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Jabbour: “Uma esquerda que não percebe a centralidade da questão nacional não é digna do poder político”

“A grande crise da esquerda não tem nada a ver com pauta identitária. A crise foi nós termos abandonado a perspectiva nacional.” A afirmação do economista Elias Jabbour, feita no programa “Dando a Real” da TV Brasil, sintetiza uma crítica que atravessa toda sua análise sobre os rumos da esquerda brasileira e mundial. A entrevista, […]

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“A grande crise da esquerda não tem nada a ver com pauta identitária. A crise foi nós termos abandonado a perspectiva nacional.” A afirmação do economista Elias Jabbour, feita no programa “Dando a Real” da TV Brasil, sintetiza uma crítica que atravessa toda sua análise sobre os rumos da esquerda brasileira e mundial.

A entrevista, conduzida por Leandro Demori em 8 de julho de 2025, reuniu um dos principais especialistas brasileiros em China – país onde Jabbour viveu e pesquisou por anos – e ex-consultor sênior do Banco dos BRICS. Atualmente presidente do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos no Rio de Janeiro, Jabbour é coautor do livro “China, o socialismo do século XXI” e estuda o país asiático há três décadas.

“A China é uma nova formação econômica social”

Jabbour descreve a China como algo inédito na história. “É uma nova formação econômica social, uma outra forma histórica”, que transcende as categorias tradicionais de capitalismo e socialismo. Esta caracterização se baseia na estrutura econômica chinesa: 96 conglomerados empresariais públicos dominam o núcleo produtivo, abrangendo todas as áreas estratégicas da economia.

“O setor privado é muito residual na China”, explica. O sistema financeiro opera com 144 bancos públicos que “criam moeda para que essas empresas executem grandes projetos”, funcionando como bancos de desenvolvimento em escala nacional.

Durante a crise de 2008, “a resposta chinesa foi a execução simultânea de mais de 3 mil projetos” em todo o território. Esta capacidade deriva da incorporação de tecnologias como 5G, Big Data e inteligência artificial, que “elevam a capacidade de planejar a economia e planejar de forma muito rápida a intervenção do território.”

O resultado: urbanização de 200 milhões de pessoas em dez anos – “urbanizar o Brasil inteiro” – sem criar favelas ou ocupação desordenada. “Isso é a razão orientada para o bem-estar da sociedade”, resume Jabbour.

“O governo orienta o capital”

A propriedade privada na China funciona de forma distinta do Ocidente. “Na China, a propriedade privada é uma concessão do Estado e ela não é sacralizada”, explica Jabbour. “Ali não é o lucro que vai orientar o governo, não é o capital que vai orientar o governo, ao contrário, o governo orienta o capital.”

Nos últimos cinco anos, o governo intensificou a pressão sobre bilionários e milionários. “Existe uma repressão muito forte sobre os bilionários chineses e milionários para adequarem os seus negócios aos interesses da sociedade.” O resultado: um terço dos milionários e bilionários deixaram o país, e o patrimônio dos que permaneceram diminuiu em um terço.

As big techs foram enquadradas quando o governo “se viu na obrigação” de redirecioná-las para prioridades nacionais. “Do dia para a noite, transformou o Partido Comunista em dono da golden share dessas empresas”, direcionando-as para o desenvolvimento de alta tecnologia em vez de “produtos supérfluos” como jogos e redes sociais.

“Já estamos no mundo multipolar”

Para Jabbour, a multipolaridade não é uma perspectiva futura. “Já estamos no mundo multipolar. Já estamos vivendo as dores do parto, do surgimento de um mundo multipolar.” A evidência vem do próprio mercado financeiro: “O recado de que essa força não é nem tudo isso não foi a China que deu, não foi a Rússia. Foi o mercado financeiro internacional que diminuiu, fez o dólar se desvalorizar, a Moody’s reduziu o rating dos Estados Unidos.”

O conflito na Ucrânia exemplifica esta reconfiguração. “Não é um conflito voltado a ser uma proxy war contra a Rússia tão e somente. É isso, mas também é uma guerra contra a Alemanha”, porque “a competitividade da indústria alemã afeta diretamente os interesses dos Estados Unidos pelo mundo afora.”

A destruição do gasoduto Nord Stream 2, que Jabbour atribui aos americanos, resultou na desindustrialização alemã. “A Alemanha começou a passar por um processo rápido de desindustrialização, porque os custos de produção passaram a ficar muito altos. E o que tornava aquele custo de produção baixo era o gás russo.”

“Quem está dando fim na hegemonia do dólar são os Estados Unidos”

O processo de desdolarização acelera-se devido às próprias ações americanas. “Quem está dando um fim na hegemonia do próprio dólar não é a China, é os Estados Unidos”, através do uso excessivo de sanções como “bomba de destruição em massa.”

A expulsão da Rússia do sistema financeiro internacional e o confisco de 600 bilhões de dólares em ativos russos criaram “uma grande desconfiança” mundial. “Uma coisa é você mexer com Cuba, Venezuela, Coreia, Irã. Outra coisa é você expulsar um país como a Rússia do sistema financeiro internacional, um país que é o maior produtor de petróleo do mundo.”

Como resultado, países buscam alternativas. A China já vende petróleo para a Arábia Saudita em renminbi, quebrando a obrigação de negociar petróleo em dólares. O Banco dos BRICS opera 30% de suas transações em moedas locais. “Já existe um processo em que o mundo já caminha para substituir totalmente o dólar.”

“O problema do Brasil é político”

Jabbour identifica a raiz dos problemas brasileiros: “O nosso grande problema, e que explica os nossos 50 anos perdidos, de 80 para cá, é a não-constituição de uma maioria política no país que tenha clareza sobre o que país nós queremos.”

Enquanto a China “formou uma maioria política, tomaram o poder em 49, e essa maioria política vai tocando projetos vitoriosos”, o Brasil não conseguiu construir consenso sobre ser “um país altamente industrializado, com sistema financeiro poderoso, com empresas XYZ, com universidades, com sistema nacional de inovação.”

Os governos Lula e Dilma representaram uma tentativa. “Aos trancos e barrancos, eles estavam construindo um caminho que poderia nos entregar mais à frente o que eu chamo de um projeto nacional de desenvolvimento”, até que “o governo Dilma foi devidamente derrubado por conta disso.”

A instabilidade política brasileira seria impensável na China. Eventos como o 8 de janeiro ou a Lava Jato – onde “o cara ser treinado nos Estados Unidos e trazer a gente do FBI pra cá, como fizeram Moro e Deltan” – seriam inadmissíveis. “Lá eles estariam presos, eu não tenho dúvida disso.”

“A contradição principal não é democracia versus fascismo”

Jabbour questiona o foco da esquerda na defesa da democracia. “Para mim, particularmente, não é democracia versus fascismo. Para mim, é fascismo, que significa abertura indiscriminada do Brasil ao capital estrangeiro, privatizações, a dolarização da economia brasileira versus projeto nacional.”

Esta perspectiva reflete sua crítica mais ampla: “A grande crise da esquerda não tem nada a ver com pauta identitária. As pautas civilizatórias, como eu chamo, a pauta da emancipação feminina, a pauta da questão racial, a questão LGBTQIA+, a questão indígena, elas são potencializadoras do nosso campo político.”

O problema foi “termos abandonado a perspectiva nacional”. Historicamente, “há mais de 100 anos que a esquerda que chegou ao poder no mundo chegou ao poder a partir da bandeira nacional, da luta anticolonial.”

“Colonização cognitiva da esquerda brasileira”

Jabbour identifica um processo de “colonização cognitiva muito grande” na esquerda brasileira. Parlamentares, “mesmo os deputados que são negros ou mulheres, a primeira coisa que acontece é que recebem um convite dos Estados Unidos para ir para lá.”

O financiamento externo de ONGs exemplifica esta influência. “O financiamento que ONGs estrangeiras dão a determinados movimentos no Brasil, elas não fazem isso porque elas gostam do Brasil.” Esta interferência produz um revisionismo histórico que “pode parecer progressista, mas é altamente reacionário.”

O resultado é uma esquerda que não compreende o potencial brasileiro. “O Brasil é fruto de grandes contradições e que o país hoje, apesar de todas essas contradições, é o quinto maior país do mundo, uma das dez economias do mundo e um país que, o dia que se encontrar consigo mesmo, é um país que pode juntar com China, Rússia, Índia e buscar a paz mundial.”

Enquanto “a extrema direita e a esquerda liberal se encontram na Europa e nos Estados Unidos”, uma esquerda consequente “tem que conhecer a experiência chinesa” e as “rebeliões nacionais populares na África que a gente nem está observando.”

“Uma esquerda que não tem razão de existência”

A conclusão de Jabbour é categórica: “Uma esquerda que na periferia não pensa nesses termos é uma esquerda que não é digna do poder político. E uma esquerda que não tem razão de existência, inclusive.”

O caminho para a transformação brasileira passa pela “confluência de vários atores políticos” – “patriotas, democráticos, socialistas, comunistas, os grupos que operam com as pautas civilizatórias” – unidos em torno de “um novo projeto nacional de desenvolvimento do Brasil.”

“Esse é o caminho do Brasil ao socialismo”, baseado na formação de “maiorias heterogêneas” que, historicamente, conseguiram “dar um salto” em momentos cruciais da história nacional. “Esse projeto nacional pode desembocar em socialismo, com certeza.”

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