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Ex-juiz Sérgio Moro atua para resgatar projeto de prisão após 2ª instância; entenda o cenário

Voltar ao tema da prisão após 2ª instância é ‘desgaste desnecessário’, avalia especialista Publicado em 20/02/2023 – 09:57 Por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato – Brasília (DF) Brasil de Fato — Voltou à tona, no cenário do jogo legislativo, a pauta que trata da prisão após condenação em segunda instância. Tendo se tornado uma […]

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Geraldo Magela/Agência Senado

Voltar ao tema da prisão após 2ª instância é ‘desgaste desnecessário’, avalia especialista

Publicado em 20/02/2023 – 09:57

Por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato – Brasília (DF)

Brasil de Fato — Voltou à tona, no cenário do jogo legislativo, a pauta que trata da prisão após condenação em segunda instância. Tendo se tornado uma das bandeiras conservadoras que ajudaram a alimentar a polarização política na história recente do país, a proposta vem sendo ressuscitada pelo ex-juiz e agora senador Sérgio Moro (União-PR), que determinou a prisão do atual presidente Lula (PT) em abril 2018, quando ainda era responsável por julgar processos da operação Lava Jato.

Moro foi recém-empossado no Senado para seu primeiro mandato e conseguiu juntar as assinaturas de 27 senadores para requerer o desarquivamento do Projeto de Lei Complementar (PLS) 166/2018, um dos textos que tratam do assunto. A proposta é de autoria do ex-senador Lasier Martins (PSD-RS), que terminou o mandato em janeiro deste ano, e já havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa em 2019.

Um recurso apresentado na época por parlamentares fez com que o PL fosse parar no plenário do Senado, onde acabou não sendo votado a tempo do término da última legislatura. Com isso, a medida foi arquivada, assim como ocorreu em janeiro deste ano com mais de 3,2 mil proposições, conforme prevê o rito da Casa para cada final de mandato.

Agora, após o pedido apresentado por Moro e aliados, a pauta dependerá da maré do jogo político para saber se irá prosperar ou não. De olho no cenário, Moro disse à Agência Senado na última quinta-feira (16) que “tem que ser estudado o melhor momento” para tentar colocar a proposta em votação, “mesmo que não seja agora”.

Risco às garantias constitucionais

Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que o PL representa riscos a garantias constitucionais, um debate que ganhou intensidade especialmente até novembro de 2019, quando Lula foi solto. O petista saiu das dependências da Polícia Federal em Curitiba (PR) depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a possibilidade de prisão após condenação de segunda instância.

A iniciativa da Corte naquela ocasião representou a recuperação de um posicionamento que já havia sido firmado no passado e que acabou cedendo lugar temporariamente a uma visão mais punitivista no cenário político-jurídico. O entendimento consolidado em 2019 veio a partir do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, em cujo curso o STF decidiu que é constitucional a regra do Código de Processo Penal (CPP) que determina o esgotamento de todas as possibilidades de recurso para o início do cumprimento da pena.

A assessora de advocacy do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Clarissa Borges, aponta que a iniciativa de se tentar recuperar o PLS 166/2018 vai na contramão do entendimento da Corte.

“Ou seja, o STF, guardião da Constituição, afirma que a presunção de inocência permanece até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e o Congresso, nessa disputa, tenta modificar por lei federal esse entendimento pra, mais uma vez, o Supremo ter que reafirmar e dizer que é inconstitucional. Então, nosso entendimento é de que essa iniciativa gera um desgaste desnecessário entre os Poderes e num momento em que a República precisa de pacificação, de harmonia entre os Poderes”, avalia a assessora de advocacy do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Clarissa Borges.

A assessora critica ainda o que chama de “ótica utilitária” da interpretação do direito por parte do segmento político de viés punitivista, interessado em fermentar socialmente o discurso de “prisão a todo custo”. “Nós sabemos que esse tipo de decisão acaba tendo um alvo muito específico, as pessoas pobres e negras, que são os maiores alvos do sistema penal brasileiro”, pontua Clarissa, ao chamar a atenção para um dos principais efeitos colaterais do punitivismo.

“A justificativa pode até ser a de prender pessoas que cometem crimes de colarinho branco, mas, em termos práticos, o efeito maior é sentido por esses grupos que mencionei. Então, faz-se um alvo, tenta-se criar uma norma que se dirige a ele, fragilizando todo um sistema que foi muito bem pensando pelo constituinte em 1988 e que de fato merece um exame cuidadoso, uma vez que também são direitos que a população brasileira quer ver preservados, [como] a razoável duração do processo e as questões pertinentes à segurança pública”, acrescenta a interlocutora do IDDD.

Na mesma sintonia de raciocínio, o advogado criminalista Matheus Chiocheta, coordenador-adjunto do Departamento de Estudos e Projetos Legislativos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), vê o retorno do PLS como algo derrapante em termos de garantia de direitos.

“É inconcebível a gente dar como coerente uma antecipação da prisão. Veja o estado das nossas prisões: nós vivemos num estado de coisas inconstitucional”, salienta, ao se referir ao estado de violação massiva e generalizada de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro.

O especialista qualifica o PLS 166 como “flagrantemente inconstitucional”. “É um absurdo político, jurídico, regimental e de outras vertentes um PL desses ter passado por uma CCJ. Se existe um mínimo de filtro, até mesmo de fundamento argumentativo, de racionalidade legislativa penal que deve servir a um parlamento minimamente centrado naquilo que o direito penal, o processo penal e o próprio constitucionalismo preconizam, o grande filtro, a grande peneira deveria ser justamente a CCJ, por isso uma coisa dessas nem deveria ter sido aprovada pela comissão”.

                                           Senadores bolsonaristas Sérgio Moro, Hamilton Mourão (Republicanos/RS) e Marcos Pontes (PL/SP) durante sessão plenária / Jefferson Rudy/Agência Senado

Bancada da bala

Do ponto de vista do jogo político, Chiocheta chama a atenção para a quantidade de nomes da nova legislatura que são ligados a instituições militares. Segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, entre os parlamentares eleitos para a legislatura 2023-2026, dois senadores e 44 deputados federais atuam ou já atuaram como membros do Exército, bombeiros, policiais civis, militares ou federais.

Na Câmara dos Deputados, o salto foi de 14 eleitos em 2018 para o atual patamar de 44, um aumento de mais de 300%. O grupo de políticos com esse perfil é geralmente chamado de “bancada da bala” e associado a pautas punitivistas e conservadoras, como ampliação do uso de armas, incentivo à lógica prisional, entre outras. É também por conta desse cenário que a preocupação com o PLS 166 se mantém entre os especialistas, pois os movimentos ocasionais do jogo político podem acabar favorecendo adiante um eventual fortalecimento da pauta da prisão após condenação em segunda instância e pautas do gênero.

Matheus Chiocheta lembra que o momento atual, em que os partidos estão discutindo as composições das comissões na Câmara e no Senado, é oportuno para uma maior articulação do campo progressista no sentido de indicar nomes estratégicos para esses colegiados, principalmente para a Comissão de Constituição e Justiça. A CCJ de cada casa legislativa é, via de regra, a porta de entrada das propostas de lei, sendo o colegiado responsável pela averiguação técnico-jurídica dos textos que demandam o crivo parlamentar.

“Sob esse ponto de vista, é preciso cada vez mais se construir uma racionalidade legislativa penal pra que se criem bases assentadas dentro dessas CCJs pra evitar que esse tipo de coisa pare de passar com aprovação dos parlamentares”, defende.

Edição: Thalita Pires

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Orlando Soares Varêda

22/02/2023 - 00h18

O ex-Juiz de rodapé Sérgio Moro, foi mais um dos coadjuvantes “brasileiros” da trapaça, denominada: “Operação Lava a Jato.” Posterior ao falacioso “Mensalão.”

Na verdade, grande parte de nossos conterrâneos, desconhecem o que veio a lume, desmontando mais esta tentativa de golpe armado pela espionagem norte-americana.

Orlando

Paulo

20/02/2023 - 20h19

Não vai passar porque a maioria dos políticos tem medo de ser presa. E, se passar, o STF derruba de novo, inclusive com o voto dos dois bolsonaristas…

EdsonLuíz.

20/02/2023 - 19h42

Em tempo:
Precisamos prestar atenção com cuidado a iniciativas parlamentares do senador Sérgio Moro:
▪Por um lado, quando era Juiz de Direito Sérgio Moro liderou um processo de investigação inédito no Brasil, que recuperou para os cofres públicos valores bilionários devolvidos por corruptos ou deles arrecadados e depois leiloados. Esse processo judicial liderado pelo ex-juiz levou à condenação robusta, confirmada por todas as instâncias judiciais brasileiras superiores que julgam provas de crime, o STF e o STJ, de gente poderosa da nossa elite política e econômica, como Lula, José Dirceu, Marcelo Oderbrecht, Joeslei Batista, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral;
▪Por outro lado, no primeiro momento que pôde o ex-juiz e hoje senador Sérgio Moro aceitou noivar e casar com Jair Bolsonaro e seu projeto golpista de poder. Após breve rompimento com Bolsonaro, quando o ex-juiz aparentava querer se reconciliar com a descência moral e política, ele novamente passou a se encontrar com Jair Bolsonaro e várias vezes os dois são vistos aos beijos e agarros indecentes.

Nenhum projeto parlamentar deve ser apoiado ou rejeitado apenas por causa de seu autor. Mas iniciativas parlamentates de autores que possam ter a respeitabilidade duvidosa, como Sérgio Moro, devem ser acompanhadas com cuidado para não resultarem em decepção.

Saulo

20/02/2023 - 16h52

Passou da hora, bom mesmo seria a prisão perpétua também mas a constituição não permite.

De um dia pro outro diminuíram os homicídios sensivelmente.

EdsonLuíz.

20/02/2023 - 16h10

Em que momento é decretada a prisão de condenado pela justiça no Brasil?

Depende!
■As cadeias brasileiras estão cheias de presos. Em meados do ano passado, o número de presos era de 918.308(Segundo o Conselho Federal de Justiça). Mais de 40% desses presidiários são presos provisórios que encontran-se encarcerados por até mais de oito anos sem passarem por julgamento; e quando finalmente são julgados, mais de 50% desses presos são inocentados da acusação.
▪Estes presos têm uma cor predominante, proporcionalmente à representação na população. Mas as principais “marcas” sociais são a do presidiário brasileiro ter carência de recursos materiais e ausência de influência política.
▪Assim, uma parte de presos que se conta por centenas de milhares sequer passa por um único julgamento.

●Já quando o condenado tem poder político, tem poder ele pode não ser preso nem na 1ª , nem na 2ª, nem na 3ª … e mesmo que houvesse 4ª, 5 ª, 6 ª, ou 7ª instâncias, sempre seria mínima a chance destes poderosos serem presos. E se presos, logo lhes arranjariam um erro judicial ritual para anular as penas..

Quando alguém se ocupa de questionar esse sistema de justiça, não é para aprimorá-lo em prover justiça às vítimas, sejam elas vítimas de homicídio, roubo, injúria racial ou corrupção, ou para agilizar inocentamento ou punição, fazendo então justiça tempestivamente.
▪Em geral, quando alguém se ocupa de discutir as mazelas de nossa legislação penal –escrevendo um post, por exemplo— é para reforçar os mecanismos e privilégios que protegem os poderosos.

Essa iniciativa do agora senador Sérgio Moro será louvável se objetivar acabar com privilégios que impedem a punição de delinquentes como Lulas, Bolsonaros, Oderbrechts, Sérgios Cabrais, Eduardos Cunhas e outros assim, que vivem por aí impunes. Se for este o objetivo do projeto, parabéns ao senador. Uma condenação em 1ª instância que seja confirmada por julgamento em turma colegiada em 2ª instância é suficiente para que o condenado inicie o cumprimento da pena.
▪Mas o projeto deve contemplar e fazer justiça aos presidiários atuais que estejam efetivamente sendo vítimas de punitivismo e apodrecendo nos cárceres, sem direito sequer a um primeiro julgamento.
-E se o projeto não buscar justiça para os que realmente são vítimas do nosso Sistema Judicial, não será um bom projeto.

*E aos quem leem:: tomem muito cuidado com as “boas-intenções” de textos endereçados a agradarem a poderosos! *Igualmente cuidado com acusações e desqualificações à priore, contra quem um dia tomou iniciativas de punir algum Mito seguido pelo “postdigitador”, sem que ele tenha interesse real em escrever sobre os méritos e defeitos de um projeto legislativo, mas tem o interesse de proteger criminosos::Proteger políticos e empreiteiros corruptos, por exemplo!
*Muito cuidado com o conceito de “punitivismo” que é feito por aqueles que protegem delinquentes poderosos!

Edson Luiz Pianca.
edsonmaverick@yahoo.com.br


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