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Biógrafo de Marighella escreve sobre “Operação Banqueiro”

Ainda não tive tempo de escrever nada sobre a nova bomba da Geração Editorial, o livro que narra as relações entre Daniel Dantas e seus sócios no poder. Não escrevi porque, confesso, ainda não comprei e não li o livro. Fá-lo-ei assim que possível. Enquanto isso, deixo com vocês uma resenha do Mario Magalhaes, competente […]

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Ainda não tive tempo de escrever nada sobre a nova bomba da Geração Editorial, o livro que narra as relações entre Daniel Dantas e seus sócios no poder. Não escrevi porque, confesso, ainda não comprei e não li o livro. Fá-lo-ei assim que possível. Enquanto isso, deixo com vocês uma resenha do Mario Magalhaes, competente biógrafo de Carlos Marighella, que leu o livro e gostou.

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Grande história, grande livro: ‘Operação Banqueiro’ já nasce clássico

Por Mário Magalhães, em seu blog.
Em 21/01/2014 10:01

Se fosse um livro ficcional, ‘Operação Banqueiro’ teria mais chances de oferecer um final menos deprimente. Reportagem lastreada em fatos, portanto peça jornalística, da família editorial da não ficção, a obra do jornalista Rubens Valente apresenta um roteiro tão miserável quanto banal no Brasil: escrutina pecados, falcatruas e crimes pelos quais no fim ninguém paga.

Mas não é qualquer roteiro o do livro recém-lançado pela Geração Editorial. O premiado repórter da “Folha de S. Paulo” produziu uma das mais assombrosas radiografias do amálgama entre interesses privados e públicos na história republicana, ou pouco republicana, do país.

Sem eufemismos: exumou passagens horripilantes sobre como o capital se apropriou de patrimônio dos cidadãos, sobretudo nas grandes privatizações de companhias estatais, na derradeira década do século XX. Foram os negócios que o jornalista Elio Gaspari batizou como “privataria”.

“Operação Banqueiro” se debruça sobre a Operação Satiagraha, que em 2008 levou à prisão, por algumas horas, controladores e executivos do grupo financeiro Opportunity. Entre eles, o banqueiro Daniel Dantas, protagonista do livro. Coadjuvantes de luxo com estatura de co-protagonistas, o delegado Protógenes Queiroz conduziu a investigação policial, e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, mandou soltar o empresário.

Eletrizante como a narrativa da captura dos próceres do Opportunity é a reconstituição da rumorosa privatização do setor de telecomunicações, na qual o banco abocanhou um naco, e da gestação tormentosa da Satiagraha na Polícia Federal.

Mais contundentes ainda são as mensagens eletrônicas, boa parte inédita, trocadas no segundo governo Fernando Henrique Cardoso entre o lobista Roberto Amaral, o então presidente da República e seu candidato à sucessão, José Serra. O lobista tratava FHC por você e, em tom assemelhado ao de chefe para subordinado, enumerava sugestões caras ao Opportunity. Para o ex-ministro da Saúde, digitava palavrões e o desafiava: “Você precisa de mim, e eu não preciso de você”. E se referia a Daniel Dantas como “credor, grande credor”. Alguns missivistas empregavam nomes de guerra nos e-mails, mas deixaram rastros que os identificaram.

De todos os personagens, nenhum se credencia com tanto fascínio para estrelar uma biografia jornalística, ou filme de Francis Ford Coppola, como Roberto Amaral, cujas ações e estilo haviam merecido atenção de “Notícias do Planalto”, livro de Mário Sérgio Conti. Nos tempos de Collor presidente, PC Farias e Orestes Quércia, Amaral perfilava entre os mandachuvas da empreiteira Andrade Gutierrez.

Jornalismo e clareza

Há terrenos em que os jornalistas brasileiros só costumam trafegar munidos de coragem: apuração em campo, expondo-se a retaliação física, sobre quadrilhas do narcotráfico; cobertura independente sobre o Judiciário e magistrados; Daniel Dantas e o seu Opportunity.

A leitura do livro-reportagem de Rubens Valente esclarece o terceiro temor: as intimidações são virulentas, tentando muitas vezes, mais do que contestar informações, desqualificar o informante. Mesmo que o alvo não sejam jornalistas, mas, por exemplo, juízes de direito. Numa mensagem, uma antiga executiva do Opportunity chancela a proposta de _literalmente_ “assassinato de reputação” de certa pessoa.

Mas coragem não basta. Uma das regras aprendidas na primeira infância do repórter ensina ser melhor mostrar sua ignorância ao entrevistado do que ao editor. Mais apropriado seria, nessa lição elementar, mudar “editor” para “internauta – leitor – espectador – ouvinte”, o cidadão e consumidor a quem a informação se destina.

Trocando em miúdos, quem não compreende o assunto fracassa ao tentar explicá-lo. Dominar o objeto do interesse jornalístico é imprescindível. Ocorre que também não é suficiente. Nem todos os que entendem de privatizações, Opportunity e Daniel Dantas, quando dispostos a contar o que sabem, logram ser claros.

Este é outro imenso mérito de “Operação Banqueiro”: a clareza para autopsiar esquemas bilionários e promíscuos entre Estado, empresas privadas e governantes que servem mais a elas do que à cidadania. Para quem se habituou a penar para decifrar reportagens e análises ilegíveis como hieroglifos, o novo livro é redentor.

O autor contornou três armadilhas: ignorou a controvérsia ideológica sobre privatizações, evitando que o relato substantivo sobre negociatas viesse a ser contaminado por adjetivos oriundos de idiossincrasias políticas; aferrou-se à sobriedade, elegendo fatos, e não a opinião, como matéria-prima essencial; e driblou fuxicos e fontes não nomeadas _no fundamental, exumou os processos judiciais e inquéritos policiais, no Brasil e no exterior, relativos a Daniel Dantas, seus aliados e oponentes.

Rubens Valente colecionou 62 mil arquivos digitais, sem permitir que a apuração monumental, de mais de quatro anos, resultasse em maçaroca enfadonha para o leitor. Pelo contrário, em muitas sequências a narrativa é típica de thriller literário, à espera de ser adaptado às telas de cinema e televisão.

Outra virtude é a síntese apurada, que ecoa um mestre nessa técnica, o historiador Jacob Gorender. De tão criterioso, o repórter reiteradamente corrige, favorecendo ou não Daniel Dantas, transcrições de grampos feitas pelas autoridades. Cético e perfeccionista, não se fia no que os policiais escrevem: ouve e transcreve por conta própria.

Lições e impressões

Ao contrário do que é comum considerar, os conflitos de Daniel Dantas com sócios (italianos, norte-americanos e brasileiros, os fundos de pensão) não principiaram no governo Lula, em 2003, mas vieram de antes, como recapitula “Operação Banqueiro”.

A queda do delegado Paulo Lacerda, detestado pelo Opportunity, do comando da Agência Brasileira de Inteligência, decorreu da denúncia de que Gilmar Mendes teria sido grampeado ilegalmente. Todas as provas até hoje colhidas, inclusive por inimigos viscerais de Lacerda e Protógenes Queiroz, derrubam a suspeita de espionagem alardeada com histeria pelos meios de comunicação.

O jornalismo tem sido instrumentalizado nas coberturas sobre o Opportunity, especialmente a favor, como ilustra o obsceno episódio da demissão de Paulo Lacerda. Sem o concurso da imprensa, possivelmente o bem-sucedido golpe contra o diretor da Abin não teria vingado.

O livro não afirma, mas permite supor que, se prosperasse a suspeita, que se mostraria infundada, de que o presidente Lula mantinha uma conta bancária clandestina em paraíso fiscal, poderia ter avançado um movimento para afastá-lo da Presidência, por impeachment. Rubens Valente esmiúça os vínculos do Opportunity com a plantação contra Lula.

Gordos negócios de Daniel Dantas tiveram a bênção ou o patrocínio de Fernando Henrique Cardoso, seus corifeus da equipe econômica e cabeças do PSDB. Mas figuras de vulto do PT, quando no governo, pelejaram estoicamente para socorrer o banqueiro acuado, evidenciam interceptações de comunicação autorizadas pela Justiça. Talvez seja esse o motivo do silêncio ensurdecedor sobre o novo livro, seja nas brigadas tucanas, seja nas petistas.

O juiz Fausto De Sanctis passou de julgador a acusado por ter decidido pela segunda prisão de Daniel Dantas, depois da ordem para libertá-lo emitida por Gilmar Mendes. Muito li na imprensa que não teria havido “fato novo”, condição legal para encarcerar novamente o beneficiário de habeas corpus do Supremo. Aprendi que houve não um, mas três: o depoimento de uma testemunha-chave, a apreensão de documento bombástico na residência do banqueiro e, principalmente, noutro apartamento, de uma dinheirama que se destinava, de acordo com conversas gravadas, a corromper delegados da Satiagraha.

O pedido de prisão da repórter Andréa Michael, então na “Folha de S. Paulo”, assinado por Protógenes Queiroz às vésperas das prisões na Satiagraha, já soava abusivo e delirante anos atrás. De Sanctis não o acolheu, rejeitando a suspeita de que ela conspirasse em prol do Opportunity. O livro comprova, com gravações eloquentes, que a jornalista trabalhava em reportagem (sobre a operação em curso) que contrariava Daniel Dantas _e também a PF. Profissional digna e competente, Michael não atuou a favor de interesse x ou y, mas do jornalismo. Rubens Valente lhe faz justiça, com informações, e não pitacos, assim como aponta com nome, sobrenome e fatos alguns jornalistas camaradas do banqueiro.

O messianismo e a egotrip marcantes em Protógenes Queiroz foram decisivos para que eu jamais simpatizasse com ele. Pior, rebaixa-o sua constrangedora bajulação de cartolas da estirpe de João Havelange e Ricardo Teixeira. No balanço sincero da história, contudo, o que define o hoje deputado federal é o espírito público de líder da Operação Satiagraha e a decência de recusar o dinheiro da corrupção e batalhar pela prisão de corruptores. O livro assinala erros e tropeços de Protógenes, numerosos. Porém, no capítulo histórico da Satiagraha, concluo, ele não equivale ao vilão demonizado pelo noticiário. O Brasil não perdeu por ter tido um delegado como Protógenes Queiroz; perde por não existirem mais Protógenes e outros policiais como ele.

Não é novidade, mas o livro enfatiza, com um sem-número de fatos comprováveis, que a disputa privada pelo domínio do Estado não se restringe ao Executivo, mas atinge o conjunto dos poderes. São assustadoras as manifestações _grampeadas na forma da lei_ de advogados especulando e se jactando sobre influência e possibilidades de sucesso no Judiciário. “Operação Banqueiro” expõe relações e conexões inacessíveis à esmagadora maioria dos brasileiros.

A equilibrada reportagem de Rubens Valente fornece pistas de que Daniel Dantas tem razão quando se queixa de ser um Judas no qual alguns críticos depositam responsabilidades quase exclusivas por certos males. O jogo do capitalismo não é para amadores. O Opportunity _ou executivos associados ao grupo_ contratou a agência internacional de espionagem Kroll para xeretar vidas alheias. Mas sua concorrente Telecom Italia contra-atacou na mesma moeda, embarcando agentes privados estrangeiros para bisbilhotar ilegalmente no Brasil. Um dos momentos mais curiosos do livro conta como hackers italianos invadiram o sistema eletrônico de um hotel em Copacabana, o Sofitel, no qual se hospedaram, com o exitoso propósito de vigiar um chefão da Kroll londrina, aqui a serviço da Brasil Telecom, então controlada por Daniel Dantas. Vale ou não um filme?

Daniel Dantas pode não ser ou não ter sido o “dono do Brasil”, como o tratou em conversa com outrem seu parceiro Naji Nahas, famigerado “investidor”. Mas é notável que, depois de toda a brigalhada com sócios e governo, tenha saído do setor das teles, passando adiante a Brasil Telecom, em pleno governo dos seus ditos inimigos petistas, com uma bolada, talvez bilionária. No final, ou ao menos por enquanto, o banqueiro triunfou.

Anatomia do poder

O magnífico livro de Rubens Valente é econômico sobre a vida do superempresário longe dos negócios e da política. Valem por pilhas de volumes sobre (i)mobilidade social as informações sobre a família do banqueiro baiano, descendente do Barão de Jeremoabo, célebre senhor de engenho que nutria ódio por Antônio Conselheiro, o guia de Canudos. O Dantas do século XIX virou personagem de Vargas Llosa em “A Guerra do Fim do Mundo”. O Dantas do século XXI é protagonista de “Operação Banqueiro”.

Mas o autor é reticente sobre o cotidiano particular de Daniel Dantas. Aborda assuntos sobre os quais não restam dúvidas _e não restam, mesmo_ de que configuram tema de relevância pública, o que legitima sua publicação, nos moldes tradicionalmente adotados por veículos jornalísticos nas nações democráticas. Todas as informações do livro guardam interesse público, pois têm consequências para a vida dos cidadãos.

Mesmo assim, “Operação Banqueiro” afetou minha percepção sobre seu personagem principal. Antes, eu imaginava que o economista Daniel Dantas não aproveitasse a vida _nem em restaurantes costuma ser visto aqui no Rio. Agora, os sinais indicam que, para ele, a vida é quase somente acumular dinheiro, acordar todas as manhãs à procura de novos conflitos, para de noite descansar à espera de mais um dia de contendas. O prazer estaria no ringue, e não no que os sucessos sobre o ringue proporcionam. Ou seja, Dantas aproveita, sim, a vida, considerando o que a vida lhe parece significar.

Embora Daniel Dantas seja um protagonista hipnotizante, o livro vai muito além da sua figura. Consagra-se como um fabuloso painel sobre a anatomia do poder, escancarando como o Estado, em vez de servir à coletividade, privilegia poucos. Uma aula de história do Brasil. Na minha modesta biblioteca, fará companhia a “Os Donos do Poder”, obra imortal do jurista Raymundo Faoro publicada no século XX. “Operação Banqueiro”, trabalho brilhante e hercúleo, já nasce como livro clássico. Clássico e, pena, deprimente.

Transparência: tive a honra de trabalhar por muitos anos com Rubens Valente na “Folha de S. Paulo”. Considero-o um amigo e ficarei feliz se o sentimento for recíproco. Outros amigos já publicaram livros, sobre os quais não escrevi uma sílaba. Isto é, o teor deste post se deve aos méritos do trabalho, e não à amizade com o autor. Não li sequer uma palavra antes do lançamento. Tive acesso a “Operação Banqueiro” na sexta-feira, comprando um exemplar na livraria do terminal 2 do Galeão.

IlustraçãoOperaçãoBanqueiroLivro

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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