Debate no Clube de Engenharia ganhou contornos mais animados após anúncio de taxação de 50% aos produtos brasileiros.
“Lula não vai se dobrar de jeito nenhum”, apostou Pepe Escobar sobre a possibilidade do presidente brasileiro ceder às pressões americanas.
A declaração foi feita durante debate organizado pelo portal Brasil 247, realizado no Clube de Engenharia, Rio de Janeiro, na noite de 9 de julho, horas após Donald Trump anunciar tarifas de 50% contra produtos brasileiros e defender Jair Bolsonaro.
Pepe Escobar, jornalista e analista geopolítico que durante anos escreveu em veículos asiáticos e hoje mantém o canal “Pepe Café” no YouTube, chegou ao Brasil com apreensões sobre os resultados da cúpula dos BRICS no Rio de Janeiro. O encontro, no entanto, superou suas expectativas e rendeu elogios ao presidente Lula.
“Lula entendeu perfeitamente esse exemplo da ASEAN para o funcionamento dos BRICS”, afirmou Escobar. O analista destacou a conversa entre o presidente brasileiro e Anwar Ibrahim, primeiro-ministro da Malásia. “Foi tão boa a conversa, e Anwar Ibrahim é tão sedutor e tão brilhante, que o Lula anunciou pessoalmente que ele vai representar o Brasil na cúpula da ASEAN, em outubro, em Kuala Lumpur.”
Escobar explicou que Anwar Ibrahim “é um dos grandes diplomatas do mundo” e que sua participação no evento foi fundamental. “Anwar Ibrahim falou 10 a 12 minutos para uma plateia de empresários brasileiros, e no final estava todo mundo de queixo caído. Ele resumiu em 10 minutos a missão dos BRICS”, disse o jornalista. Para Escobar, a decisão de Lula de participar da cúpula da ASEAN representa “uma aproximação América do Sul, Sudeste da Ásia, capitaneada pelo Brasil, e com o capital político do presidente Lula”.
As razões por trás das tarifas de Trump
“Medo e desespero”, resumiu Escobar ao explicar as motivações das tarifas de 50%. Segundo o analista, Trump acumula derrotas em diferentes frentes: perdeu a guerra contra os Houthis no Mar Vermelho, com humilhação da Marinha americana, fracassou na tentativa de destruir o programa nuclear iraniano e herdou o fracasso na Ucrânia. “Todo mundo no sul global sabe disso”, afirmou.
Escobar classificou a carta de Trump como “pueril, parece escrita por alguém de cinco anos de idade”. O jornalista apontou que as medidas representam “interferência direta de guerra híbrida avançada do governo dos Estados Unidos em política interna brasileira, inclusive na próxima eleição presidencial no Brasil.”
Para o analista, as tarifas demonstram que “agora não tem mais nenhum limite” na estratégia americana contra os BRICS. Escobar destacou que Trump não havia personalizado ataques ainda, sendo este o primeiro ataque direto, o que demonstra o medo americano em relação ao papel do Brasil dentro dos BRICS.
A transformação da economia russa e chinesa em uma única economia continental
O geógrafo Elias Jabbour, também presente no debate, destacou o que considera “o grande fato geoeconômico do presente momento”: a transformação das economias russa e chinesa em uma única economia continental. Jabbour comparou o fenômeno à formação dos Estados Unidos no século XIX, quando o país se tornou uma economia continental banhada por dois oceanos.
“Mais de 3 mil projetos hoje sendo executados simultaneamente ligando os dois países”, afirmou Jabbour sobre a integração sino-russa. O geógrafo explicou que essa união representa um contraponto histórico ao desenvolvimento americano do século XIX, mas agora conectando Rússia e China através de uma vasta rede de investimentos e projetos de infraestrutura.
Segundo Jabbour, essa integração é fundamental para entender a atual conjuntura geopolítica. “O esforço de guerra russa não estaria ocorrendo como está ocorrendo hoje sem que a China entrasse no jogo”, explicou, destacando como a compra de petróleo russo pela China e Índia sustenta a economia russa. Da mesma forma, “não existe Força Armada Chinesa hoje capaz de chegar a um nível superior sem o apoio da Rússia”.
As Novas Rotas da Seda e a importância do Irã
Escobar apresentou um mapa detalhado das Novas Rotas da Seda, explicando como os corredores de conectividade chineses atravessam a Eurásia. O jornalista destacou a importância geográfica do Irã como “encruzilhada da Eurásia inteira” e explicou por que os ataques ao país representam tentativas de quebrar a integração regional.
“O Irã, desde o Império Persa, é a encruzilhada da Eurásia inteira”, disse Escobar, explicando os corredores que conectam São Petersburgo a Mumbai passando pelo território iraniano. Segundo ele, “adivinha o que os americanos querem fazer? Quebrar esse corredor por dentro.”
Jabbour complementou a análise apontando que “60% dos países do mundo hoje são sancionados pelos Estados Unidos”. Para ele, a transformação do dólar em “arma de destruição em massa” representa uma das principais estratégias americanas para manter a hegemonia.
Tiradentes versus Silvério dos Reis
Ambos os analistas concordaram que o Brasil enfrenta um momento decisivo. Jabbour evocou a dicotomia histórica entre “o partido de Tiradentes e o partido de Silvério dos Reis”, colocando a esquerda brasileira no primeiro grupo e os apoiadores de Trump no segundo.
“Quem vota em Bolsonaro, que apoia Trump, nós temos que carimbar na cara deles que eles são contra o Brasil”, afirmou Jabbour. Para ele, as tarifas de Trump oferecem uma oportunidade política para “retomada da centralidade da questão nacional para o debate público brasileiro.”
O debate no Clube de Engenharia demonstrou que o momento atual oferece ao Brasil a oportunidade de redefinir seu papel no cenário internacional e reafirmar sua soberania diante das pressões externas. Como disse Jabbour, chegou o momento de separar “quem é contra e quem é a favor do Brasil”.


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