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André Vargas, jatinhos e um punhado de mentiras

Não ponho a mão no fogo por André Vargas. Andar de carona no jatinho de Alberto Yousseff, depois de tudo que esse doleiro já fez, me parece o fim da picada.

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Não ponho a mão no fogo por André Vargas. Andar de carona no jatinho de Alberto Yousseff, depois de tudo que esse doleiro já fez, me parece o fim da picada. Só explicável pelo notório provincianismo do deputado; e isso para ser generoso.

As gravações da PF, vazadas este final de semana para a Veja,  com diálogos suspeitos entre ele e o doleiro, falando em “independência financeira”, merecem ser investigadas a fundo, embora o Ministério da Saúde já tenha esclarecido que nenhum pagamento chegou a ser realizado para a empresa para a qual Yousseff praticava lobby, e que o contrato seria cancelado.

Esses diálogos não podem ser vazados seletivamente para a mídia. A PF tinha que ser republicana e, assim que houvesse um vazamento, disponibilizasse a íntegra do áudio na internet, sobretudo quando os investigados são figuras públicas. Aliás, o certo é que, concluídas as investigações, todo o material fosse disponibilizado na internet, para que a sociedade pudesse ajudar a polícia a esclarecer o caso.

Também não defendo Vargas politicamente, porque sempre o achei um desastre, representante de um PT esvaziado de bons quadros intelectuais.

Lembro-me até hoje que tomei um susto quando descobri que ele era secretário nacional de comunicação do PT. Eu o tinha na conta de um político extremamente mau educado, de linguagem sempre deselegante. Um Joaquim Barbosa com estrelinha no peito.

Recentemente ele ganhou certa notoriedade quando ergueu o punho esquerdo fechado, ao lado de Joaquim Barbosa. Jogada de puro oportunismo, porque Vargas jamais participou ou contribuiu para as críticas que fazíamos à Ação Penal 470. Jamais subiu a tribuna para denunciar as barbaridades antidemocráticas ditas pelos ministros do Supremo. Jamais usou o nobre espaço que o povo lhe deu, no Congresso, para mostrar ao país os documentos que provam as mentiras da mídia e do STF no caso do mensalão. Não queremos os deputados erguendo os braços para protestar contra JB, e sim articulando o seu impeachment, ou ao menos fazendo críticas verbais consistentes ao presidente do STF.

Vamos ver se agora, que se tornou alvo de uma dessas apavorantes campanhas coletivas da mídia para destruir uma reputação, ele mostra alguma dignidade e, além de explicar porque andou no jatinho de um doleiro, encontra em si mesmo um pouco de coragem para mostrar as entranhas podres da nossa imprensa corporativa.

O problema da mídia é que ela não se contenta em acompanhar o andamento das investigações oficiais sobre uma pessoa. Quando o investigado é um desafeto, a mídia se investe do papel de “Juiz Dredd”, aquele personagem de ficção que é policial, juiz e executor da pena.

Essa matéria do Globo é exemplar do jornalismo do nosso tempo:

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Tem que ter muito sangue frio para analisar a mídia, porque suas astúcias contaminam facilmente as melhores inteligências.

O título é ótimo, embora sem criatividade. “Patrimônio de Vargas cresce 50 vezes em 10 anos”. Se lermos a matéria com espírito desarmado, porém, o que só é possível para especialistas altamente treinados, veremos que ela não prova absolutamente nada contra o deputado.

Em 2000, André Vargas era um petista duro que tinha um monza 93 e devia R$ 1.275,87 a um banco.

Em 2014, ele é um parlamentar eleito sucessivamente desde 2002. O patrimônio aumentado em 50 vezes se explica porque ele há 12 anos ganha salário de deputado federal, que é próximo de 30 mil reais, além de décimo terceiro e décimo quarto.

E o que tem Vargas hoje: quatro imóveis e três carros. Um dos carros é uma caminhonete usada que comprou entre 2002 e 2006, descrita como uma das “pickups de luxo” na matéria. Patrimônio total: R$ 572.050,54. Que evolução espetacular, após 12 anos como deputado, o patrimônio de Vargas dá para comprar uma quitinete em Copacabana.

Se comparassem meu patrimônio de 12 anos atrás, quando eu vivia de aluguel num muquifo qualquer da Lapa, com o de hoje, que sou proprietário de um Clio preto 2001 e um quarto e sala também na Lapa, o Globo poderia dar uma manchete ainda mais bombástica: patrimônio de blogueiro aumenta dois mil vezes em apenas 12 anos!

Voltando ao caso Vargas, ele me inspirou um profundo insight sociológico: os petistas voam em jatinhos emprestados. Os tucanos são os donos dos jatinhos.

Os petistas ocupam às vezes a direção de algumas estatais. Os tucanos comandam as empresas que ganham milhões fornecendo serviços e equipamentos para as estatais. Diante dessa disparidade, o fato do PT ser o partido hegemônico no Congresso e ocupar a Presidência é uma espécie de anomalia só explicável pela democracia. Os tucanos têm dinheiro, mídia e apoio dos EUA. Mas quem tem mais votos é o PT.

*

Peço licença aos leitores para rebater uma baixaria de Reinaldo Azevedo, publicada há dois dias, que só li hoje:

No PT, Vargas é grande. Já foi o poderoso secretário de Comunicação do partido, uma espécie de maestro dos blogs sujos, a rede financiada por dinheiro público para difamar as oposições, setores do Judiciário e a imprensa independente. Vargas foi um dos articuladores da queda de Helena Chagas da Secretaria de Comunicação Social. Motivo: ela não era tão generosa — não no nível desejado ao menos — com a turma do subjornalismo do nariz marrom. Ela tinha a ambição de operar com um mínimo de critérios técnicos. É demais pra eles.

Em apenas um parágrafo, Azevedo conseguiu produzir trezentos e cinquenta mentiras. Listo algumas:

1) “Poderoso secretário de comunicação”? Reinaldo finge ignorar que, na hierarquia dos partidos brasileiros, as secretarias de comunicação não valem quase nada. São um titulozinho nobiliárquico desimportante. O que é uma infelicidade e revela a burrice dos partidos. Deveria ser o núcleo central de qualquer partido, porque é a partir da comunicação que a legenda irá fazer o debate político e ideológico com a população.

2) Vargas nunca foi nenhum “maestro dos blogs sujos”. Até porque não existe nenhum “maestro” da blogosfera, composta por pessoas de inúmeras tendências ideológicas e partidárias. Reinaldo fala qualquer coisa.

3) Blogs sujos não são “rede financiada com dinheiro público para difamar as oposições, setores do Judiciário e a imprensa independente”. Blogs sujos são uma rede que faz um contraponto à grande mídia. Demonstrando seu amor pela liberdade e pela democracia, Reinaldo não suporta que haja quem critique a mídi e as oposições. “Setores do judiciário” não podem ser criticados? O Judiciário é uma instância acima da crítica? Agora fazer jornalismo de opinião é criticar o PT e ponto final?

4) Dinheiro público quem amealhou foi nossa grande mídia. Décadas e décadas amealhando dinheiro público, do governo federal, estados, municípios, estatais, legislativo, judiciário, ministério público. Apoiou a ditadura para ganhar dinheiro, e ganhou. Se a blogosfera um dia começar a ganhar algum dinheiro público, o que será difícil a depender do PT, que prefere dar dinheiro para Veja e Globo, serão necessários uns dez mil anos para receber um valor parecido ao que a grande mídia recebeu do Estado desde 1964.

5) “Imprensa independente”… Sim, tão independente que suas matérias são escritas independentemente de fatos verídicos, como revela o próprio texto de Reinaldo. O conceito é ridículo. Desde Cidadão Kane, de Orson Welles, que o mundo conhece bem a falácia da “independência” da mídia, que na verdade acaba se tornando uma espécie de tirania das informações.

A única independência confiável na mídia é a pluralidade, o que é exatamente o que não existe no país. Jornais, tvs, revistas falam exatamente a mesma coisa, tem exatamente o mesmo discurso. Os blogs fazem um contraponto e a única coisa que recebem em troca é a indiferença do governo e o escárnio agressivo da grande mídia, além da perseguição judicial covarde de Ali Kamel.

6) Vargas não foi articulador da queda de Helena Chagas. Reinaldo não sabe nada do governo. Chagas estava enfraquecida há tempos. A gota d’água foi a lambança em Portugal. Imaginar que Vargas teria qualquer influência sobre a decisão da presidente de mudar um ministro é ofender a inteligência de seus leitores.

7) “Subjornalismo marrom”? Ué, se os blogs são o “subjornalismo marrom”, então a grande imprensa seria o jornalismo marrom principal?

8) É incrível a campanha que a grande mídia vem fazendo contra os blogs. Eles, os barões, são espertos. Tem pavor que o governo tenha a coragem de negar-lhes o seio farto e promova uma distribuição mais democrática dos recursos federais, sobretudo no setor do jornalismo de opinião, onde Globo, Folha, Estadão e Abril detêm um monopólio total. Então fazem uma pressão violentíssima sobre a Secom e o governo federal.

9) De qualquer forma, é uma honra para a blogosfera que a grande mídia cite os “blogs sujos” com cada vez mais frequência. Isso me lembra uma frase de Ghandi que já andei citando aqui no blog:

“Primeiro eles te ignoram, depois caçoam de ti, depois tentam te sabotar. E então você ganha”.

Há pouco tempos, a mídia jamais se dignaria a nos citar. Até hoje o fazem de má vontade. Quando a Folha noticiou o caso da sonegação da Globo, com atraso de mais de uma semana, ele informou que o furo viera de “um blog”. Imagine se eu falasse o seguinte: que o furo do Watergate fora dado por “um jornal”?

Depois eles passaram a caçoar da gente. Lembro que os trolls atacavam a área de comentários do blog para dizer que o espaço estava às moscas.

Agora eles estão na fase da sabotagem. Por isso a insistência na acusação, falsa, de que os blogs sujos recebem verba pública. Tudo isso é pressão para que o governo não mude nada, apenas continue dando dinheiro para os Marinho, que hoje são a família mais rica do país, com fortuna de quase R$ 60 bilhões, segundo a Forbes; e, jamais, jamais! ouse ajudar os blogs políticos que fazem o contraponto à mídia.

O que lhes aterroriza é que, se os blogs fazem tanto estrago sem nenhum recurso, sem apoio de parte alguma, imagine quando tiverem?

Quanto ao jatinho do doleiro, a mídia deveria sempre lembrar, quando tocasse no assunto, que o seu Catão dos motéis, o seu paladino da ética e do contrabando de vibradores, Álvaro Dias, também voou no jatinho do doleiro Alberto Yousseff, e em condições muito mais suspeitas.

Mídia partidária

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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