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Na Argentina, prévias eleitorais indicam polarização

Apesar do lawfare contra Cristina Kirchner e da inflação causada pelo FMI, peronistas tem chances de vencer novamente, Sergio Massa, aguarda quem será seu adversário da direita neoliberal nas eleições presidências por Bruno Falci, de Buenos Aires, para O Cafezinho Estado em Disputa As eleições na Argentina são diferentes do modelo eleitoral do Brasil. Aqui, […]

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Sergio Massa e Cristina Kirchner | Cedoc

Apesar do lawfare contra Cristina Kirchner e da inflação causada pelo FMI, peronistas tem chances de vencer novamente, Sergio Massa, aguarda quem será seu adversário da direita neoliberal nas eleições presidências

por Bruno Falci, de Buenos Aires, para O Cafezinho

Estado em Disputa

As eleições na Argentina são diferentes do modelo eleitoral do Brasil. Aqui, podemos dizer que há três turnos. Inicialmente, há o PASO, que é o primeiro turno, as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias, criado pelo ex-presidente Néstor Kirchner, em 2009. Isso, seria, de certa forma, equivalente às primárias nos Estados Unidos, o que ocorre com o Partido Democrata e o Partido Republicano, quando ambos disputam internamente quem serão os candidatos à presidência da república.  O PASO ocorre neste domingo, 13 de agosto, enquanto o primeiro turno da eleição será realizada em 22 de outubro.  Em caso de possível segundo turno, a votação será no dia 19 de novembro.

Estão sendo publicadas pesquisas todas as semanas.  Algumas apontam o embate entre Sergio Massa, da esquerda peronista, e o candidato da direita neoliberal Horácio Larreta.  Por outro lado, uma pesquisa da consultoria  Proyección  sobre os cenários eleitorais em nível nacional, coloca o pré-candidato Sergio Massa como a força com maior intenção de voto (31,1%), superando Patrícia Bullrich (20,4%) e Horácio Larreta (13,9). Baseado nesta pesquisa, Bulrrich pode  disputar com Massa as eleições gerais de outubro. No entanto, quase todos os consultores  dizem que qualquer um pode ganhar.Deve-se ressaltar que a candidata que o povo argentino queria como presidente era Cristina Kirchner, mas devido a todo um lawfare que ela tem sofrido, inclusive uma tentativa de assassinato, quando tentou-se dar um tiro nela em rede nacional, a estratégia da coalizão peronista de esquerda “Union por la Patria” (anteriormente denominada Frente de Todos) é que ela não seja candidata.

Nos últimos meses, Cristina reiterou, em diversas ocasiões, sua decisão de não concorrer às eleições presidenciais.  A vice-presidenta, que, em todas as pesquisas, revelou ser a candidata favorita do eleitorado, sofre lawfare por governar duas vezes o país, enfrentando os interesses das classes dominantes e dos EUA, promovendo políticas de distribuição de renda com programas e investimentos na educação, saúde e moradia, criação de empregos e políticas sociais como a construção de moradias populares. Em seu governo, o salário-mínimo foi fortalecido e muitas outras políticas públicas foram criadas em benefício da grande maioria da população pobre do país. Essas razões a levaram a ser a liderança popular que é hoje, tendo que ser perseguida juridicamente para que não seja eleita Presidenta da Argentina. Essa perseguição já ocorre faz anos. Na última eleição presidencial, Cristina concorreu a vice-presidência e a influência central dessa decisão foi devido a perseguição jurídica que sofria na época.

Foi indicado então o ministro da Economia Sergio Massa, com apoio da vice-presidenta Cristina Kirchner e do presidente Alberto Fernández. Massa é que tem feito todas as negociações em relação à dívida com o FMI – Fundo Monetário Internacional.  Ele foi à China e conversou inclusive com Dilma Rousseff, que é presidenta do banco do BRICS, visando obter empréstimos para pagar a dívida com o FMI, que o país contraiu durante o governo direitista de Mauricio Macri (2015-2019), quando fez um empréstimo de 48 milhões de dólares ao organismo, tendo como objetivo, de fato, utilizar esse dinheiro para sua reeleição. Desta forma, a Argentina ficou subordinada às políticas econômicas determinadas pelo FMI, tais como arrojo salarial, privatizações, a redução dos programas sociais e enxugamento da máquina pública do Estado. Em consequência, gerou uma inflação descontrolada no país, provocando a desvalorização do salário e o aumento da pobreza. Massa tem agido bem, tem se aproximado do governo chinês e se esforçado para que a Argentina ingresse no BRICS.

A crise econômica do país gera uma hiperinflação de mais de 100 por cento ao ano, provocada exclusivamente pelo FMI. Quando um país faz um empréstimo ao FMI, este intervém diretamente em sua politica econômica.  Apesar de tudo, Massa tem feito um bom trabalho, tem procurado soluções. Nesta conjuntura inflacionária, ele tem procurado soluções e demonstra credibilidade com a causa pública, procurando algum controle e sinalizar com alguma esperança de que, no futuro, esta grave questão seja resolvida.

Fonte da pesquisa eleitoral: consultora Proyección

Disputas internas

O PASSO apresenta disputas partidárias internas, tanto no campo da esquerda como no da direita. Há, neste contexto, um fascista, um representante da extrema-direita, Javier Milei, que se beneficia com a criminalização da esquerda, dessas manobras jurídicas que afetam o campo progressista. Ele representa uma terceira via e tem cerca de 13 por cento, o que é um número expressivo na Argentina, onde a extrema-direita não existia até pouco tempo, que vai permitir uma bancada no parlamento.  

Milei é deputado federal e líder da coligação política A Liberdade Avança. Tornou-se amplamente conhecido por suas aparições regulares na TV. Ele planeja derrubar o peso em favor do dólar americano, a dolarização da economia, sua proposta principal que é inconcebível num país como a Argentina.  Em um contexto de desdolarização global, a proposta de Milei é o caminho errado a ser trilhado. Muitos países têm adotado outras moedas para transações comerciais, tentando minar a hegemonia do dólar.

Por outro lado, há uma disputa intensa no campo da direita neoliberal da coalização “Juntos por el Cambio”, na qual Mauricio Macri foi eleito há oito anos. Ele não é candidato, tem uma avaliação muito baixa junto ao eleitorado. Portanto, há novos candidatos à presidência: Horácio Larreta e Patrícia Bullrich. Para a esquerda seria mais interessante Patrícia Bullrich como candidata porque  pesquisas apontam, no segundo turno, Massa como vitorioso contra Bullrich (40 contra 36 pontos) mas sendo Larreta o adversário, com 41 pontos, Massa é derrotado, com 37 pontos.

Horacio Larreta é um tecnocrata de centro-direita e pró-negócios. Ele é criticado por sua política que tem levado à exclusão dos mais modestos e ao aumento da pobreza. Em particular, permitiu a venda de espaço público em favor de projetos imobiliários privados e restringiu o investimento em educação, saúde e habitação. Sua policia, a da Cidade Autônoma de Buenos Aires é extremamente repressiva e justo ontem assassinou durante a repressão de uma manifestação um foto jornalista, Facundo Molares, isso aconteceu no centro da capital federal em plena lu do dia e diante de câmeras jornalísticas.  Seu vice é Gerardo Morales, o governador de Jujuy, onde tem ocorrido repressões violentas contra as populações originárias, que levaram um manifestante a perder os olhos, enquanto jovens foram presos e alguns ainda estão desaparecidos, casas foram invadidas sem o justo processo legal. Inclusive, há uma importante líder social, que é uma referência internacional, Milagros Salas, presa há oito anos, pelos mesmos que perseguem Cristina Kirchner, o “Partido Judicialista”, a lava jato argentina.

Patrícia Bulrrich ocupou o cargo de ministra da Segurança na presidência de Mauricio Macri e é acusada de ser politicamente responsável pela morte de dois manifestantes que se afogaram em 2017 durante uma violenta investida policial. Ela se declara a favor de armar os cidadãos. Propõe uma reforma trabalhista, um forte ajuste fiscal e prometeu a liberação do câmbio e dos controles de capitais. Uma espécie de plano Macri 2015, mas recarregado.

O campo peronista está dividido entre duas candidaturas. Além de Massa, que está na frente disparado, há ainda o deputado Juan Grabois, com poucas possibilidades de vitória nas prévias. Juan Grabois é um advogado e líder social. É fundador do Movimento dos Trabalhadores Excluídos (MTE), da Confederação dos Trabalhadores da Economia Popular (CTEP) -atual UTEP- e da Frente Pátria Grande. Além disso, é membro do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano. Ele sempre dedicou sua militância à organização sindical de trabalhadores ambulantes, costureiras, pequenos agricultores, indígenas, trabalhadores de empresas recuperadas, pessoas que foram libertadas da prisão, mulheres que realizam tarefas assistenciais e apoiam espaços comunitários, entre outros.    Grabois teve uma passagem conhecida no Brasil. Quando o presidente Lula estava preso na Polícia Federal, em Curitiba, ele foi visitá-lo, como emissário do Papa Francisco.   Sua missão era entregar um crucifixo abençoado pelo pontífice e foi impedido de entrar no prédio. Recentemente, Grabois participou de um ato com Evo Morales na Faculdade de Odontologia da Universidade de Buenos Aires, que foi, de fato, um apoio do ex-presidente boliviano à candidatura de Grabois à presidência. Ele é muito conhecido na América Latina. Infelizmente, Grabois não tem força eleitoral, tem, no máximo, 5 por cento. Depois do PASO, tudo indica que esses números irão para Massa.

Massa é um candidato forte e tem subido nas pesquisas devido ao seu empenho, seu trabalho como ministro da Economia em um quadro adverso, apesar de ter três dígitos de inflação a Argentina tem conseguido dar sinais de recuperação econômica. Massa também vem conduzindo sólidas negociações com a China e o banco do BRICS. Enfrenta as pressões do FMI, que propõe diminuição dos gastos públicos, na saúde, na educação, e cortar gastos em programas sociais.

Portanto, inicialmente temos o PASO, que é esse processo de eleição interna, que leva ao eleitor a votar em todo o país. Daqui sairão os candidatos que sairão vencedores. Em seguida, o primeiro turno, em 22 de outubro. Diferente do Brasil, um candidato para vencer no primeiro turno precisa obter 10 poder cento a mais que o segundo colocado.

Fonte da pesquisa eleitoral: consultora Nueva Comunicación

Mobilização intensa

As eleições estão indefinidas. A militância de esquerda tem saído às ruas, é muito forte, as organizações são muito potentes, há atos quase todos os dias, a mobilização é intensa. E as pesquisas estão sendo melhores para o campo da esquerda e as chances de uma vitória são cada vez maiores. Há tempos atrás, a situação era sombria. Mas a proposta de Cristina Kirchner de indicar Massa foi acertada. Massa não é exatamente um candidato de verniz peronista, de raiz. Ele dialoga com diversos setores dominantes, ele tem uma inserção em uma parte da sociedade que outros políticos peronistas não possuem.

Nas últimas semanas, Juan Milei, o candidato da extrema-direita, sofreu uma queda nas pesquisas eleitorais. Isso já estava anunciado nas recentes eleições estaduais. Inicialmente, tudo indicava que o campo de Milei tinha chances de ganhar, o que não se confirmou. Ele foi inflado pela mídia corporativa e pelo que é chamado na Argentina de “Partido Judicial”, que seria o equivalente da lava jato no Brasil, conseguiram tirar a Cristina Kirchner da disputa eleitoral. Se ela fosse candidata, estaria seguramente disparada em primeiro lugar nas pesquisas, com grande possibilidade de ganhar no primeiro turno. A esquerda só pode perder as eleições devido a esse quadro de fragilidades de nossas democracias latino-americanas.

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Comentários

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Paulo

15/08/2023 - 22h43

“por conta delE”

Paulo

15/08/2023 - 22h42

“A esquerda só pode perder as eleições devido a esse quadro de fragilidades de nossas democracias latino-americanas.”

Verdade. Mas também só pode ganhar por conta dela…


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