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Estresse na gestação aumenta chance da criança ter autismo

Fabiana Mariz/Agência USP – O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento cuja etiologia ainda é desconhecida. Pesquisas mostram que não há um fator único, mas sim a interação de componentes genéticos e ambientais. Uma pesquisa da USP cruzou dados de pacientes e mostrou que a exposição da gestante a fatores ambientais e psicossociais (como estresse, exposição […]

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Rio de Janeiro - 8ª Caminhada do Dia Mundial da Conscientização do Autismo, promovida pelo Grupo Mundo Azul, no Leblon, zona sul da cidade. O grupo luta por centros de tratamento e reabilitação para autistas, por atendimento multidisciplinar diagnóstico precoce, educação especial, além de lar terapêutico para os órfãos (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Fabiana Mariz/Agência USP – O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento cuja etiologia ainda é desconhecida. Pesquisas mostram que não há um fator único, mas sim a interação de componentes genéticos e ambientais. Uma pesquisa da USP cruzou dados de pacientes e mostrou que a exposição da gestante a fatores ambientais e psicossociais (como estresse, exposição a produtos químicos e perda de um ente querido, por exemplo) pode aumentar a possibilidade do desenvolvimento do autismo nos filhos.

O doutorado, realizado pela neurocientista Anita Brito, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em parceria com a Plataforma Científica Pasteur (SSPU) da USP – recentemente transformada em Institut Pasteur de São Paulo –  e com o Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), investigou, pela primeira vez, a relação entre fatores genéticos e ambientais e o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Um artigo na revista científica BMC Psychiatry descreve os resultados.

Anita, que atualmente faz pós-doutorado no Institut Pasteur de São Paulo, entrevistou 2.141 brasileiros com TEA por meio de um questionário on-line, contendo 132 perguntas sobre os mais variados assuntos, como histórico familiar (casos de doenças psiquiátricas e neurológicas em parentes consanguíneos – pais, tios e tias, avós e primos de primeiro grau), perfil socioeconômico e possíveis fatores estressores durante a gestação. 

“Olhamos para o período gestacional porque é o momento em que o sistema nervoso está sendo gerado, e que pode sofrer alterações”, explica Patrícia Beltrão Braga, professora do ICB, pesquisadora da SPPU e também autora do artigo. “E durante os nove meses, qualquer estresse que a mulher passe pode produzir fatores que podem desencadear mudanças epigenéticas.” Epigenética é um campo de pesquisa que investiga como os estímulos ambientais podem ativar determinados genes e silenciar outros. 

A maioria dos respondentes era do sexo masculino (81%), com idade mínima de 2 anos para homens e mulheres (as informações sobre as crianças foram fornecidas pelos pais ou responsáveis) e idade máxima de 41 anos para homens e de 54 para mulheres. 54% de toda a amostra residiam na região Sudeste e 74% foram diagnosticados entre um e quatro anos. Além disso, 47% alegaram ter autismo de nível 1 e 36% disseram estar no nível 2 de suporte.

Assumindo que os indivíduos são expostos a mais de um fator ambiental, foram realizadas análises de bioinformática para encontrar o que os pesquisadores chamaram de “dimensões de vulnerabilidade”. A ideia era investigar quais condições agrupadas poderiam contribuir para a possibilidade de desenvolver autismo. “O maior desafio foi compreender o que cada coisa quer dizer para buscar as ferramentas adequadas na tabulação dos dados”, afirma Helena Brentani, psiquiatra do IPq e coordenadora do Protea – Programa do Transtorno do Espectro Autista.

Patrícia Braga disse ao Jornal da USP que se surpreendeu ao perceber que os fatores ambientais tiveram tamanha relevância. “Como neurobióloga, eu estava muito mais preocupada com o que a mãe bebeu, usou ou comeu, se ela foi infectada com algum vírus ou bactéria, ou seja, coisas mais palpáveis.” 

Os fatores sociais foram definidos como estresses emocionais (incluindo depressão e ansiedade), agressão (física, social ou emocional) e situações causadoras de esgotamento (perda de emprego, morte de uma pessoa próxima, vizinhança violenta), entre outros.

“Vimos também que a esquizofrenia, considerada um transtorno psiquiátrico, no nosso trabalho foi direcionada para a dimensão neurológica”, surpreende-se Anita.  

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento com alta prevalência – segundo informações da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), estima-se que, em todo o mundo, uma em cada 160 crianças tenha transtorno do espectro autista. É caracterizado por déficits na comunicação e na interação social, associados a padrões de comportamentos repetitivos e restritos. Indivíduos com autismo apresentam uma vasta heterogeneidade clínica e podem apresentar várias comorbidades associadas, tais como síndromes, transtornos psiquiátricos, neurológicos, questões sensoriais, entre outras.

Embora algumas pessoas com transtorno do espectro autista possam viver de forma independente, outras têm graves incapacidades e necessitam de cuidados e apoio ao longo da vida. O TEA é dividido em três níveis: 1, popularmente conhecido como “leve”, ou seja, quando o indivíduo precisa de pouco suporte; 2, o nível “moderado”, cujo grau de suporte necessário é razoável; e 3, conhecido como autismo severo, quando o indivíduo necessita de muito suporte.

“O TEA continua sendo uma ‘caixa de pandora’: sabemos que a genética é soberana, mas algumas vezes não encontramos uma causa hereditária”, explica Patrícia Braga. “Pegamos aquele baú de coisas que, de acordo com a literatura, poderiam estar relacionadas com o TEA e criamos um questionário para tentar entender quais situações estariam envolvidas ali que poderiam ter ajudado a ter aquele desfecho.”

De acordo com Patrícia Braga, no trabalho não foi possível observar a associação entre o contato biológico (principalmente infecções na gestação) e o autismo. “Como as pessoas respondem a um questionário, temos que contar com a memória delas sobre determinada ocorrência”, explica ela. “Se foi um evento muito significativo há mais chances dela se lembrar, e isso foi um fator limitante para nós.”

Por isso, acredita a pesquisadora, outros estudos devem ser feitos para apurar esses e outros dados. “Seria interessante seguir um grupo de gestantes por cinco anos, por exemplo, e investigar se existe relação entre infecções e algum transtorno que possa surgir no caminho.”

Helena Brentani concorda que esse tipo de estudo epidemiológico seria essencial para trazer outras informações. “Teríamos como avaliar medidas mais objetivas (como componentes genéticos e possíveis efeitos da exposição ambiental com marcadores biológicos) do que informações provenientes de questionários”.

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