A desidratação de Bolsonaro na classe média

Manifestação pró-Bolsonaro e antiPT em Brasília, antes das eleições | Foto José Cruz/Agência Brasil

Neste final de semana, saíram alguns artigos com informações sobre a desidratação de Jair Bolsonaro junto a segmentos muito influentes na guerra cultural em curso no Brasil.

No artigo de Ricardo Galhardo e Paulo Beraldo, para o Estadão, temos informações do instituto Big Data, de que “a maior parte dos eleitores que optaram por Bolsonaro e hoje rejeita o governo é formada por mulheres com idade entre 25 e 40 anos, integrantes das classes B e C, não evangélicas e que vivem em cidades com mais de 200 mil habitantes nas regiões Norte e Nordeste”.

Governantes eleitos costumam perder apoio após um determinado período de “euforia” da vitória. É quase uma lei política, em qualquer democracia. Alguns falam em “cem dias”, mas essas fórmulas não são exatas; o tamanho dessa perda de apoio, e onde ela vai ocorrer, vai depender do estado de espírito na sociedade, que por sua vez corresponderá ao momento político e econômico da época.

Num Brasil vivendo uma crise econômica tão aguda, era esperado que as expectativas com o novo governo fossem mais altas, mais aflitas e mais impacientes. Não se trata de esperar que todos os problemas fossem resolvidos imediatamente, mas sobretudo que o presidente apresentasse à nação um conjunto de soluções viáveis, e não foi isso que aconteceu.

Bolsonaro não apresentou nenhuma proposta de geração de emprego, e a economia continua afundando: não há popularidade que resista a essa fórmula.

O diretor do Big Data, Maurício Moura, no mesmo artigo do Estadão, explica que “muito do apoio que Bolsonaro teve no segundo turno foi mais por rejeição ao PT do que por identificação com a plataforma dele. Bolsonaro não expôs de maneira plena suas plataformas durante a campanha e muitos estão conhecendo só agora as propostas do presidente para diversas áreas.”

O pesquisador acrescenta que, como muitos eleitores votaram em Bolsonaro sem conhecer suas ideias, isso geraria “um apoio muito frágil”.

O Cafezinho já vem observando isso em algumas análises. Os setores de renda média e mais instruídos, que registravam, no período eleitoral, uma rejeição alta ao PT, e que votaram, em sua larga maioria, em Bolsonaro no segundo turno, são os mesmos que, segundo pesquisas, se posicionam de maneira mais progressista em relação a vários temas “ideológicos”: são contra a ditadura militar, contra armas de fogo, contra proximidade excessiva com os Estados Unidos, contra guerra na Venezuela, a favor de educação sexual nas escolas, ou seja, contra tudo aquilo que é mais caro ao núcleo duro em torno de Jair Bolsonaro.

E Bolsonaro, ao contrário do que qualquer outro político de bom senso faria, se mantém obsessivamente aferrado às suas bandeiras mais reacionárias e mais ideológicas, e isso vai afastando dele setores estratégicos da opinião pública.

Vamos ilustrar o que foi dito acima com gráficos.

Numa pesquisa Datafolha divulgada no dia 2 de outubro, com pesquisas de campo feitas no mesmo dia, ou seja, às vésperas do primeiro turno das eleições de 2018 (e as eleições presidenciais do ano passado, para quem não entendeu, foi decidida, em verdade, no primeiro turno; o segundo  turno foi apenas uma tortura desnecessária), a rejeição a Haddad entre os cidadãos de renda média e/ou mais instruídos era estarrecedora.

Como se vê, a rejeição a Haddad literalmente explode nestes setores, a partir do momento em que o eleitorado o enxerga como o herdeiro de Lula e alguém com possibilidade real de disputar o segundo turno. Esse mesmo eleitorado antipetista irá migrar em massa para Bolsonaro, conforme as mesmas sondagens. Entre eleitores com renda familiar entre 2 e 5 salários, a rejeição a Haddad sobe para 48%; entre aqueles cuja família recebe entre 5 e 10 salários, vai a 66%; entre quem recebe mais de 10 salários atinge também 66%; entre quem tem formação superior, a rejeição ao petista se eleva a 60%.

Observe ainda que a rejeição a Bolsonaro, que sempre foi alta, inclusive maior que a de Haddad, declina nestes segmentos.

O Cafezinho vinha alertando para essa rejeição monstruosa, paralisante, perigosíssima, do PT junto a vastos setores da classe média (que  não são “elite”; ao contrário, formam boa parte da “massa” da população) desde o início de 2018 até as vésperas do primeiro turno.

Mas isso é passado. Bolsonaro ganhou as eleições, na prática, no primeiro turno, já que a quantidade de votos que conseguiu (que era maior do que a de todos os progressistas somados), mais a rejeição dura do candidato do PT,  inviabilizavam uma virada.

Agora vamos mostrar o que também já dissemos acima, que as bandeiras mais ideológicas e reacionárias de Bolsonaro não são apoiadas por esses segmentos que rejeitavam o PT e que votaram no capitão por causa dessa rejeição.

Uma  pesquisa Datafolha feita em abril deste ano (e que eu já comentei em longo post)  mostra que os eleitores de renda média e mais instruídos rejeitam, massivamente, a ditadura militar: entre eleitores com ensino superior, 67% acham que a ditadura deveria ser “desprezada”; entre eleitores com renda acima de 10 salários, 72% também são contra a ditadura.

Esses dados contrariam a tese, muito comum em alguns meios da esquerda, de que a classe média brasileira é um “caso perdido”, reacionária e irremediavelmente bolsonarista. As pesquisas não mostram isso.

***

Na Folha, a última coluna de Bruno Boghossian, publicada no dia 30 de maio (quinta-feira), traz detalhes do último levantamento XP/Ipespe que, até então, não tinham sido publicizados. O relatório completo da pesquisa que foi disponibilizado ao público não trazia dados estratificados.

Pois bem, segundo o colunista da Folha, “o último levantamento XP/Ipespe indica uma disparada da reprovação a Bolsonaro desde abril em segmentos de renda mais alta. No grupo que recebe mais de cinco salários mínimos, o índice de eleitores que consideram o governo ruim ou péssimo passou de 22% para 41%.”

Outros trechos da coluna:

Entre eleitores com renda acima de cinco salários mínimos, o percentual de entrevistados que consideram o governo ótimo ou bom caiu de 47% para 34%. A margem de erro nesse recorte é maior, mas os dados apontam para uma tendência relativamente constante nesse grupo.

Regiões que deram vitórias expressivas a Bolsonaro no segundo turno também registram mudanças. No Sul, onde o candidato do PSL recebeu 7 de cada 10 votos válidos, sua aprovação está em 40%. Em janeiro, só 13% dos entrevistados consideravam o governo ruim ou péssimo. Agora, esse índice é de 32%.

Quando avaliávamos o perfil do eleitorado de Bolsonaro, segundo a mesma pesquisa, a sua vantagem na classe média era avassaladora.

Essas informações são muito importantes, porque sinalizam que Bolsonaro venceu as eleições, mas não conseguiu construir uma nova hegemonia moral, cujo núcleo precisa estar consolidado, necessariamente, entre as classes mais instruídas de um país.

Esse quadro significa que começa a se abrir uma brecha, tanto para a centro-direita como para a centro-esquerda, para atrair para si importantes setores da opinião pública, que foram empurrados na direção de Bolsonaro não por causa de alguma identificação programática ou ideológica, mas em busca de mudança. 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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