dezembro de 1968 / Palácio das Laranjeiras. Ministro Gama e Silva divulga Ato Institucional Número 5 através de cadeia de rádio e televisão.

AI-5 faz 50 anos, com generais de volta ao poder. Pelo voto

Por Denise Assis, colunista do Cafezinho

O ano de 1968 terminou mais cedo.

Sob o argumento de que era “imperiosa a adoção de medidas” que impedissem fossem “frustrados os ideais superiores da Revolução”, o ano acabou no dia 13 de dezembro, por decisão do regime militar, com a edição do Ato Institucional nº 5.

O país foi mergulhado num autoritarismo ainda mais profundo, sob o peso da cassação das liberdades democráticas. O AI – 5 asfixiou o Brasil, até que morreu à míngua, numa agonia negociada e lenta.

Com a economia claudicante, o retorno de alguns exilados que se incumbiam de fazer o relato das barbaridades testemunhadas ou vividas nos porões, e a campanha pró-anistia ganhando as ruas, a sociedade brasileira foi vencendo a luta pela democracia. Mesmo assim, tendo que ceder e negociar, como a anistia para “os dois lados”, que acabou enterrando qualquer possibilidade de punição para os culpados dos crimes de graves violações dos direitos humanos.

O país saiu fortalecido, mas este Ato vigorou por dez anos, até 31 de dezembro de 1978, deixando nas gavetas dos diversos arquivos, material que agora começa a emergir pelo trabalho de pesquisadores dedicados ao tema.

Durante pesquisa no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, localizei o bloco de anotações do então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), Emílio Garrastazu Médici, que viria a ser o terceiro general-ditador, em cujo período foram mortos ou “desaparecidos” o maior número de militantes da resistência ao regime.

Nos papéis – amarelados pelo tempo transcorrido – Médici desenhou a disposição da mesa durante duas reuniões, e detalhou os votos dos 17 ministros na terceira e última, às 19h50.

Em suas anotações, pode-se constatar o movimento crescente das discussões em três atos (às 11h e às 16h do dia 12, e às 19h50, do dia 13), como no “Bolero de Ravel” (Maurice Ravel), descrito pelo crítico René Chalupt: “Movimento orquestral inspirado numa dança espanhola, se caracteriza por um ritmo e um tempo invariáveis, com uma melodia obsessiva, em dó maior (…)”.

As três reuniões, tiveram por cenário o Palácio Laranjeiras, no Rio. O mesmo que há dias assistiu o governador Luiz Fernando Pezão ser servido de café da manhã, antes de rumar para a prisão.

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Três dias depois do 20º aniversário da Declaração dos direitos do Homem, completados no dia 10 de dezembro de 1968, o regime militar, que há quatro anos havia se instalado no poder, editou o Ato Institucional nº 5.

Em seu texto, aniquilava todos os preceitos de liberdade estabelecidos pelas Nações Unidas e dizimava com os direitos individuais dos cidadãos brasileiros.

Daquele dia em diante a sociedade estava impedida de ir e vir, pensar, criar e se expressar…

Os versos de Caetano Veloso, “É proibido proibir”, gritados no palco do III Festival Internacional da Canção, em 15 de setembro daquele ano, caíram no vazio.

Enquanto o cantor dizia não ao não – num alerta desesperado do que estava por vir –, os militares diziam não a tudo.

Após 50 anos da decretação do Ato Institucional nº 5, (lembrado no próximo dia 13 de dezembro), cruel e draconiano quanto a usurpar direitos do cidadão, há nos veículos tradicionais da mídia, uma certa ansiedade em colocar tudo “arrumadinho” e justificado, com relação ao retorno dos militares à cena política. Nada de estranhamento quanto à escalação, pelo governo que será empossado no dia 1º de janeiro de 2019, de sete oficiais para pastas importantes e estratégicas. O total representa 35% da composição do ministério a ser inaugurado. Mas e daí?

Daí que o melhor é naturalizar, assoviar e olhar para o alto, mesmo que declarações e frases ditas por alguns deles, ainda estejam ecoando no ar, e seus posicionamentos, como tirar de circulação livros sobre a ditadura, chamar de movimento – o que até o estado americano, que investiu pesado na derrubada de Jango, já admitiu ter sido golpe – assombre aos que viveram o período. Há um esforço para convencer a todos de que cada um dos escolhidos, sabe o “tamanho de sua cadeira”, expressão muito em voga nas páginas dos jornais. E o que nos resta? Esperar para ver.

Desde a redemocratização do país, consolidada pela Constituição de 1988, que os militares foram varridos da vida política e retornaram aos quartéis para cuidar do que lhes cabe: a defesa do território nacional. Assim permaneceram durante 28 anos, até que em 12 de maio de 2016, o general Sérgio Etchegoyen foi guindado, no governo interino de Michel Temer, para o cargo de Ministro-Chefe do Gabinete da Segurança Institucional. Sua nomeação foi publicada na edição de 13 de maio de 2016 do Diário Oficial, (DOU), ficando também sob a sua responsabilidade, cuidar da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada à pasta.

A chegada de Etchegoyen, parece ter inaugurado um novo período de entrelace entre política e quartéis. Logo em seguida tropas militares marcharam sobre o Rio de Janeiro, numa intervenção tão espetacular quanto inócua, a julgar pelos resultados obtidos, em um ano de atuação. No meio desse caminho, um assassinato brutal vitimou a vereadora do PSOL, Marielle Franco, e o seu motorista, Anderson Gomes, no dia seguinte ao que ela assinou a sua participação como relatora da Comissão da Verdade, formada pela Câmara Municipal do Rio, para acompanhar os trabalhos da intervenção federal. Neste clima, de medo e instabilidade, foi dada a largada para a disputa à presidência da República. Era o ano eleitoral.

O Brasil viveu durante 25 anos, sob ditadura, resultante do golpe de estado que tirou do poder o presidente democraticamente eleito, João Goulart. Este número, porém, você não vai encontrar escrito em nenhum lugar, porque a história brasileira é feita de “puxadinhos” para caber conceitos adiposos, alimentados pelo nosso famoso “jeitinho”. Somos avessos a desarrumar o que já está empilhado, de modo a não ferir susceptibilidades. E, assim, vamos empurrando versões, história à fora. E como a história não é única, e cabem nela todas as interpretações, nos compêndios escolares consta como o período ditatorial: 1964-1985. E estamos conversados.

Pelo conceito elaborado na Grecia, lá onde senhores doutos se preocuparam em pensar as regras que regem e organizam a sociedade, ficou estabelecido que: “Democracia é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo. A palavra democracia tem origem no grego demokratía, composta por demos (que significa povo) e kratos (poder). Neste sistema político, o poder é exercido pelo povo através do sufrágio universal. Trocando para o português claro: voto.

Alguém se lembra de ter votado no vovô Tancredo Neves? Não. Ele foi “eleito” em um colégio eleitoral, por voto indireto. Morto, deveria ser substituído pelo presidente da Câmara, o Dr. Ulysses Guimarães. Antipatizado no meio militar, por ter liderado o movimento pelas eleições diretas, e conhecido por só se referir aos generais/presidentes como “gorilas”, não lhe foi permitido, conforme rezava a Constituição, assumir a presidência. A escolha de Tancredo, preferido à Paulo Maluf, seu oponente, marca, então, o fim do ciclo militar, mas não o fim da ditadura, que acabou, de fato, com a promulgação da Constituição de 1988, chamando, enfim, as eleições diretas. Em 1989, com a realização das primeiras eleições livres, aí, sim, tivemos o fim da ditadura. Segundo o princípio de democracia.

Com a morte de Tancredo, houve um novo golpe, desta vez efetivado pelo general Leônidas Pires Gonçalves, já designado como ministro do Exército do futuro governo, por indicação de Roberto Marinho. Na madrugada em que ocorreu a internação de Tancredo, Leônidas decidiu, à revelia do que estava previsto na Constituição, bancar a posse do vice da chapa: José Sarney.

Acontece que a Constituição de então falava em “vice-presidente”, e não “vice-presidente eleito”, como a de hoje. Ainda não diplomado como vice, – posto que o presidente não havia sido empossado -, não seria ele a receber a faixa presidencial, na cerimônia marcada para a manhã do dia seguinte. A posse de José Sarney foi uma imposição do general Leônidas. O embaixador Leitão de Abreu, achava, com razão, que Ulysses deveria assumir interinamente, já que era o presidente da Câmara. Esta era também, aparentemente, a posição inicial de Figueiredo, último general no poder, e que detestava José Sarney. Só que os militares detestavam mais ainda Ulysses Guimarães. Tinham medo de que ele, tal como o presidente argentino, Raul Alfonsin, mandasse processar os torturadores.

Nesse contexto, houve uma reunião de madrugada e o Leônidas defendeu a posse de Sarney. Alguém teve a ideia de consultar o STF, presidido, naquele momento, pelo ministro Cordeiro Guerra, um velho lacerdista, acusador de Gregório Fortunato no crime da Tonelero (governo Getúlio).

Cordeiro Guerra se comunicou com os demais ministros e, em conluio com Leônidas, avalizou a posse de Sarney. Durante muito tempo se disse que Ulysses não quis assumir por uma questão de conveniência política. Anos depois ele negou isto, numa conversa com o seu assessor de imprensa, Jorge Bastos Moreno, reproduzida no livro “A História de Mora”. Segundo Ulysses Guimarães, quem o impedira de assumir fora “o Pontes de Miranda da espada”, o general Leônidas Pires Gonçalves. Num Brasil traumatizado pelo peso da mão dos militares sobre a vida nacional, dissemos amém, e só fomos às urnas inaugurar a democracia, em 1989. O resto é o que convém.

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Os AI(s)

Os Atos Institucionais foram o mecanismo que os militares utilizaram para manter a “legalidade” do regime imposto por eles , depois do Golpe de 1964, e que derrubou o governo do presidente eleito, João Goulart.

Na hierarquia das leis, esses Atos situavam-se acima da Constituição. O efeito pretendido era o de emendá-la. Tinham, inclusive, o conteúdo imune à revisão judicial e serviram para “legitimar”, diversos poderes extra-constitucionais.

Esses decretos marcaram um dos períodos mais duros e tristes da história recente do Brasil, sob o argumento de que era preciso combater “a corrupção, a subversão e a infiltração comunista” em todos os setores da vida nacional.

Para isso, a ditadura destroçou a Constituição de 1946, e revogou os dispositivos constitucionais de 67.

Era necessário criar algo que justificasse, “dentro da lei”, os propósitos ditatoriais dos militares brasileiros.

Os atos institucionais serviram de poderoso instrumento de que se valiam os governantes no sentido de fazer prevalecer um poder sem limites sobre o cidadão.

Sem qualquer fundamentação jurídica, os Atos Institucionais davam poder absoluto ao Executivo.

Justificavam e tornavam legal qualquer arbitrariedade cometida pelo governo.

Era o fim das liberdades democráticas, e o início da repressão e do terror como política de Estado.

AI-1

Foi editado em 9 de abril de 1964, logo após o golpe, pela junta militar que governou o país até a posse do general Humberto de Alencar Castello Branco. O comando era formado pelo general do exército Artur da Costa e Silva, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald.

O AI-1 era composto de 11 artigos que davam aos militares o poder de alterar a Constituição – suspensa por seis meses -, cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a “segurança do país”. Determinou eleições indiretas para a presidência da República no dia 11 de abril, prevendo o término do mandato do presidente para 31 de janeiro de 1966, quando expiraria a vigência do ato.

AI-2

Editado em 27 de outubro de 1965, pelo presidente Castello Branco, continha 33 artigos. Instituiu a eleição indireta para presidente da República, dissolveu todos os partidos políticos, aumentou o número de ministros do Supremo Tribunal Federal de 11 para 16 – o que garantia ao governo a maioria e obscurecia a distinção entre Justiça ordinária e Justiça revolucionária. Reabriu o processo de punição aos “adversários do regime”, estabeleceu que o presidente poderia decretar estado de sítio por 180 dias, sem consultar o Congresso, intervir nos estados, decretar o recesso no Congresso, demitir funcionários por incompatibilidade com o regime e baixar decretos-lei e atos complementares sobre assuntos de segurança nacional. O AI-2 vigorou até 15 de março de 1967, sendo substituído pela Lei de Segurança Nacional e pela Constituição de 1967, que se complementavam.

AI-3

Em 5 de fevereiro de 1966, o presidente Castello Branco editou o Ato Institucional Número Três, o AI-3, que estabeleceu eleições indiretas para governador e vice-governador. Os prefeitos das capitais passaram a ser indicados pelos governadores, com aprovação das Assembléias Legislativas. Estabeleceu o calendário eleitoral, prevendo a eleição presidencial em 3 de outubro, e para o Congresso, em 15 de novembro.

AI- 4

Também editado por Castelo Branco, o Ato Institucional nº 4, ou AI-4, entrou em vigor em 7 de dezembro de 1966. Convocou ao Congresso Nacional para a votação e promulgação do Projeto de Constituição que revogaria definitivamente a Constituição de 1946, totalmente descaracterizada pelas inúmeras emendas que sofreu. Só em seu último ano de governo, Castello Branco promulgou cerca de 190 decretos e leis.

AI-5

O mais drástico de todos os Atos Institucionais foi editado no governo do general Artur da Costa e Silva, no dia 13 de dezembro de 1968 – uma sexta-feira. O AI-5 representou o recrudescimento do regime militar. Incluiu a proibição de manifestações de natureza política, além de vetar o ‘habeas corpus’ para crimes contra a Segurança Nacional (ou seja, crimes políticos).

Autorizou o presidente da República, independentemente de qualquer apreciação judicial, a decretar o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e a suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão e a decretar o confisco de bens”.

Ainda no dia 13 de dezembro, o Ato Complementar-38 decretou o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado. Logo após a edição do AI-5, foram presos diversos jornalistas e políticos que haviam manifestado sua oposição ao governo dentro ou fora do Congresso. Entre eles incluíram-se o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o ex-governador Carlos Lacerda e vários deputados federais e estaduais.

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Confira aqui anotações, rabiscos e desenhos – inéditos até hoje – feitos pelo general Médici, então chefe do SNI, durante a reunião.

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Ler aqui a transcrição e o áudio das reuniões no Palácio que decidiram o AI5.

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Leia também aqui sobre os motivos para a decretação do AI-5, incluindo um áudio do discurso do deputado Marcio Moreira Alves, usado como justificativa para o “golpe no golpe”.

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Ler aqui três importantes depoimentos de brasileiros que testemunharam as consequências do AI-5 sobre a vida nacional.

Denise Assis: Denise Assis é jornalista e autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
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