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O Suave Ruído da Rotina

Semana cheia em Brasília. Na CPMI da tentativa de golpe de 08 de janeiro, está acontecendo o que já prevíamos: discussões acaloradas e um esforço hercúleo dos bolsonaristas em sabotar os trabalhos enquanto produzem conteúdos para serem espalhados nos grupos de WhatsApp. O depoimento de Silvinei Vasques, ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal, que foi […]

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Semana cheia em Brasília.

Na CPMI da tentativa de golpe de 08 de janeiro, está acontecendo o que já prevíamos: discussões acaloradas e um esforço hercúleo dos bolsonaristas em sabotar os trabalhos enquanto produzem conteúdos para serem espalhados nos grupos de WhatsApp. O depoimento de Silvinei Vasques, ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal, que foi responsável por levar a cabo a estratégia absurda de promover diversos bloqueios nas estradas durante o segundo turno, especialmente em locais em que Lula tinha tido melhor votação no primeiro turno. 

Foi um depoimento cheio de contradições. Silvinei negou os crimes, disse que uma interferência do tipo seria “impossível”, mas seus argumentos se mostraram frágeis diante das evidências. Além disso, diante da disposição dos bolsonaristas em tumultuar o cenário, o fato é que o depoimento demorou mais de oito horas, e o fato é que até alguns congressistas devem ter considerado esse depoimento enorme, maçante e sem novidades como uma perda de tempo.

Quando a CPMI dos atos golpistas de 08 de janeiro começou, muitos deputados e senadores correram para conseguir vagas na comissão achando que ela teria a mesma notoriedade da CPI da COVID. Hoje, muitos desses congressistas devem estar arrependidos, embora não admitam isso publicamente. Embora os trabalhos ainda estejam no início, é notório que a CPMi está sendo levada de forma muito mais arrastada que a CPI da COVID. E isso tem um motivo simples: a CPI da COVID teve características únicas que não se repetirão em qualquer outra comissão do tipo.

A CPI da COVID foi instalada contra a vontade de governo Bolsonaro e do Presidente do Senado Rodrigo Pacheco, no final de abril de 2021. Ganhou ares de reality show, porque naquele momento o brasileiro vivia em desespero com o número de mortes diárias por COVID chegando a quatro mil. E também em isolamento social, porque o governo Bolsonaro não escondeu em nenhum momento sua postura relapsa – quando não negacionista – sobre a vacinação. Então, existiam todos os ingredientes para que a CPI fosse um acontecimento nacional: uma angústia coletiva pelas mortes em escala industrial, a revolta contra um governo que não soube – ou não quis – agir a respeito e a necessidade de saber a verdade a respeito de um tema sobre o qual o governo Bolsonaro se empenhava diariamente para esconder. Além disso, a grande maioria das pessoas ainda estava confinada, vivendo em algum nível de isolamento social, ainda que o governo Bolsonaro sabotasse esse isolamento diuturnamente. A soma desses fatores e a difusão dos primeiros depoimentos nas redes sociais serviram para catapultar o interesse do brasileiro pela CPI a níveis inéditos. E, embora os indiciamentos não tenham levado a nada, muito por conta da inação – ou cumplicidade – do Procurador Geral da República, o dano político ao governo Bolsonaro foi inegável: nem mesmo no segundo turno a popularidade do ex-presidente voltou aos níveis registrados antes da segunda onda de COVID – que foi o grande motivo para a instalação da CPI. 

A CPI da COVID foi determinante para a derrota de Bolsonaro na eleição, e o bolsonarismo  achou que poderia usar a CPMI do golpe para contra-atacar, usando-a como instrumento para corroer a popularidade de Lula. Mas, além do fato de que Lula foi vítima da tentativa de golpe, o governo é o principal interessado em levar adiante as investigações. Para finalizar, a narrativa bolsonarista de que “o governo Lula teria facilitado o ataque e infiltrado pessoas nas manifestações de 08 de janeiro” é tão frágil quanto os prédios de bloquinhos de montar da minha filha, que caem em média a cada cinco minutos.

 Mas nem só de CPMI vive Brasília. O Senado está começando a discutir o arcabouço fiscal e, como previsto, está tornando as coisas ligeiramente menos draconianas no documento, o que é antes de tudo uma medida de como as relações do governo Lula com o Senado tem sido mais harmônicas do que as relações com a Câmara. A principal mudança no texto até o momento é a exclusão do FUNDEB (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) do teto de gastos. É uma boa notícia: se confirmada, essa exceção vai permitir investimentos mais consistentes em educação básica nos próximos anos.

Bolsonaro, por sua vez, resolver fazer uma via crúcis pelo Congresso para conversar com aliados. O assunto? O julgamento de sua chapa no TSE, marcado para o dia 22 de junho com a exposição do voto dado pelo relator Benedito Gonçalves. A tendência é de condenação, mas cabe dizer que esse é só o primeiro processo contra a chapa de Bolsonaro: o julgamento será sobre aquela reunião estapafúrdia de Bolsonaro com embaixadores do mundo todo ocorrida em julho de 2022, em que o então presidente questionou as urnas eletrônicas e sugeriu que não reconheceria o resultado das eleições. Ainda tem muito mais crime eleitoral do Bolsonaro para ser julgado, esse é só o primeiro. 

Para quem viveu o pesadelo do governo Bolsonaro nos últimos anos, ver Bolsonaro fora do poder e inelegível soa quase como uma realidade idílica. Mas a verdade é inelegibilidade ainda é muito pouco perto dos inúmeros crimes que Bolsonaro e seus aliados cometeram. A inelegibilidade é uma vitória e precisa ser comemorada, mas precisa ser vista como um passo para que Bolsonaro possa responder por seus crimes de ódio, administrativos e ao seu negacionismo também na esfera criminal. 

Enquanto isso, Lula tem uma semana agitada em viagem diplomática para a Europa: reuniões com o Papa Francisco, com a primeira ministra de extrema direita italiana Giorgia Meloni, com Emmanuel Macron e um discurso durante o show do Coldplay em frente à Torre Eiffel. Embora existam ruídos no discurso de Lula, especialmente em relação a temas como a guerra na Ucrânia, é notório que o presidente tem feito com maestria aquele que deve ser o seu principal papel nos próximos quatro anos: atuar pessoalmente como fiador da retomada do prestígio internacional brasileiro.

Para finalizar, a pesquisa Genial/Quaest traz boas notícias para Lula: duas de suas principais iniciativas (a redução de impostos para carros novos e a tentativa de refinanciar dívidas para grande parte da população) são muito bem avaliadas pela população. Outra boa notícia é a de que as pessoas acham que a economia brasileira está melhorando. E uma curiosidade importante: entre os eleitores de Lula, 47% se informam sobre notícias de política pela TV e 22% pelas redes sociais. Entre os eleitores de Bolsonaro, a lógica se inverte: 37% se informam pelas redes sociais e apenas 29% pela TV. É um bom indicador de como há muito trabalho a ser feito para enfrentar o bolsonarismo nas redes sociais.

Esse cenário, porém, traz uma percepção positiva: a política vai tomando ares de rotina, os sobressaltos vão diminuindo, as coisas aos poucos parecem estar se assentando. Ainda que haja muita turbulência e muita reclamação, especialmente na Câmara dos Deputados, Brasília parece estar se acomodando às novas estruturas de poder, e o governo Lula parece estar entrando em velocidade de cruzeiro. O próprio bolsonarismo parece relativamente conformado com o papel de oposição no momento, sem muito o que fazer além de gritaria nas redes sociais. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos, é um enorme alívio ver que a política está se tornando “chata e previsível” novamente.

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