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Novo PGR defende “manual” para lidar com delações e critica Lava Jato com base no Intercept

Pelas declarações que vem dando, Augusto Aras, o PGR indicado por Bolsonaro será mais humanista, democrático e preparado para enfrentar o corporativismo (e a Lava Jato) do que todos os PGRs anteriores, especialmente aqueles escolhidos pela “lista tríplice”. A decisão de criar um órgão para coordenar as forças-tarefas visa claramente pôr ordem na bagunça lavajatista, […]

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Pelas declarações que vem dando, Augusto Aras, o PGR indicado por Bolsonaro será mais humanista, democrático e preparado para enfrentar o corporativismo (e a Lava Jato) do que todos os PGRs anteriores, especialmente aqueles escolhidos pela “lista tríplice”.

A decisão de criar um órgão para coordenar as forças-tarefas visa claramente pôr ordem na bagunça lavajatista, e suas críticas duras às delações premiadas provam que alguma coisa se mexeu definitivamente na correlação de forças dentro do sistema de justiça.

No Globo

Aras defende que delações tenham ‘tratamento mais rigoroso’ para manter credibilidade

Novo PGR afirma que vai criar órgão para coordenar todas forças-tarefas do Brasil


Por Aguirre Talento e Bela Megale

30/09/2019 – 16:54 / Atualizado em 30/09/2019 – 17:10

BRASÍLIA — O novo procurador-geral da República, Augusto Aras , defendeu em entrevista ao GLOBO nesta segunda-feira um “tratamento mais rigoroso” aos acordos de delação premiada para preservar sua credibilidade, ressaltando que eles não podem ser usados por colaboradores como formas de cometimento de novos crimes até de “vingança” contra desafetos. Ele afirmou que pretende criar um órgão colegiado para unificar a coordenação de todas as forças-tarefas de investigações pelo Brasil, como a da Lava-Jato de Curitiba — a qual Aras critica por ter se tornado “personalista” e ter demonstrado um “projeto de poder”, em desconformidade com a instituição.

Em seu terceiro dia de expediente, Aras ainda está com o gabinete vazio, sem quadros e poucos livros, tendo apenas uma imagem de Santo Antônio e outra de Nossa Senhora da Conceição, Aras disse que ainda está tomando conhecimento dos processos e da estrutura do órgão. Sobre dois julgamentos que irá enfrentar em breve no Supremo Tribunal Federal (STF), a suspensão de investigações que usaram relatórios do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e a anulação de casos da Lava-Jato porque réus não tiveram o direito de falar após os delatores nas alegações finais, Aras afirma que não pode haver uma generalização sem a análise de cada caso concreto e aponta risco de “situações de extrema impunidade”. Mas, ao contrário do posicionamento anterior da PGR, Aras alinha-se à tese majoritária no STF de que os réus têm o direito de falar só após os delatores.

Aras fez elogios ao presidente Jair Bolsonaro, responsável por sua indicação por fora da lista tríplice organizada por uma votação interna da categoria, mas nega alinhamento automático com o governo. Disse que, nas conversas que teve com Bolsonaro, nunca houve pedidos “não-republicanos” e nunca foram abordadas as investigações sobre seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

O número de delações premiadas caiu muito na gestão de sua antecessora. Como o senhor vê o instituto?

Nós precisamos dar às delações premiadas um tratamento mais rigoroso para que não percam a sua credibilidade. Porque, embora não seja prova — ela apenas contribui para que se faça prova — exige-se da delação premiada que o delator apresente provas idôneas dos fatos. O certo é que as delações, num primeiro momento, não só maculam bens, como a violação da imagem pública dos delatados, até às vezes por vingança, como podem importar em outros ilícitos praticados pelos delatores contra terceiros. Então nós temos que pensar num manual de boas práticas para as delações para evitar que sirvam aos interesses escusos e permitir que atinjam seus fins, que é contribuir para a elucidação dos fatos.

Como vai ser construído esse manual?

Nós vamos constituir uma comissão de procuradores, com conhecimento das delações, para estabelecermos as boas práticas.

Haverá integrantes da força-tarefa da Curitiba?

Provavelmente, mas nós estamos pensando muito mais além da força-tarefa. Nós estamos pensando que o Brasil não é feito só de uma força-tarefa. Nós temos uma dezena de forças-tarefas em curso em todo o Brasil, talvez uma centena de forças-tarefas em todos os MPs estaduais, e nós precisamos compartilhar essas informações, essas práticas, esses conhecimentos, essas experiências, essas tecnologias. Com isso nós faremos através do Conselho Nacional do Ministério Público um manual de boas práticas para delações, de maneira a não permitir que as delações não se tornem um meio de cometimento de novos crimes. Mas isso não é ser contra a delação, é apenas a cautela que deve ter o Ministério Público.

Que tipo de cuidado o senhor defende?

Nós já superamos a casa de uma centena de delações premiadas. Todavia, apenas 20% delas resultaram em proveito específico para a acusação. É muito pouco. Só que, no universo dos 80% restantes, há várias violações. Violações aos direitos e garantias fundamentais de delatados, há em tese negociatas estabelecidas por delatores para se prevalecer materialmente em detrimento do sistema de justiça, e até denúncias de chantagens, extorsão de delatores contra delatados e até mesmo com espírito de vingança. Nós precisamos ter cautela para que o delator não se torne beneficiário de sua própria delação, sem que haja uma justa causa para que essa delação produza efeitos positivos.

O senhor considera que a estrutura da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba é adequada?

Nós temos já colegas subprocuradores-gerais da República estudando como aparelhar este órgão que serve à Lava-Jato. Esse estudo não é só para a Lava-Jato. Esse estudo é para estruturar, organizar e otimizar os recursos orçamentários para todas as operações. Lastimavelmente, houve duas operações nos últimos 15 dias que a Procuradoria não teve recursos financeiros para pagar o deslocamento de procuradores da República para acompanhá-las.

Mas então o senhor defende realocar a estrutura da força-tarefa de Curitiba?

É necessária a estruturação e a organização de um órgão colegiado dentro da PGR para gerir todas as forças-tarefas. Esse órgão vai compartilhar os recursos orçamentários, compartilhar informações.

Seria um órgão novo?

Deve ser dentro da Câmara criminal. Não podemos repetir os equívocos cometidos antes. Ou seja, quando permitimos que houvesse várias operações sedimentadas, criamos vários MPs paralelos. Vamos otimizar o trabalho para que não falta dinheiro para a realização das operações.

Mas isso pode acarretar na diminuição da força-tarefa de Curitiba?

Curitiba é nossa case, nossa operação mãe. Lá tem toda estrutura. É possível que possamos trazer toda essa estrutura para Brasília, trabalhar em Brasília com todas as demais operações. Tudo integrado. Será um órgão organizado e estruturado para compartilhamento de informações, conhecimentos, tecnologias, sistemas e para otimizar recursos.

O senhor já disse que a Lava-Jato precisa de algumas correções. Quais são os erros que o senhor vê?

A Lava-Jato ficou personalizada. Esse personalismo gerou, como revela o (site) “The Intercept”, ainda que com contestações à sua idoneidade, projetos de poder estranhos ao MPF e estranhos principalmente para quem tem o dever constitucional de não exercer atividade política. Então o projeto de poder em uma instituição que não deve passar por política partidária, principalmente eleitoral, revela uma disfuncionalidade a ser corrigida. Isso tudo decorre da quebra do dever de impessoalidade.

O senhor vai votar pela abertura do procedimento disciplinar contra o procurador Deltan no CNMP?

Acho que não haverá oportunidade de eu, sendo presidente do CNMP no momento oportuno, ir a votar nesse caso. O doutor Alcides, quem foi o PGR interino, deve voltar para apresentar o seu voto. Mesmo quando sai da presidência, essa tradição é respeitada.

Mas como o senhor vê a conduta do Deltan pelo que foi revelado pelo site “The Intercept”?

Não posso me manifestar, não vou fazer qualquer julgamento.

O presidente Bolsonaro havia dado declarações à imprensa comparando o governo a um jogo de xadrez. Ele seria o rei, o ministro os peões e o PGR seria a dama. Sua atuação será alinhada ao governo?

Se nós usarmos essa metáfora para compreender o tabuleiro do xadrez como a nação e o presidente, e o procurador-geral da República o representante da sociedade em relação ao Estado, é fácil compreender a dimensão da importância que o presidente deu ao Ministério Público Federal e ao procurador-geral da República. Ou seja, o advogado da sociedade, do Estado, tem o dever de estar atento à Constituição desde o seu primeiro artigo até o seu último artigo. Então o procurador-geral da República só pode ser entendido como o advogado da sociedade, em todos os seus aspectos, e por isso a metáfora da dama no xadrez é o contraponto que se faz entre o Estado e a sociedade.

Como o senhor acha que o presidente vai encarar ações contrárias ao governo?

Eu tenho a impressão que o presidente da República, até onde eu tenho conversado com ele, se revela um grande brasileiro, estadista e patriota. Das minhas conversas com o presidente, ele nada me tratou que não fosse estritamente republicano, estritamente na defesa da soberania nacional, dos interesses do país. O que me deixou e me deixa ainda hoje em uma situação muito tranquila no exercício das funções de procurador-geral da República. E digo isso de forma exultante. É um presidente que, embora possa parecer ter opiniões controvertidas, o presidente não só é dotado de um alto grau de patriotismo, mas também de humildade.

Em algum momento Bolsonaro mencionou questões envolvendo a investigação do filho dele, Flávio Bolsonaro?

Jamais falou sobre os interesses de Flávio ou de qualquer outro interesse da sua família. As nossas discussões versaram sempre sobre o que é o Ministério Público Federal na contemporaneidade, o que foi antes de 2003, quais as virtudes desse Ministério Público de antes e de depois, o que nós podemos fazer para que retome a institucionalidade do Ministério Público, promova a estabilidade política, contribua para que a economia seja destravada. Então as conversas foram mais de ordem constitucional, a exemplo do que eu pensava sobre o meio ambiente, sobre a questão indígena, sobre o agronegócio, o que eu penso sobre a pauta de costumes. A Constituição me dá o conforto de ser o norte a seguir, a minha bússola é a Constituição. Agora, eu não sou o dono da verdade. Tudo isso passa por um processo dialético, pelo conhecimento científico. Qual é o nosso dever? É dialogar sempre e sempre procurando aprofundar o debate em torno do discurso científico, para que nós possamos entender o que é melhor para o país, o que é o dever do Ministério Público para com o povo brasileiro. Nós somos uma carreira de Estado, nós não somos do governo, mas não podemos ignorar que o governo e o Estado se fundem no interesse público.

O senhor vai participar do julgamento da liminar do STF sobre uso de dados do Coaf em investigações. O senhor é a favor da anulação da investigação de Flávio Bolsonaro por esse argumento?

Eu só posso falar em tese. Em concreto eu não devo falar porque eu não conheço os autos. Em tese, admite-se em cada caso concreto a decisão do ministro Toffoli, mas não se pode pegar o caso e estender de forma generalizada, porque as decisões dessa natureza que são dotadas de generalidade podem conduzir a situações extremas de impunidade.

Mas o senhor chegou a conversar com o Flávio na campanha?

Eu procurei o Flávio lá atrás na campanha, para me apresentar, dizer o meu pensamento. Não só o Flávio, mas também o Eduardo (Bolsonaro) se revelaram para mim grata surpresa no que toca à forma do trato das coisas públicas, do trato com agentes públicos, revelando não só a educação no trato com as pessoas, mas o respeito com os demais agentes públicos.

Ele também não tocou no caso dele?

Não tocou no caso dele, e eu acho que também não poderia se esperar outra forma, porque atentaria contra a independência e à nossa autonomia. Certamente causaria um desconforto para ele mesmo e para mim.

Nesse julgamento das alegações finais da Lava-Jato, o senhor é contra a anulação das sentenças já proferidas?

Eu sou a favor que se aplique a técnica no sentido de que, sendo esse o julgamento que importa no leading case (um precedente), os efeitos sejam prospectivos, daqui para a frente. E não só isso, eu defendo que cada caso seja apreciado em concreto de acordo com a existência ou não de prejuízo para a defesa.

Mas daqui pra frente o senhor considera correto o procedimento de que o delator tem que se pronunciar antes nas alegações finais?

Vamos inverter: que o delatado fale por último. Essa é que é a doutrina clássica do exercício do contraditório e da ampla defesa no universo do sistema acusatório.

O ex-PGR Rodrigo Janot afirmou em entrevistas ter ido armado ao STF com o objetivo de matar um ministro. Depois o ministro Alexandre de Moraes determinou busca e apreensão contra Janot, de ofício, sem pedido do MPF. A ANPR se posicionou contrária. Qual a avaliação do senhor desse cenário todo?

Existem alguns aspectos a serem considerados neste momento pelo procurador-geral da República. Primeiro, que a conduta de um membro da ativa ou aposentado isoladamente não pode comprometer ou macular a instituição, que é composto na sua grande maioria por pessoas não só qualificadas tecnicamente, mas moralmente idôneas e equilibradas para exercer as suas funções institucionais. Por outro lado, nós não podemos deixar de compreender que neste momento eu não disponho dos elementos investigativos acerca dos fatos para me manifestar e mesmo se os detivesse, eu só deveria fazê-los nos autos.

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O senhor já falou em rever medidas de Raquel Dodge, como portarias de nomeações. Mas em relação aos pareceres judiciais, já definiu qual posicionamento irá tomar?

Não. Os processos têm curso e têm as suas fases. Todos eles voltarão à PGR e ao voltar à PGR nós vamos reexaminar cada um deles. A depender do conteúdo, vamos ratificar ou não os entendimentos adotados pela eminente procuradora-geral da República que me antecedeu.

O pedido de federalização do caso Marielle, por exemplo, o senhor já teve uma chance de analisar?

Em concreto não, mas posso lhe dizer que a federalização, em tese, é sempre possível quando as autoridades estaduais não apresentam as condições necessárias para investigar a verdade real.

Na reta final, Dodge enviou o acordo do Léo Pinheiro ao STF pedindo o arquivamento preliminar de trechos envolvendo políticos importantes. O senhor pretende reavaliar?

À medida que essas ações voltem à Casa vamos reavaliar. Mas isso vai depender do retorno do processo ao MPF. A doutora Raquel deixou 5.473 processos no acervo. Não posso ser o engavetador-geral da República. Existe um grupo de trabalho se valendo da metodologia do Conselho Nacional de Justiça, do CNMP, com metas a cumprir. Vamos divulgar os 5.473 processos que recebemos e vamos estabelecer um sistema cronológico para extinguir esse passivo no menor tempo possível, observando a cronologia. Os mais antigos serão apreciados primeiro para evitar a prescrição desses processos.

Como será a relação com procuradores de primeira instância? O senhor teme que por não ter sido eleito pela lista tríplice eles façam ações para retaliar o governo ou senhor?

Existe a lei de abuso de autoridade, existe a nossa lei complementar 7.593 que coloca deveres e condutas ao membros do MPF. Não teremos dificuldade alguma de aplicar essa lei e mesmo a lei de abuso de autoridade. Mas eu tenho confiança na grande maioria dos colegas de todas as instâncias, que esses colegas saberão se comportar dentro da Constituição e das leis. Não temo retaliação nenhuma.

Muitos setores ligados ao MPF e Judiciário tem criticado pontos da lei de abuso de autoridade descritos como genéricos e que seriam usados para punir quem atua de maneira regular.

Eventual norma penal dotada de tamanha generalidade que você sugere pode ser questionada na via de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Se isso acontecer, nos manifestaremos no caso. Mas é importante confiar no próprio sistema de Justiça brasileiro. Se quem vai julgar o juiz que abusa é outro juiz, se quem vai julgar o procurador ou promotor é o outro colega, é precisa que tenhamos confiança no sistema. Temos que acreditar que a lei de abuso de autoridade não deve ter a força de restringir a atuação dos agentes públicos que atuam no sistema de Justiça, porque quem vai acusar e julgar é um colega, um par. O que pode ter nesse universo, e que já me perguntaram, é a possibilidade de corporativismo. O que eu respondo é que as diversas instâncias do Poder Judiciário, sejam as instancias administrativas do CNJ e CNMP, farão a fiscalização de um eventual corporativismo que proteja os membros de cada corporação. O sistema funciona como um meio de freios e contrapesos para efeito de evitar e prevenir que haja abusos dentro do próprio ato de apurar os abusos.

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Evandro Garcia

02/10/2019 - 07h50

Esse tem jeito de ser um aparelhador profissional, uma toalha boa para qualquer mesa.


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