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Andre Lara Resende e o dever da esperança

Em setembro de 2019, um mês antes de sua morte, o professor Wanderley Guilherme do Santos nos concedeu uma entrevista na qual o nome do economista Andre Lara Resende aparecia com destaque. Trecho: “(…) tenho lido, com muita atenção, os artigos que Andre Lara Resende vem publicando. São artigos brilhantes e sóbrios, com argumentos bem […]

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Em setembro de 2019, um mês antes de sua morte, o professor Wanderley Guilherme do Santos nos concedeu uma entrevista na qual o nome do economista Andre Lara Resende aparecia com destaque.

Trecho:

“(…) tenho lido, com muita atenção, os artigos que Andre Lara Resende vem publicando. São artigos brilhantes e sóbrios, com argumentos bem articulados e que efetivamente trazem um desafio muito grande à ortodoxia monetarista tradicional. Sua posição diverge radicalmente da posição dos economistas da Casa das Garças, como Edmar Bacha, por exemplo. E essa é uma diferença extremamente importante no que diz respeito às expectativas de curto, médio e longo prazo no país. Com toda certeza, acho que as organizações e partidos de centro-esquerda e esquerda deveriam tomar consciência e se informarem mais profundamente destas disputas que estão ocorrendo dentro das direitas e do centro, buscando diálogos e formar alternativas políticas que seriam obviamente muito menos dolorosas do que estão sendo as políticas atualmente em curso no país. Até porque a centro-esquerda brasileira oficial não tem sido capaz de formar uma coalizão entre atores políticos relevantes, como trabalhadores e empresários, e de formular alternativas viáveis do ponto de vista político, como as políticas que estão sendo apresentadas por André Lara Resende, que não são políticas alternativas que exigiriam uma Revolução. São políticas perfeitamente discutíveis para a construção de uma coalizão progressista, democrática e menos antipopular do que a que temos agora.”

O título que escolhemos para a entrevista procurava resumir a fala do professor: “A esquerda deve ler Andre Lara Resende”.

Hoje assisti a uma conversa entre Ciro Gomes e Andre Lara Resende no My News, mediada por uma das editoras do canal, Mara Luquet, que, por várias razões, acredito que deixaria o professor Wanderley muito satisfeito.

A primeira razão, por ser a materialização do que ele preconizava: um esforço de uma parte da esquerda – aqui representada por Ciro – para conversar com Lara Resende, cujas ideias representam, hoje, uma luz no fim do túnel, não somente dos dilemas econômicos, mas sobretudo do escuro beco político em que o país se meteu.

A partir das ideias de Lara Resede seria possível construir um novo acordo nacional, em que liberais e social-democratas se entendam sobre as necessidades de modernizar o Estado, melhorar a educação e levar adiante  um projeto de reindustrialiação do país.

A conversa que assistimos no MyNews, entre Lara Resende e Ciro Gomes, alimenta essa esperança.

Até porque não se trata apenas de uma “esperança” luminosa, baseada exclusivamente na opinião de um economista brilhante mas solitário. O que Lara Resende tem defendido não são ideias excêntricas. Muito pelo contrário. São ideias que chegam do Norte já muito fortalecidas por terem sido testadas na prática pelos países desenvolvidos, além de possuírem sólidos e antigos fundamentos na história do debate econômico, como tem explicado Resende em seus artigos e livros.

E o que Lara defende?

Lara tem defendido que a política de arrocho fiscal não faz sentido. Cabe ao Estado manter uma política fiscal audaciosa, com alto nível de investimento público. Estado mínimo, juros altos, arrocho fiscal, representam estratégias ultrapassadas, que apenas geram sofrimento, sem nenhuma contrapartida positiva.

O Estado precisa gastar, sem medo de dívida pública, especialmente quando a dívida, como é o caso do Brasil, é composta inteiramente de moeda nacional.

Naturalmente esses investimentos precisam ter qualidade. Esse é o grande desafio, segundo Resende: dar qualidade à despesa estatal, e para isso ele defende a criação de uma agência pública com algum nível de independência, como o Banco Central, liderada por um corpo técnico altamente qualificado, que possa regular os investimentos públicos no país.

Mas Lara Resende também acha que é necessário tomar cuidado com a tecnocracia. As decisões finais sobre os investimentos precisam ter legimitidade democrática.

Na conversa, Ciro Gomes deu um ótimo exemplo das falácias fiscais que tem obstruído o debate da economia política. Imagine um governo que decida cortar radicalmente despesas públicas, em nome da austeridade fiscal. Para isso, ele suspende, por exemplo, o investimento na conservação de estradas, e na abertura de novas. O que poderia resultar em redução de custo do Estado, e melhora das contas públicas, na verdade acarretará num grande prejuízo para todos, porque as estradas ruins aumentarão o preço dos fretes e dos seguros; diminuirá a competitividade do país; ceifará vidas humanas, vítimas de acidentes rodoviários; ao cabo, a falta de conservação obrigará o Estado a gastar muito mais para recuperar a rodovia; ou seja, ao cabo, não haverá nenhuma “economia” real.

Ciro conseguiu fazer Lara Resende admitir que, sem política industrial, o crescimento brasileiro ficará sempre comprometido pelo aumento no déficit na balança de pagamentos.

A entrevista transborda otimismo. As ideias de Andre desmontam o sombrio fatalismo com que alguns liberais costumam descrever nossas possibilidades. Para o economista, o país tem plena condição de levar adiante políticas públicas que promovam o desenvolvimento e o bem estar da sociedade brasileira. A dívida pública poderia ser ampliada indefinidamente, assim como a impressão de moeda, sem que isso implicasse – necessariamente – em nenhuma crise. Como não há perigo do Estado dar calote em seus credores da dívida pública, em virtude dela ser em moeda nacional, os limites fiscais são muito mais generosos do que o pensamento ortodoxo assegura. E a tese segundo a qual a emissão de moeda geraria inflação já foi aposentada, defende Resende. Moeda é também um título público, sobre o qual o Estado não paga juros.

Lara Resende afirmou ter lido o último livro de Ciro Gomes – Projeto Nacional, o Dever da Esperança -, e elogiou o trabalho. Ambos concordaram em quase tudo na entrevista, o que é uma coisa altamente promissora para Ciro, que ganha um aliado importante em seu esforço para combater os obstáculos ideológicos que o neoliberalismo  – ainda hegemônico entre os donos do capital – impõe a qualquer estratégia de desenvolvimento nacional.

Mas Lara faz uma crítica ao título do livro, porque remete a um nacional-desenvolvimentismo que, segundo ele, não teria mais espaço no mundo de hoje. Lara concorda que o Brasil tem necessidade de um projeto estratégico nacional de longo prazo, e também que isso deve passar por um processo de reindustrialização do país. As fórmulas para isso, porém, deveriam ir muito além das proteções tributárias às empresas nacionais: é preciso dar ênfase, diz Lara, na sofisticação tecnológica e nos índices de produtividade.

Ciro lembrou que há áreas do Brasil ainda profundamente deficitárias em investimento público, e citou o saneamento; metade da população brasileira não tem acesso a tratamento de esgoto. Esses investimentos poderiam convocar mão de obra local, com pouca especialização, e poderiam se estender por um longo período de tempo, em virtude da enorme carência observada no país nessa área.

Lara Resende rebateu que também sempre pensa em saneamento como um setor que precisa intenstivamente de investimentos públicos.

Ao final, Resende deu uma mensagem de esperança,  defendendo que não há nenhum entrave insuperável para o Brasil dar a volta por cima. Temos todos os instrumentos em nossas mãos, e as novas teorias econômicas, pela primeira vez em muito anos, prometem mais ajudar do que atrapalhar.

Ciro fez questão de assegurar que será novamente candidato a presidência da república. Os elogios rasgados que fez a Lara Resende deixam claro que o economista está de antemão convidado para fazer parte na elaboração de seu programa de governo.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Luiz

26/12/2020 - 05h19

Eu acho que toda condição de cidadania preenchida pelo esforço do próprio indivíduo deveria ser contabilizada sob a pecha de setor de serviços. Mas como o setor industrial formaliza funções e o setor financeiro, a guisa de humanizar o sistema, formaliza indivíduos, o verbo contabilizar parece ganhar funções suplementares, normalmente reguladas pelas políticas monetárias. Ao afirmar que, de fato, a questão solve-se em simples aritmética, o neoliberalismo se diz inovar. Quer dizer, o modo de libertar a sociedade da economia é fazer tudo outra vez direitinho, porque o probleminha do valor ,ou não diz respeito à economia, ou já está resolvido. Entende-se porque Bolsonaro está no poder e a Lava Jato fez tanto furor.

Edson Luiz.

25/12/2020 - 23h42

Temos que ter o dever da esperança!
Apenas Ciro Gomes, Roberto Freire e Marina Silva, quando disputaram a presidência, apresentaram um programa decente para ser discutido com o país. O atual quadro econômico e social, degradado pelas medidas econômicas mal escolhidas, mal elaboradas e mal implementadas pelos mandatos PT/PL e PT/PMDB/PP, e que tiveram como consequência a eclosão das explosivas manifestações de rua de 2013 e depois o subproduto da eleição da família-horror que está atualmente no poder exige um projeto de governo para o desenvolvimento do país nos próximos mandatos e uma proposta emergencial para responder ao momento atual, agravado pela pandemia de Covid-19.
O André Otto Lara Resende é um economista brilhantíssimo e experiente que estuda políticas de investimento em tempos difíceis, recomendando a superação de alguns dogmas da teoria econômica sem recair em irresponsabilidades, mas também sem ficar limitadas à austeridade.
“Equilibrar ou não o orçamento não pode ser a única discussão”, diz Lara Resende.
André é um dos nomes fundamentais para pensar saídas dentro do quadro delicado em que por mais de uma década deixaram a nossa economia e Ciro Gomes é o político que junta expressão eleitoral e compromisso sem populismo para convocar esse debate.
Economistas ligados a outros grupos políticos como ao PSOL e ao Cidadania, que possuem certa identidade com Ciro Gomes e também pensam medidas econômicas no mesmo sentido devem ser convidados para se juntar ao debate.

    Batista

    28/12/2020 - 11h08

    “Ciro Gomes, Roberto Freire e Marina Silva”, faz sentido.

    Adicionando-se, Maia, ACM Neto, Villa, Lara Resende, etc., faz ainda mais sentido.

    Juntando-se, os Marinho, Natura, Neca, Lemann, Moro, Huck, Doria, a Casa das Garças e os Patos da FIESP, ficaria faltando apenas a unção do candidato a presidente, para completar o sentido.

    Resta saber, se Narciro aceitará ser vice ou se fará, antes do 1º turno, reserva em Paris?

Patrice L

25/12/2020 - 22h55

Pronto. A gente vê, das favelas e periferias, referências e ligações aos principais partidos progressistas, mas não as vê, por que será, em relação ao Ciro – que só articula por cima e é aqui colocado de contrabando na esquerda. Sabe aquele desenvolvimentismo a ser retomado, mas sob controle burguês?

Alan C

25/12/2020 - 11h02

Fico imaginando uma mula completa como esse palhaço miliciano que nos pseudo governa, numa conversa desse nível. Não conseguiria nem balbuciar um monossílabo, toupeira como é.

2021 promete muita incompetência, ideologia tosca e o Brasil cada vez mais no buraco com a dívida pública explodindo todos os níveis históricos, desemprego a mil, inflação dos alimentos e uma profunda incerteza.

Que 2022 venha logo.

Ivan Lima

25/12/2020 - 09h13

Já pensando na campanha de 2022, que tal alterar o nome da página para “Cafezinho com Ciro”?

    Alan C

    25/12/2020 - 13h30

    Eu concordo 100%, mas com uma condição, que vc tb sugira as porcarias 247, DCM e Tijolaço com Lula, fechado?

    Me parece bem justo, que tal?

Francisco*

24/12/2020 - 18h07

Depois de ACM Neto e Villa, achegam agora a ‘Haras’ Resende, visando reforçar a temporada, de 2022.

Enquanto costeiam o alambrado dessa manjada trupe da dominante ‘gente de bens’, desatentam para o pano de fundo lavajateiro do cenário político, proporcionado pela farsa jurídica-midiática, que continuamente desmancha-se no ar, tornando pó a credibilidade da justiça lavajateira, agora com a rejeição pelo juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, da denúncia do Ministério Público Federal contra o ex-ministro Guido Mantega por corrupção passiva, ativa e lavagem de dinheiro no caso que ficou conhecido como “Planilha Italiano”, planilha essa base da maioria das acusações feitas ao ex-presidente Lula.

O juiz não recebeu a denúncia por não ter nenhum elemento de prova senão as delações premiadas de Marcelo Odebrecht, João Santana, Mônica Moura (sua mulher) e outros delatores.

Ou seja, da conta que segundo a hoje mais que suspeita Força Tarefa da Lava Jato, teriam saído os recursos para os alegados pagamentos de vantagens ao ex-presidente Lula, a tão festejada e divulgada “Conta Italiano” em Jornais Nacionais de desinformações, conforme delações, que segundo o magistrado, são “provadas” com “mensagens eletrônicas trocadas entre os Réus colaboradores, bem como planilhas de controle financeiro elaboradas e alimentadas com dados por estes fornecidos, que equivalem às declarações que prestaram em termo de colaboração, porquanto inoficiosas e produzidas unilateralmente”.

Rejeitada pela justiça não aparelhada (ou desaparelhada pelos riscos), coloca os processos que condenaram Lula na ‘especialíssima’ 13ª vara de Curitiba, ainda mais ‘capengas’, ‘sem pés, nem cabeça’, balançando no ar à espera da implosão final, com Lula reavendo os direitos políticos, dele afanados pelo estado de exceção que se apropriou do Brasil, atolando-o no brejo, a partir de 2015.

Sei não, dessa vez nem mesmo os 12%.

    Saint

    25/12/2020 - 17h57

    O senador Cid Gomes foi afastado do cargo de ministro da Educação por chamar de achacador o “nobre ” aliado Cunha.

      Francisco*

      27/12/2020 - 12h18

      A propósito, Saint do pau-oco, sabendo-se o “nobre” aliado e ministro de Dilma, senador Cid Gomes, de longa data ‘conhecedor das coisas da política’, o que moveu o ‘aliado’ ministro da Educação do governo da presidente Dilma, a ‘retrotratorar’ (sua especialidade) de forma gratuita a câmara em geral e, em particular, seu então presidente Eduardo Cunha, dono da chave para abertura de impeachments, no exato momento em que o governo Dilma sofria todo tipo de pressão para torna-lo paralisado e assim facilitar o golpe, iniciado no dia seguinte ao da divulgação da reeleição de Dilma, em outubro de 2014, derrotando Aécio?

      Para refrescar lhe a memória e estimula-la a pensar o significado do último parágrafo, da parte da matéria que segue:

      Do G1, em Brasília – 18/03/2015 – 18h08

      “Cid Gomes pede demissão após discutir com deputados na Câmara”

      “Depois de discutir com deputados no plenário e abandonar o recinto da Câmara em meio à sessão na tarde desta quarta-feira (18), o ministro da Educação, Cid Gomes, foi ao Palácio do Planalto e pediu demissão à presidente Dilma Rousseff, que aceitou.

      O pedido ocorreu logo depois de o ministro participar na Câmara dos Deputados de sessão em que declarou que deputados “oportunistas” devem sair do governo.

      “A minha declaração na Câmara, é óbvio que cria dificuldades para a base do governo. Portanto, eu não quis criar nenhum constrangimento. Pedi demissão em caráter irrevogável”, declarou o ministro.”

      “(…) A sessão
      Cid Gomes deixou o plenário da Câmara depois de ter sido criticado por mais de uma hora pelas lideranças partidárias. A ofensiva dos deputados ocorreu depois de o ministro afirmar que deputados da base aliada que têm cargos na administração federal deveriam “largar o osso”.

      Cid Gomes foi convocado pelos deputados devido a uma declaração de que a Câmara tem “uns 400 deputados, 300 deputados” que “achacam”, dada durante um evento do qual participou no último dia 27 na Universidade Federal do Pará.

      O ministro iniciou a fala dizendo que “respeita” o Congresso e admitindo que deu a declaração. Ele tentou justificar a fala afirmando que era uma posição “pessoal” e não como ministro de Estado, quando começou a receber críticas de parlamentares presentes.

      Diante das manifestações em plenário, Cid subiu o tom e chegou a apontar o dedo ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dizendo que prefere ser acusado pelo peemedebista de ser “mal educado”, a ser acusado de “achacar” empresas, no esquema de corrupção da Petrobras.

      (…) As declarações geraram fortes ataques dos parlamentares em plenário. Lideranças da base aliada e da oposição pediram a demissão do ministro. Em meio às críticas, ele deixou o plenário e foi indagado por jornalistas se pediria demissão, conforme os apelos feitos pelos deputados.

      (…) Cid Gomes deixou a Câmara dirigindo o próprio carro e com um sorriso no rosto, enquanto apoiadores que vieram do Ceará para acompanhar o pronunciamento dele gritavam palavras de apoio.”


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