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Eduardo Costa Pinto: Bolsonaro, Lava Jato e os quartéis (um estudo de guerra híbrida)

“O povo começou a se libertar do socialismo”: Bolsonaro falou para os Quartéis Por Eduardo Costa Pinto (1), na Academia.Edu No discurso de posse no parlatório, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o “[…] povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Muitos analistas argumentaram […]

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“O povo começou a se libertar do socialismo”: Bolsonaro falou para os Quartéis

Por Eduardo Costa Pinto (1), na Academia.Edu

No discurso de posse no parlatório, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o “[…] povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Muitos analistas argumentaram que essa afirmativa seria uma retórica ainda presa à campanha eleitoral ou que seria uma estratégia de cortina de fumaça para tirar o foco das questões centrais.

Pretende-se argumentar aqui que essas duas interpretações são limitadas e que essa frase representa a síntese estratégica do governo Jair Bolsonaro, sobretudo de dois importantes centros de poder do atual governo: o núcleo familiar (Jair Bolsonaro e seus filhos) que indicaram diretamente os Ministros da Educação (Ricardo Vélez Rodríguez) e das Relações Exteriores (Ernesto Araújo); e o núcleo militar que possui hoje mais ministro do que no primeiro governo do regime militar (governo Castelo Branco entre 1964 e 19672).3

Mas como assim libertar o Brasil do socialismo? De onde o presidente Jair Bolsonaro retirou esse argumento? Como se dá a articulação entre os núcleos familiar do Bolsonaro e dos militares? Essas questões somente conseguem ser respondidas de forma articulada quando identificamos a origem das principais ideias (diagnósticos e estratégias) desses dois núcleos de poder do atual governo.

Diante disso, este texto tem como objetivos (i) apresentar a visão do Bolsonaro (e seu clã) e, sobretudo, do núcleo militar de seu governo a respeito do que eles entendem por socialismo (“marxismo cultural” e “politicamente correto”); e (ii) identificar as origens dessa interpretação que se vincula as ideias desenvolvidas pelos neoconservadores americanos da década de 1980 (os paleoconsertives hoje mais conhecidos como alt-right) em sua vertente paranoica do “marxismo cultural” e do “politicamente correto”.

No caso do núcleo familiar (o clã Bolsonaro), o principal guru é o polemista e filosofo de direita Olavo de Carvalho – que indicou os nomes dos ministros da Educação e das Relações Exteriores. No núcleo militar do governo, também é possível identificar mensagens (entrevistas, artigos em jornal da grande mídia, artigos em revistas do Exército, mensagens no twitter de oficiais, etc.), tanto dos oficiais da reserva como do Comandante das Forças Armadas, muito identificadas com os argumentos e ideias apresentadas pelo Gal. Sérgio Augusto de Avellar Coutinho em seus livros (dentre eles a Revolução Gramscista no Ocidente, publicado em 2002, e Cadernos da Liberdade publicado em 20034 e reeditado pela Biblioteca do Exército em 2010). Arisco a dizer que as ideias do Gal. Coutinho viraram doutrinas nas Forças, pois muitas delas (como veremos) tem sido repetidas por muitos oficiais.

Tanto Olavo de Carvalho como o Gal. Coutinho têm como fonte de suas ideias o pensamento neoconservador norte-americano dos anos 1980 e 1990, mais especificamente o ramo denominado paleoconsertives5, que tem sua raiz na “velha direita” (coletivismo de direita) americana da década de 1920 e 1930 (conservadorismo e oposição ao New Deal) que tinha como tripé: pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto governança/comunitarismo) , anticomunismo e valores tradicionais (civilização ocidental e judaico-cristã)6.

Esse novo conservadorismo recauchutado americano (denominado atualmente de alt-rigth) que ressurgiu na década de 1980 – se expandiu nos anos 1990 e 2000 e ganhou expressão com o governo Trump – está assentado no tripé da “velha direita” com particularidades, tal como: ênfase ainda maior na “guerra cultural”, pois a cultura e a moralidade americana estariam sendo destruídas pelo relativismo, pelo politicamente correto7, pelo multiculturalismo e até pelo “marxismo cultural” que supostamente seria o instrumento utilizado pelos ativistas de esquerdistas (acadêmicos, militantes, jornalistas, et.) para destruir os valores americanos – uma teoria conspiratória que beira a paranoia.

Dentre os principais ideólogos dessa direita radical conspiratória, destacam-se Pat Buchanan, Samuel Francis, Paul Gottfried, Gerald Atkinson, Paul Weyrich, William Lind, etc. Para esses autores e ativistas neoconservadores, os estudiosos que trilharam pelo campo cultural (desde Gramsci e Luckas, na década de 1930; passando pela “Escola de Frankfurt”, nas décadas de 1950 e 1960; até o ativismo do movimento contemporâneos identitários pós-moderno – racial, feminista, LGBT, imigrantes, ambientalistas, etc. – nas Universidade e nos meios de comunicação) não teriam objetivos honrosos de compreender dinâmica cultural do capitalismo, mas sim esses pensadores e ativistas de esquerda teriam como objetivo (uma agenda política oculta) “destruir as tradições e valores ocidentais”. Nesse sentido, para esses ideólogos neoconservadores o “politicamente correto” seria o “marxismo cultural”, uma estratégia dos marxistas (em sua luta revolucionária) que teriam migrado da dimensão econômica para a cultural8.

O que surpreende e que esses autores da extrema direita (da conspiração do “marxismo cultural”) estão desenvolvendo os seus argumentos na década de 1990, logo após a queda do muro de Berlim e do fim da União Soviética, e que consideram que os movimento ativistas identitários pós-modernos seriam muito mais próximos do marxismo do que dos movimento libertários (com forte vinculações com liberais e neoliberais). Isso é no mínimo um erro metodológico.

Cabe destacar ainda que um desses ideólogos, William Lind, também foi um pensador militar que estudou a evolução da guerra, sendo o primeiro (junto com outros co-autores militares9) a cunhar, em 1989, o termo de guerra de 4º geração (que depois será denominada de guerra híbrida) que deveria ter como objetivo obter vantagens com as mudanças políticas, sociais, econômica e tecnológica em virtude do aumento da complexidade com adversários não estatais (terroristas, grupos revolucionários, etc.). Não por acaso William Lind afirmou que um dos principais perigos para os Estados Unidos no âmbito da guerra de 4ª geração é a ideologia do multiculturalismo10.

A doutrina do núcleo militar do governo Bolsonaro: neoconservadorismo americano e atualização da “teoria da guerra revolucionária”

As ideias do Gal. Sérgio Augusto de Avellar Coutinho desenvolvidas em seus livros têm sido repetidas de forma sistemáticas por oficiais da reversa e pelo Comandante das Forças Armadas (Gal. Villas Boas) nos últimos anos. Nas Forças quando uma ideia passa a ser repetidas por muitos oficiais, dada sua estrutura hierárquica, ele provavelmente decorreu de uma doutrina, ensinada nos bancos de formação (AMAM, ESG, ECEME, etc.). Vejamos as ideias do Gal. Coutinho e como elas formas influenciadas pela ideologia da extrema direita (conspiratória) norte-americana e pela “teoria da guerra revolucionária”; bem como essas ideias tem sido dita por oficiais do alto escalão das Forças.

Os livros do Gal. Coutinho (Revolução Gramscista no Ocidente e, sobretudo, da Cadernos da Liberdade) discutem, sobretudo, o recrudescimento da ameaça socialista no Brasil, com a chegada ao poder dos sociais democratas fabianos – que seria um dos movimentos adjacente ao Movimento Comunista Internacional (MCI) e que esses agrupamentos convergiria para o socialismo mundial11 – com o governo FHC em 1994.

Essa ameaça teria ganhado ainda mais impulso com o governo Lula do Partido dos Trabalhadores que particionou ativamente do Foro de São Paulo, do Fórum Social mundial e apoio ao MST, pois todas essas instituições seriam alinhadas com os revolucionários marxistas e anarquistas do MCI.

Para o Gal. Coutinho, esses dois governos (FHC e Lula)12, articulados aos seus

intelectuais orgânicos, estariam promovendo uma reforma intelectual e moral, pela via do “politicamente correto”, com o objetivo de ganhar a luta hegemônica no âmbito da sociedade para construir um senso comum modificado que geraria uma homogeneização da sociedade civil, permitindo a “transição para o socialismo”. Nas palavras do Gal. Coutinho (2003, p. 13-16):

“[…] a reforma intelectual e moral que Gramsci recomenda como instrumento da luta pela hegemonia no seio da sociedade civil já produziu efeitos muito mais profundos e danosos no Brasil do que se poderia imaginar. Em trinta anos de atuação, os intelectuais orgânicos, os neomarxistas de linha gramscista, conseguiram obter uma conformação, involuntária e despercebida, do senso comum dos integrantes da sociedade nacional às ideologias intermediárias e às palavras-de-ordem das esquerdas. Aceitação passiva do que se estabeleceu ser ‘politicamente correto’. […] O objetivo intencional desta penetração cultural é a mudança do senso comum burguês ligado às tradições históricas, morais e culturais da sociedade nacional”.

Em outras palavras, para o Gal. Coutinho (2003, p. 126), assim como para a extrema direita americana, o comunismo não teria acabado com o fim da União Soviética, mas assumido uma nova forma de luta, uma vez que o Movimento Comunista Internacional/MCI teria retomado o seu protagonismo ao incorporar a visão revolucionária de Antônio Gramsci, configurando uma nova forma de Guerra Fria em que o antagonismo entre “capitalismo vs. socialismo marxista” só que agora com “uma aparência menos nítida: de um lado, a potência hegemônica evidente, de outro, um conjunto difuso de organizações e entidades pouco visíveis”. Uma espécie de guerra de 4ª Geração, nos termos de William Lind, ou hibrida (nos termos atuais) onde o antagonismo se dá por meio do “[…] confronto político-ideológico e militar que se estabeleceu entre os Estados Unidos da América (e de Israel) de um lado e o MCI (e os países islâmicos) de outro”.

Mas quem seriam os intelectuais orgânicos que estariam sustentando uma reforma cultural e moral em prol da revolução socialista no Brasil? Para o Gal. Coutinho seriam os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) infiltrados: 1) nos partidos como FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros, David Rockefeller, Bill Clinton, entre outros) e como o Lula (articulado com Fidel Castro organizados do Foro de São Paulo); 2) nas ONG´s; 3) nas escolas e Universidades; 4) nos meio de comunicação; 5) nas manifestações artísticas; 6) nos movimentos sociais (ambientalistas, movimento negro, LGBT, MST, etc..). Todos eles estariam criando o senso comum modificado para realizar a revolução gramscista socialista pela via pacífica. Nas palavras de Coutinho (2003, p. 64), “os movimentos alternativos e de minorias são estimulados ou mesmo criados pelas organizações de esquerda revolucionária como componente auxiliar da luta de classes (aprofundamento das contradições internas) e como elemento ativo da ‘desconstrução’ da família tradicional e dos valores da civilização ocidental cristã”.

Esse é o sentido de libertação do socialismo que o presidente Jair Bolsonaro utilizou em seu discurso que está articulado com a ideia de inversão de valores e com o “politicamente correto”. No que diz respeito ao gigantismo estatal também há uma ligação com a ideia de socialismo conforme apresentado nos escritos do Gal. Coutinho (a mesma utilizada pelo presidente eleito), pois para este o Walfare State, implementado pela socialdemocracia, seria uma forma de sociedade socialista. Aqui também é possível identificar (na relação entre Estado e mercado) uma associação com a visão da extrema direita americana.

Cabe aqui ressaltar uma diferença entre a visão do Gal. Coutinho e da extrema direita americana, o primeiro destaca de forma positiva, no campo econômico, o processo de globalização e de abertura comercial (políticas neoliberais), ao passo que na visão da alt-right americana é marcante o antiglobalismo, a despeito de advogar por governo pequeno. Visão esta que é seguida pelo novo Chanceler Ernesto Araújo, que realiza expressivas críticas ao globalismo.

A disseminação das ideias do Gal. Coutinho fica evidente em diversas falas dos oficiais da reserva e da ativa, inclusive do Comandante das Forças Armadas, o Gal. Villas

Boas que afirmou, em entrevistas a Roberto D’Avila (março de 2018)13, que: “Nós vivemos um fenômeno no Brasil e também no mundo que é o advento do pensamento do politicamente correto […] O que está acontecendo é que ele [o politicamente correto] está tão impregnado na nossa sociedade ele está fazendo com que todos pensem da mesma maneira. […]. O pensamento politicamente correto se ideologiza e quando as questões são ideologizadas elas perdem a visão de resultado […]. Então quando mais temos de ambientalismo mais dano ambiental; [… quanto mais essa preocupação racial mais preconceito temos[…]. Quanto mais essa questão de gênero mais preconceito homofóbico vivemos […] E mais essa quase ditadura do relativismo que nós estamos experimentando faz com se flexibilize todos os limites”.

Em entrevista para Marco Villa (agosto de 2018)14, Gal. Villas Boas disse: “Uma das funções da Defesa e das instituições que compõem a Defesa é a de serem guardiões de certa forma da identidade nacional de preservação dos valores essenciais à a nacionalidade brasileira […]. No Brasil […] na década de 1960 e 1970 nós cometemos o erro de permitir que a linha de fratura da guerra fria dividisse a nossa sociedade e como consequência perdemos a coesão e estamos até hoje num país à deriva e não conseguimos estabelecer que papel o nosso país deve cumprir no mundo e perdemos a ideologia de desenvolvimento da coesão e do sentido de projeto que é essencial […]”

O Gal. da reserva Luiz Eduardo Paiva, no programa Globo News painel sobre a Democracia no Brasil que foi ao ar no dia 15/09/201815, foi ainda mais explícito em sua aderência com as ideias do Gal. Coutinho ao afirmar que haveria no Brasil uma revolução gramscista silenciosa em curso implementada pelo PT. Em suas palavras: “Uma coisa é o Haddad aqui em cima ou o Lula aqui em cima, mas quem dá a linha ideológica perigosíssima do PT está aqui em baixo. É o Zé Dirceu, era o Marco Aurélio Garcia, é o Pomar. Porque eles estão implementando no país uma revolução silenciosa que é a revolução Gramscista, ocupando espaço, mobiliando todo o estado[…]”.

O general da reserva Augusto Heleno, atual Ministro do GSI – ao responder uma pergunta na Globo News (02/01/2019)16 a respeito do que disse o presidente Bolsonaro sobre o socialismo no Brasil – afirmou: “[…] nós beiramos [o socialismo], até tentamos com o Foro de São Paulo, alguns partidos que defendiam as teses socialistas […] Nós estivemos bem próximo disso acontecer, só que faziam uma máscara para fingir que não era, mas o caminho procurado era esse. Tanto é assim que as novas referências durante algum tempo foram Cuba e foram a própria Venezuela […]”.

As palavras do Comandante das Forças Armadas, único militar na ativa com legitimidade para falar pelas Forças, do Gal. Paiva e do Gal. Heleno não deixam dúvidas a respeito da forte vinculação de suas ideias com as do do Gal. Coutinho, inclusive com o mesmo diagnóstico: o problema do Brasil atual teria sido fruto da ideologização da guerra fria, que permaneceria até hoje e teria dividido a nação; o comunismo teria avançado muito no Brasil; e estaria em curso uma revolução gramscista silenciosa.

O outro eixo da doutrina apresentada pelo Gal. Coutinho foi a atualização da “teoria da guerra revolucionária” – importada dos franceses e que foi a base ideológica dos regimes militares latino-americanos entre 1960 e 1980 – com elementos da guerra de 4ª Geração (ou guerra híbrida). Naquela teoria, a guerra ganha contornos “quase exclusivos da luta contra o agente comunista infiltrado, veneno ideológico, agitador social e político, artífice da dissolução da unidade nacional, antes de se metamorfosear, armas em punho, em guerrilheiros em busca da conquista do poder” (CHIRO, 2012, p. 20)17.

Cabe observar que o anticomunismo nas Forças Armadas brasileiras tem como importante referência a memória negativa da Intentona de 1935 – que teria sido o primeiro movimento do MCI em território brasileiro – e sua possível reedição na década de 1960. Em outras palavras, para os militares brasileiros o movimento comunista seria “imutável em seus objetivos, mas de aparências e métodos sempre em transformação” (CHIRO, 2012, p. 35). Isso vale também para a ideia desenvolvida pelo Gal. Avelar Coutinho, pois os comunistas (MCI) e seus movimentos adjacentes continuariam existindo, mesmo depois do fim da União Soviética, e teriam como objetivo realizar a revolução socialista só que agora pela via da “revolução cultural”. Da Intentona de 1935, passando pela luta armada de 1960, até os governos de FHC e do PT, os comunistas e socialistas continuam como o mesmo objetivo: “realizar a revolução socialista”.

Assim como a “teoria da guerra revolucionária” na década de 1960 uniu, segundo Chirio (2012), as várias linhas das forças armadas (mais nacionalistas vinculadas ao campo getulista e mais liberal de direita anticomunista) em prol do golpe militar de 1964; a doutrina apresentada pelo Gal. Coutinho – que incorporou a ideologia da extrema direita americana e reatualizou da guerra revolucionária, por meio da incorporação da Guerra de 4ª Geração do veneno ideológico gramscista – unificou as Forças Armadas contra o perigo comunista em curso (ativismo, marxismo cultural, politicamente correto, etc.). Esses seriam os inimigos da nação, os que estariam impedindo a coesão e a construção do projeto de país.

Nesse sentido, as Forças Armadas, no plano ideológico, se unificaram por meio da crítica do politicamente correto (“marxismo cultural”) e da identificação do inimigo comunista interno. No plano econômico, apenas a ideia de “pequeno governo” (dos neoconservadores americanos tem sido destacada em falas de oficiais, uma vez que há uma penetração das ideias liberalizantes (a favor da globalização – como destacado pelo Gal. Coutinho –, da abertura comercial, redução do papel do Estado). Ou seja, para boa parte das Forças, o mercado (sem ideologias) seria a instituição mais eficiente, no plano tático, para reconstruir o projeto de nação.

O Gal. da reserva Antônio Augusto Mourão, atual vice presidente da República, é um dos oficiais da Forças que defendem de forma enfática o liberalismo econômico. Em palestra proferida na maçonaria de Brasília no dia 15 de setembro de 201718 – quando ainda estava na ativa e fazia parte do Alto Comando das Forças Armadas –, ele destacou a necessidade de disciplina fiscal, da reforma tributária, da liberalização financeira, cambial e comercial, da desregulamentação e privatização. Nas palavras do Gal. Mourão: “ninguém pode temer os investimentos estrangeiros […], se nós não temos poupança interna temos que utilizar a poupança externa. Privatização, sim. Desregulação, vamos liberar as coisas. ainda estamos naquela época”.

A visão do Gal. Mourão também é compartilhada pelo Gal. General Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar. Ao ser perguntado, durante o programa Faixa Livre19, sobre as influências das ideias liberais no documento “Para um Brasil melhor” divulgado pelo Clube Militar em 24 de setembro de 2018, o Gal. Barbosa afirmou que: “[…] desde que a globalização tomou conta do mundo, particularmente da área econômica, o Brasil vem ficando meio de fora do processo de globalização e hoje em dia nós entendemos que a economia mundial é muito conectada”, onde “[…] países ou empresas procuram […]” investir em outros países menos desenvolvidos gerando desenvolvimento econômico e emprego. “O Brasil então ficou afastado [da globalização] e criou dificuldades para que essas empresas [estrangeiras]. No nosso entender, acreditamos que deveríamos nos abrir um pouco mais para que várias empresas viessem se instalar no território brasileiro, gerando mais empregos no Brasil”. Uma clara visão otimista da globalização e da abertura comercial, centrado na hipótese de que o investimento direto per si gerará mais emprego, renda e, inclusive, transferência tecnológica.

Essas visões do Gal. Mourão e do Gal. Barbosa, no campo econômico, não parecem isolados, mas sim predominante entre os oficiais da ativa e da reserva (documento do Clube Militar). A ala desenvolvimentista das Forças perderam representatividade com a crise do desenvolvimentismo na década de 1980 e com o avanço do liberalismo difuso entre os servidores militares que defendem a pátria, a nação e a tradição brasileira, mestiça e cristã, mas não enxergam nenhum perigo com controle estrangeiro da Embraer, a exploração do petróleo do pré-sal por empresas estrangeiras, a perda completa do controle do setor de energia elétrica, o avanço do investimento estrangeiro (chinês, americano, europeu, etc.) 20.

Ou seja, boa parte das Forças Armadas estariam defendendo a questão nacional pela via dos costumes, da tradição, da identidade que estaria sob ataque comunista, mas no plano econômico, a identidade e a nacionalidade seriam realizadas pelo mercado, sobretudo pelos capitais estrangeiros (de preferências norte-americanos) que supostamente trariam a modernidade para o país. Seremos altivos na identidade cultural, mas subalternos no plano econômico.

Linha de ação do Militares: crise, legitimidade, eleição de Jair Bolsonaro e perspectivas

A crise brasileira (econômica, política e institucional21), em curso desde 2015, provocou uma profunda perda de legitimidade das instituições políticas (Congresso Nacional, Partidos Políticos e Presidência da República) e da justiça (STF, por exemplo), que, consequentemente, perderam capacidade de reduzir incertezas e incentivar o avanços das ações humanos coordenadas – papel primordial das instituições. Entre 2012 e 2018, os índices de confiança da população no Congresso Nacional, nos Partidos Políticos e na Presidência da República despencaram, respectivamente, de 36 para 18 (queda de 50%); de 29 para 16 (decrescimento de 44); e de 63 para 13 (queda de 79%) (Gráfico 1).

Essa perda de legitimidade ocorreu em virtude do mecanismo de combate a corrupção da Operação Lava Jato que adotou a seguinte estratégia: vazamento/publicidade para os meios de comunicação ? instabilidade ? deslegitimação política ? legitimidade da operação junto à opinião pública (aumento do seu poder) ? pressão sobre às instâncias superiores do judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), para que essas não coibissem a flexibilização das regras e leis (Pinto et. al., 2017). A legitimidade da operação junto à opinião pública, elemento importante do mecanismo, foi alcançada e proporcionou um elevado patamar de confiança da população nas instituições vinculadas a operação: Policia Federal e Ministério Público (Gráfico 1).

Esse mecanismo quando posto em movimento que tem como elemento central de poder a geração de instabilidade (“poder de balançar o barco”), dados as lutas pela sobrevivência individual (caso Joesley, por exemplo) e de grupos, criou uma espiral de instabilidade e de deslegitimidade de instituições centrais (políticas e do judiciário) que foi se retroalimentando a cada nova rodada da reação dos atores envolvidos e da contra reação da Lava Jato. Com esse esgarçamento institucional, as corporações estatais, inclusive as forças armadas, os indivíduos, os pequenos grupos, os políticos, os

empresários, os meios de comunicação e os juízes também passaram a utilizar os instrumentos disponíveis (gerar instabilidade) para alcançar seus interesses – quer sejam eles para o “bem ou para o mal” (e o que isso possa significar) – tais como: não ir para a cadeia, prender corruptos, combater ou continuar a flexibilização das regras, aumentar o seu poder e legitimidade, vender mais jornal, manter seus auxílios moradia, etc. (PINTO, et. al, 2017).

Uma das poucas instituições, desvinculadas da operação Lava Jato, que conseguiram manter um elevado patamar de legitimidade junto à população foram as Forças Armadas (Gráfico 1), uma vez que ela foi pouco afeta pela operação, a despeito do caso isolado da prisão do Almirante Othon, ex-presidente da Eletronuclear.

Com essa legitimidade, representantes das Forças Armadas, sobretudo o Comandante Villas Boas – no auge da crise institucional em 2017 (expressiva deslegitimidade do executivo, do legislativo e do STF e após o presidente Temer ter sido denunciado por corrupção) –, passaram a expressar publicamente diagnósticos, avaliações e preocupações a respeito das possíveis saídas da crise. Em entrevistas a Folha em 201722, o Gal. Villas Boas, afirmou que: “As instituições estão trabalhando e buscando resolver essa crise, que está atingindo nosso cerne e relativizando nossos valores. […], além da crise política [corrupção], vivemos um momento em que faltam fundamentos éticos e no qual o ‘politicamente correto’, por vezes mal interpretado, prejudica nossa evolução. Falta-nos uma identidade e um projeto estratégico de país […]. No entanto, considero essa crise uma oportunidade, que poderá auxiliar a nação a se sanear, sem influências ideológicas ou políticas. A Lava Jato simboliza a esperança de que se produza no país uma mudança fundamental, em que a ética seja nossa parceira cotidiana e a sensação de impunidade, coisa do passado”. Para ele, à época, a saída da crise “está nas mãos dos cidadãos brasileiros”, que poderão, “nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a ser seguido”.

Naquele momento crítico institucional, aumentou o número de grupos organizados que clamavam pela intervenção militar. O Gal. Mourão, em palestra (citada) no dia 15 de setembro de 2017, colocou “lenha na fogueira” ao argumentar sobre a possibilidade de intervenção militar ao afirmar que: “A constituição de 1988 admite uma intervenção constitucional com emprego das Forças Armadas; os poderes executivos e legislativos estão podres cheios de corruptos, não seria o momento dessa intervenção quando o presidente da república está sendo denunciando pela segunda vez e só escapou da primeira denúncia por ter ‘comprado’ membros da Câmara Federal? […] Desde o começo da crise o nosso comandante [Gal. Villas Bôas] definiu um tripé para atuação do exército […]: 1) na legalidade; 2) na legitimidade que é dado pelo […] reconhecimento perante a sociedade; 3) não ser o exército fator de instabilidade. É óbvio quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: pô, por que não vamos derrubar esse troço todo? Na minha visão, que coincide com os meus companheiros de Alto Comando do Exército, nós estamos […] na situação de ‘aproximações sucessivas’. Até chegar o momento em que, ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos com todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso. Qual é o momento para isso? Não existe fórmula de bolo […]. Nós temos planejamentos muito bem feitos. No presente momento o que vislumbramos: os poderes terão que buscar a solução, senão conseguirem chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. Essa imposição não será fácil […] trará problemas […] se tiver que haver, haverá, mas hoje nos consideramos as aproximações sucessivas que terão que ser feita. Essa é a realidade”.

A partir desses trechos é possível extrair alguns pontos importantes a respeito da possibilidade de intervenção militar, à época, uma vez que a possibilidade da candidatura do Capitão reformado Jair Bolsonaro decolar eram muito pequenas, a saber:

1) Caso as instituições, em especial o STF, não conseguissem resolver a questão política haveria uma intervenção militar para combater a corrupção;

2) O general afirmou que sua posição era a mesma do Alto Comando do Exército;

3) Ao falar sobre a intervenção, o Gal. Mourão afirmou que “temos planejamentos muito bem feitos”, o leve crer sobre a possibilidade de existência um plano operacional para isso;

4) Não haveria ainda um “dia D” para a intervenção, pois isso dependeria de situações de “aproximações sucessivas”, como dito pelo general sem explicar o que seriam essas aproximações.

No primeiro momento, à época, a posição do Gal. Mourão foi interpretada por muitos com uma opinião isolada, sem vinculações com o pensamento do Alto Comando. Apesar disso, diversos setores da sociedade (imprensa, políticos, governo, etc.)

expressaram desconforto com as palavras do general e reivindicaram punição ao mesmo por ter desrespeitado a Constituição (ao afirmar sobre a possibilidade de intervenção militar sem a iniciativa de um dos poderes) e quebrado a hierarquia militar (por ter falado pelo comandante das Forças Armadas). O Ministro da Defesa, Raul Jungman, em nota chegou a convocar o comandante do Exército, Gal. Eduardo Villas Bôas, para discutir as medidas cabíveis a serem tomadas contra o Gal. Mourão.

Para surpresa de muitos, o Comandante das Forças Armadas, ao ser entrevistado no programa do Bial da rede Globo23, não desautorizou nada do que foi dito pelo Gal. Mourão. Ao contrário, o que se viu foi uma exaltação às opiniões de seu subordinado: “[…] Mourão é um grande soldado! […]. Se você recorrer o que está na constituição artigo 142º (como atribuição das Forças Armadas). Ela diz ali que as Forças Armadas podem ser empregadas na garantia da lei e da ordem por iniciativa de um dos poderes e isso tem acontecido recentemente, mas antes diz o texto: as Forças Armadas se destinam a defesa da pátria e das instituições […]. Essa defesa poderá ocorrer por iniciativas de um deles ou na iminência de um caos. Então as Forças Armadas teriam o mandato para fazê-lo. Caso não seja solucionado o problema, nós podemos intervir. É isso o que ele [Gal. Mourão] quis dizer. […] quando ele fala das aproximações sucessivas uma delas são as eleições […]. Não haverá punição formal [para o Mourão].”

Essas palavras do Comandante das Forças Armadas dispararam sinais de alertas, à época, para diversos segmentos da sociedade. Vejamos alguns porquês. Em primeiro lugar, o Gal. Villas Bôas realizou uma interpretação completamente flexibilizada do caput do artigo 142 da Constituição, pois não há nenhuma expressão de “eminência de caos” que justifique uma intervenção militar sem a solicitação de um dos poderes. Essa interpretação é a mesma do Gal. Mourão. Em segundo lugar, o comandante do Exército em nenhum momento desautorizou o seu subordinado no que diz respeito às suas palavras sobre plano de intervenção militar (“aproximações sucessivas”; “temos planejamentos”; etc.).

O que se viu foi, inclusive, um esclarecimento no que tange à expressão aproximações sucessivas. As eleições seriam uma dessas aproximações, conforme dito pelo Gal. Villas Bôas. Ou seja, a via eleitoral poderia ser um dos caminhos vislumbrados pelas Forças Armadas para restabelecer a ordem econômica, política e moral.

Além do apoio de seu comandante, o Gal. Mourão recebeu amparo de vários integrantes do exército. Dentre os quais o do general da reserva Augusto Heleno – primeiro comandante da Força de Paz no Haiti (2004) e atual Ministro do GSI – que publicou a seguinte mensagem: “Meu apoio irrestrito ao meu amigo de longa data e respeitado chefe militar, General Antônio Hamilton Mourão. Em resposta a uma pergunta, colocada diante de uma plateia restrita, ele limitou-se a repetir, sem floreios, de modo claro e com sua habitual franqueza e coragem, o que está previsto no texto constitucional. A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos, viu nisso uma ameaça de intervenção militar. Ridículo. E mais, isso sim preocupante, o descaramento de alguns políticos, indiciados por corrupção e desvio de recursos públicos, integrantes da quadrilha que derreteu o país […]”.

A matéria da revista IstoÉ, assinada por Franco, Libório & Oliveira, 201724, afirmou que as palavras do Gal. Mourão ecoou o que foi discutido na 314º reunião do Alto Comando do Exército, realizada em Brasília (entre os dias 11 e 15 de setembro), que “[…] foi convocada para discutir os problemas que afligem os militares, entre os quais, a crise política do País e a falta de recursos para manter soldados nas casernas e garantir as atividades básicas da força, alvo de um significativo contingenciamento de verbas do governo federal”.

Tudo isso evidencia que o que foi dito pelo Gal. Mourão refletiu a opinião do Alto Comando do Exército. Ou seja, provavelmente havia sim um plano operacional de intervenção para acabar com a corrupção e com a ideologização da política (os comunistas nos termos do Gal. Avellar Coutinho) caso as instituições civis (judiciários em especial o STF) não debelassem esse mal (todos os políticos atuais indiciados pelo judiciário, dentre eles o ex-presidente Lula).

As “aproximações sucessivas”, ditas pelo Gal. Mourão, para resolver os problemas da crise brasileira diagnosticada pelo Alto Comando do Exército parecem ter sido a votação do HC (habeas corpus) do Lula, que naquele momento era candidato à presidência e primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, no Supremo Tribunal Federal (STF) em abril e a eleição presidencial.

O Comandante da Forças Armadas no Twitter, Gal. Villas Bôas, as vésperas da votação do HC de Lula junto ao STF, afirmou que: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? (…) Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

Os seus comandados postaram mensagens de apoio (Gal. Paulo Chagas, Gal. Miotto, entre outros) no Twitter e o perfil oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) “curtiu” a postagem do general. O editor/apresentador do Jornal Nacional da Globo leu a mensagem do Gal. Villas Bôas em tom de ameaça ao STF (Revista Fórum, 2018)25.

O próprio Comandante Gal. Villas Boas em entrevista a Folha26 após a eleições afirmou que: “Os militares da reserva, com muita frequência, têm influência. Foram comandantes, instrutores do pessoal da ativa. Então quando eles se pronunciam, isso muitas vezes repercute interna e externamente. Eu precisei ter o domínio da narrativa. Por isso, às vezes nós éramos mais enfáticos na expressão, sempre no limite para não invadir o espaço de outras instituições. Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática. Me lembro, a gente soltou [o post no Twitter] 20h20, no fim do Jornal Nacional, o William Bonner leu a nossa nota”.

Pelas palavras do Gal. Villas Boas esse evento foi um momento de “ajuste sucessivo” e de enorme tensão e pressão, pois poderia sair de seu controle. O que isso poderia significar?

O outro “ajuste sucessivo” foi a própria vitória eleitoral do Capital reformado do Exército Jair Bolsonaro que representou a volta das Forças Armadas ao poder e a esperança do estabelecimento da ordem econômica, política e moral. Bolsonaro afirmou durante a posse do Ministro da Defesa: “Muito obrigado Comandante Villas Boas, pelos aquilo que já conversamos e que morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui [na posição de presidente]”27. O que ele quis dizer com isso?

Ao assumir a presidência, o capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro (PSL) representa o retorno das Formas Armadas ao poder pela via eleitoral e a derrota dos comunistas e socialistas, nos termos do atual presidente e de boa parte das Forças. O atual governo tem mais ministros militares do que o governo Castelo Branco – primeiro governo do regime militar. Em discurso de posse do Ministro da Defesa, Bolsonaro afirmou: “as nossas Forças Armadas sofreram um profundo desgaste perante a classe política, mas não junto ao povo brasileiro que continuou acreditando em nós”28.

Com a maior expressão pública dos oficiais da ativa, especialmente o Comandante das Forças, é da reserva, desde 2017, e a formação do núcleo militar do governo do Capital da reserva Jair Bolsonaro, vem ocorrendo uma militarização da política29 com a brecha aberta pela crise das instituições políticas mesmo dos oficiais da ativa que são proibidos, por lei, de se manifestar sobre questões políticas e partidárias (decreto nº 4346 de 2002).

Antes mesmo da crise, em curso desde 2015, já existia entre os oficiais do exército formado pela AMAN – conforme pesquisa de dissertação de mestrado realizada pelo major Denis de Miranda em 2012 e que foi publicada como livro em 201830 – uma percepção da maioria dos oficiais de que o exército31 poderia agir politicamente (politização dos quarteis), sobretudo na situação em que houvesse um perigo para a pátria. Como essa pesquisa foi realizada em 2012, com a crise essa percepção provavelmente deve ter aumentado entre os integrantes do exército.

Além disso, nessa pesquisa Miranda (2018, p. 88) afirmou que: […] os oficiais indicaram que o grau de influência política do Exército é pouco ou nenhum. Indicaram que desejariam ver o Exército com um grau de influência maior […]. Para os oficiais, em 2012, as instituições com maior poder de influência no Brasil eram a televisão, os bancos, o Congresso Nacional e as multinacionais, no entanto, para eles as instituições que deveriam ter maior poder seriam o Congresso Nacional, os cientistas e os intelectuais, o judiciário e o militares.

Com a vitória eleitoral do Capital da reserva Jair Bolsonaro e com a formação do núcleo militar em seu governo, o maior peso desejado, pelos oficiais, que os militares deveriam exercer na política foi alcançado. O núcleo militar governamental e os oficias da ativa esperam que com o aumento do seu grau de influência política: 1) conseguir restabelecer a ordem econômica, política e moral (psicossocial atrelado ao politicamente correto nos termos do Gal. Villas Boas) em crise; e 2) aumentar o poder corporativo das Forças no âmbito do Estado brasileiro para obter mais verbas orçamentárias (para seus projetos) e maiores salários, que são apontados pelos oficiais – pesquisa do major Miranda – como os dois maiores problemas das Forças Armadas.

Assim como Jair Bolsonaro representa para o núcleo militar e para as Forças a esperança de restabelecimento da ordem (econômica, política e moral), o combate ao socialismo (“marxismo cultural”) e a possibilidade de ampliação do prestígio dos militares; a eleição de Jânio Quadros, segundo Chirio (2012), representou a última esperança da oficialidade conservadora das Forças Armadas em 1961 em realizar a revolução por meio do voto (crítica ao sistema político, risco comunista e reestabelecimento da ordem) antes do golpe de 1964.

O discurso de despedida do Comandante do Exército (que é também o Comandante da Forças Armadas) Gal. Villas Boas na transmissão de posse (dia 11/01/2018) do novo comandante o Gal. Edson Leal Pujol não deixa dúvida sobre essa esperança no governo do Capitão Bolsonaro e sobre o alinhamento/doutrina das Forças Armadas com a atual ideologia do governo. Nas palavras do Gal. Villas Boas: “Excelentíssimo senhor Presidente Bolsonaro e senhora Michelle, festejamos suas presenças, assim como a Nação brasileira festeja os sentimentos coletivos que se desencadearam a partir de sua eleição e assunção do cargo. O senhor traz a necessária renovação e a liberação das amarras ideológicas que sequestraram o livre pensar, embotaram o discernimento e induziram a um pensamento único […] 2018 foi um ano rico em acontecimentos desafiadores para as instituições e até mesmo para a identidade nacional. Nele três personalidades destacaram-se para que o ‘Rio da História’ voltasse ao seu curso normal. O Brasil muito lhes deve. Refiro-me ao próprio presidente Bolsonaro, que fez com que se liberassem novas energias, um forte entusiasmo e um sentimento patriótico há muito tempo adormecido. Ao ministro Sérgio Moro, protagonista da cruzada contra a corrupção ora em curso e ao general Braga Netto, pela forma exitosa com que conduziu a Intervenção Federal no Rio de Janeiro. Todos demonstraram que nenhum problema no Brasil é insolúvel”32.

Será que a crise será debelada pelo governo militar/civil de Jair Bolsonaro? Caso as medidas liberalizantes não gerem crescimento econômico esperado como aconteceu no governo Temer, os militares continuaram com sua posição liberal difusa?

Com a composição atual do governo Bolsonaro e de seus núcleos de poder (clã Bolsonaro, militares, econômico neoliberal, judiciário lavajatista), há uma certa convergência (três núcleos), no plano econômico, a respeito dos efeitos positivos do liberalismo econômico, da redução do Estado e da globalização. O núcleo econômico comandado pelo Ministro da Economia Paulo Gudes adota de forma ideológica o livre mercado (globalismo, libralismo e redução do papel do Estado) como a saída para o crise econômica, ao passo que os outros dois grupos (militares e judiciário lavajatista) se tornaram “liberais difusos”, pois acreditam que o combate à corrupção e a eficiência gerencial salvariam o país per si. Para esses dois últimos grupos a separação/criminalização completamente entre os interesses privados e públicos diminuiria a corrupção e geraria crescimento econômico. Ou seja, elas são defensores da teoria da busca da renda (rent seeking), mesmo que alguns deles não tenham tido contato com essa literatura. Assim, para eles – de forma bem menos ideológica do que observado no núcleo econômico –, o mercado também seria a instituição mais eficiente e o Estado a fonte original da corrupção e do atraso econômico.

No entanto, o núcleo do clã Bolsonaro apresenta ideias, em algumas dimensões econômicas, contraditórias com a defesa irrestrita das políticas neoliberais, pois esses núcleo está alinhado integramente com a extrema direita americana (crítica ao politicamente correto; combate ao marxismo cultural que ataca os valores ocidentais, capitalistas e cristão; inimigo comum dos interesses do país; defesa das empresas nacionais; protecionismo para garantir o emprego nacional; crítica ao neoliberalismo econômico; etc.). Como alertou Jeffrey Tucker (2017), o coletivismo de direita americano (ideologia do clã Bolsonaro) vai numa direção oposta ao liberalismo (neoliberalismo).

Ou seja, o novo governo e o Brasil está parindo um ornitorrinco, nos termos do Chico de Oliveira, tupiniquim que adota como estratégia econômica o liberalismo, ao mesmo tempo que segue em outros campos os valores e ideias da extrema direita americana que tem como principal inimigo o próprio neoliberalismo progressista.

Provavelmente, esses núcleos entrarão em choque, sobretudo se as medidas econômicas forem pouco efetivas em gerar emprego e renda para produzir uma redução expressiva do desemprego. Sem emprego e renda, a coesão social não conseguirá ser mantida apenas pela questão moral. Com isso, o núcleo militar (o que tem o maior poder na atual estrutura do governo Bolsonaro) poderá de forma pragmática abandonar as ideias liberalizantes. Não foi por acaso que os governos militares mudaram o rumo econômico após 1967, pois as políticas liberalizantes adotadas por Campos e Bulhões não lograram o crescimento esperado para manter a legitimidade do regime diante dos empresários e de parte da população.

Nesse sentido, o atual governo não tem um projeto nacional unificador no plano econômico, político e ideológico. Boa parte das Forças Armadas tem um diagnóstico ideologizado tanto da crise moral (teoria conspiratória do “marxismo cultural” e do “politicamente correto”) como da questão econômica e acham que o mercado e a abertura econômica por si só geraram emprego, renda e desenvolvimento tecnológico, assim como muitos acreditaram no início do governo Temer. Com isso, as Forças Armadas a partir de agora (militarização da política) estarão no olho do furacão, o que deverá aumentar ainda mais a politização dos quarteis e as tensões com as críticas que deverão surgir da oposição caso as expectativas econômicas e políticas se frustrem.

A crise permanece e ganhou um novo patamar com a entrada de integrantes das Forças Armadas e da Lava Jato no governo de Jair Bolsonaro. Não acredito que a crise atual será debelada com essa eleição. A instabilidade permanece e mudou de patamar, pois não há sinais que o “bonapartismo militar” possua um projeto nacional unificador no plano econômico, político e ideológico que permita sair da crise que necessariamente requer o restabelecendo (i) da relação entre o público e o privado do capitalismo brasileiro; (ii) da legitimidade das instituições políticas (Congresso Nacional, Partidos Políticos e Presidência da República) e jurídicas (em especial o STF) para que as mesmas consigam reduzir as incertezas por meio da coordenação; (iii) da ordem jurídica sem a flexibilização das leis e regras, o que implicaria na redução da politização do Judiciário; (iv) do crescimento econômico que requer maior investimento público e mecanismo de política anticíclica para estimular a renda e emprego (política de valorização do salários mínimo, estímulo ao crédito, etc.), no entanto, isso implicaria numa guinada nas atuais diretrizes do atual ministro da economia que enxerga nas reformas e na liberalização (políticas pro cíclicas) o único caminho para o crescimento; (v) das pontes entre o governo e oposição, o que implicaria no abandono da ideologia (ou doutrina na linguagem militar) de que toda a esquerda teria uma projeto oculto (“marxismo cultural” e “politicamente correto”) para realizar a revolução socialista. Os primeiros sinais no atual governo, inclusive do núcleo militar, apontam em direção oposta a esse conjunto de ações.

Isso tudo evidência que se pode encarar como loucura o desejo do presidente eleito em libertar o povo brasileiro do socialismo (teoria paranoica do marxismo cultural desenvolvida pelos neoconservadores americanos); porém, como diria o velho bardo: apesar de ser loucura, ainda assim revela método.

NOTAS:

1 Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

2 Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,numero-de-militares-no-1-escalao-e-o- maior-desde-1964,70002647839

3 Os outros dois importantes núcleos de poder do governo Bolsonaro são: o núcleo econômico que tem como condutor o Ministro da Economia Paulo Guedes que se vincula fortemente às ideias de liberalização; e o núcleo do judiciário (mais especificamente o partido da Lava Jato) comandando pelo Ministro da Justiça Sergio Moro. Para uma discussão a respeito desses núcleos ver Nassif (2018). Disponível em: https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-governo-bolsonaro-por-luis-nassif

4 COUTINHO, Sério Augusto de Avellar. Cadernos da liberdade: uma visão do mundo diferente do senso comum modificado. Belo Horizonte: Sografe, 2003.

5 Ver Foley, M. American credo: the place of ideas in US politics. Oxford University Press, 2007 (capítulo
13) e Scotchie, A. The paleoconservatives: New voices of the Old Right. Routledge, 1999 (introdução).

6 Jeffrey Tucker, um expoente neoliberal americano vinculado à escola austríaca, afirmou, em seu livro Right-Wing Collectivism: The Other Threat to Liberty publicado em 2017, que essa tradição do coletivismo de direita americano segue caminho oposto ao liberalismo tradicional, pois esse movimento é contra o livre comércio, a liberdade de associação, a migração. Ou seja, adotam uma visão de capitalismo diferente da ideia de livre mercado.

7 A questão do politicamente correto tem sido tema de amplo debate nas ciências sociais. Por exemplo, há críticas (não paranoicas) ao politicamente correto tanto no campo dos conservadores (ver Campbell (2018): https://quillette.com/2018/11/14/the-free-speech-crisis-on-campus-is-worse-than-people-think/) como na esquerda (ver Zizek (2018): https://www.independent.co.uk/voices/jordan-peterson-clinical-psychologist- canada-popularity-convincing-why-left-wing-alt-right-cathy-a8208301.html. No campo da defesa do politicamente correto, Weigel (2018: https://www.revistaserrote.com.br/2018/10/um-alibi-para-o-autoritarismo-por-moira-weigel/) argumenta que a direta norte-americana na década de 1980 passou a se apropriar do termo politicamente correto para associar ao autoritarismo.

8 Ver Lind, W. Defending western culture. Foreign Policy, n. 84, p. 40-50, 1991; Lind, W. Further Reading on the Frankfurt School. In: Lind, W. (org) “Political Correctness”: A Short History of an Ideology. Free Congress Foundation, 2004; ATKINSON, G. Radical Feminism and Political Correctness. In: Lind,
W. (org) “Political Correctness”: A Short History of an Ideology. Free Congress Foundation, 2004; Gerald, A. What is the Frankfurt School (and its effect on America)? 1999; William, l. The Origins of Political Correctness. The conservative institute, 2000; entre outros.

9 William, L., Keith, N., Joseph, S., & Gary, W. (1989). ’The Changing Face of War: Into the Fourth Generation. Marine Corps Gazette.

10 Segundo Lind (2014, p. 14), “At its core lies a universal crisis of legitimacy of the state, and that crisis means many countries will evolve Fourth Generation war on their soil. America, with a closed political system (regardless of which party wins, the Establishment remains in power and nothing really changes) and a poisonous ideology of multiculturalism, is a prime candidate for the homegrown variety of Fourth Generation war, which is by far the most dangerous kind”. (MILITARY REVIEW; Disponível em: http://www.au.af.mil/au/awc/awcgate/milreview/lind.pdf)

11 Nas palavras do Gal. Coutinho (2003, p. 23-26): “O Movimento Comunista Internacional depois de um breve momento de perplexidade e de reavaliação, retomou sua atuação graças à permanência da estrutura e das tendências ideológicas remanescentes e das independentes de Moscou. Hoje apresenta quatro fontes de irradiação, de certa forma difusas, que denomino de ‘intelligentsias’, com sede na Europa e projeções em quase todos os países do mundo”, a saber: marxista-leninista trotskista; marxista-leninista gramscista; marxista-leninista stalinista; Anarco-Comunista. Segundo ele: “Cada uma das ‘intelligentsias’ é constituída por um birô, instituto ou congresso, por partidos nacionais, movimentos político-sociais, entidades e organizações internacionais tais como as ONG. Não exercem propriamente comando mas, em âmbito internacional, induzem, orientam e apoiam os movimentos revolucionários nacionais. São independentes, mas são solidários a partir de um consenso “ético”, reconhecendo um objetivo comum – o comunismo utópico […] Em âmbito internacional, além das organizações não-governamentais, a própria Organização das Nações Unidas é usada pelo MCI para favorecer os regimes nacionais de esquerda e os movimentos revolucionários em países do Terceiro Mundo […]. Além das linhas revolucionárias marxistas e anarquistas citadas, componentes do Movimento Comunista Internacional, há outros movimentos ideológicos de esquerda que são adjacentes ao MCI, sem a ele pertencerem obviamente, mas que completam o cenário socialista mundial”, a saber: Nasserismo, Internacional Socialista, Fabianismo e Socialismo nacionalista populista”.

12 Nas palavras do Gal. Coutinho (2003, p. 79 e 86): “Entre as organizações não governamentais norte- americanas, está uma denominada Diálogo Interamericano, fundada em 1982, cujos integrantes são notáveis personalidades ‘permeadas’ pelo socialismo fabiano. Foi por intermédio do Diálogo Interamericano, que o Sr Fernando Henrique Cardoso se uniu em 1982 ao movimento fabiano, tendo tentado atrair também o Senhor Luiz Inácio Lula da Silva”. “Lula, já comprometido com o Foro de São Paulo, concordou com o programa, mas não se filiou ao Diálogo”.

13 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1jlE8b7CQTw

14 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=j-LmW5GjX2k

15 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5y6WxgK1Roc

16 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G8TrjpqHIcY

17 CHIRIO, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Zahar, 2012.

18 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Njp-7k7N3sY

19 Disponível em: https://soundcloud.com/programafaixalivre/sets/2018-10_30-programa-faixa-livre

20 Para Paulo Arantes, em entrevista concedida ao Brasil de Fato em 06/01/2018, afirmou que “Eles [os militares] sabem que poder militar depende de industrialização e que não dá mais. Ficamos muito para trás (com o processo de desindustrialização que o país viveu nas últimas décadas). Além disso, eles preveem que vem aí um grande conflito mundial, envolvendo Estados Unidos, China e Rússia, e que o Brasil precisa se realinhar imediatamente. Para eles, há uma Síria do nosso lado, que é a Venezuela, onde a Rússia, a China e outros países já estão presentes. Se a Venezuela explodir, o conflito vai vazar por todas suas fronteiras. Esse diagnóstico explicaria a velocidade com que o novo governo aderiu à agenda política dos Estados Unidos”.

21 Ver Pinto et. al. (2017). Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/index.php/listar-td/textos-para-discussao- 2017/a-guerra-de-todos-contra-todos-a-crise-brasileira

22 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/07/1905356-saida-da-crise-deve-vir-da- eleicao-de-2018-diz-comandante-do-exercito.shtml

23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wHRbkLeeDkY

24 Disponível em: Ver http://istoe.com.br/o-risco-da-radicalizacao/

25 Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/villas-boas-abre-a-porteira-e-mais-generais-vem-a- publico-aventar-intervencao-militar/

26 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/bolsonaro-nao-e-volta-dos-militares- mas-ha-o-risco-de-politizacao-de-quarteis-diz-villas-boas.shtml

27 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wvzcyWykSsY

28 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wvzcyWykSsY

29 Ver Fernandes (2019) em artigo publicado no valor denominado Os valores da farda que volta ao poder. Disponível em: https://www.valor.com.br/cultura/6047841/os-valores-da-farda-que-volta-ao-poder

30 Miranda, D. A construção da identidade do oficial do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro : Ed. PUC-Rio, 2018. Disponível em: http://www.editora.vrc.puc- rio.br/media/o%20carisma%20do%20comandante%20miolo.pdf

31 A amostra da pesquisa foi formada por 90 generais e coronéis, 249 tenentes-coronéis e majores, 216 capitães e 88 tenentes.

32 Disponível em site do Exército brasileiro : http://www.eb.mil.br/todos-os-avisos/-/asset_publisher/nElT00TYrefc/content/palavras-de-despedida-do-gen-villas-bo-7

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Paulo

14/01/2019 - 19h23

Muito bom texto, excelente, mesmo! Não tinha lido nada parecido na grande imprensa (nem em lugar algum). Entretanto, embora concorde plenamente com o “diagnóstico” militar de nossos problemas, a “Revolução Cultural de Gramsci” (e nisso discordo do articulista, que, embora o reconheça como efetivo e atual, no pensamento militar, parece desdenhar e até troçar com esse diagnóstico), reconheço a contradição (explicitada no texto) entre as ideias econômicas do conservadorismo americano (anti-liberal e anti-globalizante) e as adotadas pelo Governo Bolsonaro (via Paulo Guedes). No que essa contradição vai dar, não sabemos. Mas o texto dá um indicador: desfaz-se de Guedes e se toca o barco, até numa guinada em sentido contrário…


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