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Ackerman: “Biden não irá fazer acordos com Bolsonaro”

Semana passada, eu e jornalista Paula Schmitt conversamos com um importante pensador americano, Bruce Ackerman, professor na universidade de Yale, e autor de dezenove livros sobre filosofia política, direito constitucional, e políticas públicas, e um dos nomes cotados para vir a ser o novo Secretário de Justiça do governo Biden (cargo similar ao nosso Ministro […]

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Semana passada, eu e jornalista Paula Schmitt conversamos com um importante pensador americano, Bruce Ackerman, professor na universidade de Yale, e autor de dezenove livros sobre filosofia política, direito constitucional, e políticas públicas, e um dos nomes cotados para vir a ser o novo Secretário de Justiça do governo Biden (cargo similar ao nosso Ministro da Justiça).

Ackerman é um democrata entusiasta da candidatura Biden e acompanha de perto a política no Brasil. 

Antes mesmo de começarmos a entrevista, e referindo-se ao Brasil, ele nos falou da importância da unificação e centralização das oposições num só candidato. Para ele, partidos de esquerda e de centro deveriam se unir e elaborar estratégias de curto e longo prazo. Para o curto prazo, deveriam deliberar como lidar com esses próximos dois anos, mitigando as crises na saúde e na economia; para o longo prazo, o desafio é evitar que um político autoritário, com tendências fascistas, tome novamente as rédeas do poder. Ele explicou que tem participado de debates no Chile, e que essa é a preocupação atual dos chilenos: blindar a sua democracia contra movimentos antidemocráticos no futuro.  Ele defendeu que uma dessas blindagens anti-autoritárias seria a instituição de regimes parlamentaristas.

Ackerman citou o exemplo da África do Sul, que estava rumando, como o Brasil, na direção de uma ditadura, mas sua sociedade se organizou e derrotou esse movimento.

Para Ackerman, com a possível derrota de Trump nas eleições que se encerram nesta terça 3, e uma eventual derrota de Bolsonaro em 2022, e considerando ainda o governo progressista no México, teremos a possibilidade de termos, no futuro breve, uma “aliança pró-democracia” entre os três maiores países do “Novo Mundo”.

Ackerman procurou se mostrar otimista quanto ao futuro das democracias e da luta por justiça social no continente. 

“A mensagem que quero passar é que existe um caminho e ele é viável. Nada imaginário ou utópico. Viável. Existe um caminho para o rejuvenescimento da nossa democracia constitucional e da luta por justiça social”, disse Ackerman.

Incomodada com o que lhe pareceu romantismo político exagerado, Schmitt – minha parceira na entrevista – lembrou que a última gestão democrata – com Obama – promoveu mais guerras, matou e deportou mais gente do que a atual administração Trump. 

Ackerman admitiu que o governo Obama cometeu erros terríveis, e que não os defendia, mas assegurou que um eventual governo Biden seria diferente. 

O professor disse ainda uma vitória de Biden representaria um duro golpe contra o governo Bolsonaro, porque Biden “não fará acordos com o governo brasileiro”. Para Ackerman,  a prioridade da Casa Branca, numa gestão do partido democrata, será reestabelecer os laços com a Europa. Quanto ao Brasil, ficaria sem acordos relevantes com os EUA até que Bolsonaro fosse derrotado em 2022.

Diante dessa quase “ameaça”, Schmitt pergunta senão seria melhor para o Brasil que Trump vencesse, já que a perspectiva das relações entre EUA e Brasil seria tão sombria durante um eventual governo Biden. 

Ackerman responde que o nosso “sacrifício” valeria a pena, porque teria duração de apenas dois anos, e isso seria melhor do que vivermos uma “idade das trevas” de muitas décadas. 

Conversamos também sobre a operação Lava Jato, e sobre o problema da judicialização da política, e dos riscos de manipulação política no combate à corrupção.

Ackerman defendeu o modelo usado em Hong Hong, onde se criou uma burocracia especializada no combate à corrupção, totalmente independente de outros órgãos estatais, composta por servidores que, ao mesmo tempo que são regiamente remunerados, sofrem punições severas em caso de excessos ou erros na condução de suas investigações. 

Ackerman defendeu ainda que a Constituição brasileira fosse revisada e modernizada, por uma Assembleia Constituinte, visando simplificar e reduzir o texto, o qual, segundo ele, seria “longo demais, tenta fazer coisas demais”.

***

Alguns trechos da entrevista:

ACKERMAN: “Eu sei que agora todos estão bem tristes (e devem estar mesmo). Mas a mensagem que quero passar é que existe um caminho e ele é viável. Nada imaginário ou utópico. Viável. [Existe um caminho] para o rejuvenescimento da [nossa] democracia constitucional e da luta por justiça social, dentro de um regime de democracia constitucional.”

Paula Schmitt: O que a oposição do Trump na América pode ensinar para a oposição do Bolsonaro no Brasil, considerando que vocês têm um sistema bipartidário aí e nós temos um sistema multipartidário aqui?

ACKERMAN: O partido democrata é uma coalizão da esquerda, democratas socialistas, de um lado, e centristas, de outro. Essas são as duas ideologias básicas. E a questão crucial era se nós iríamos nos unir. Se iríamos conseguir nos unir e concentrar toda a nossa energia, organização e mobilização em só um candidato. Digamos que um dos candidatos é radicalmente inaceitável para um dos lados. Eles iriam simplesmente sentar e não tentariam mobilizar milhões de seguidores para votar contra o Trump.

Paula Schmitt: O que uma vitória de Biden significaria para o Brasil? Em termos mais específicos, como acordos comerciais. Como isso afetaria nosso país?

ACKERMAN: O ponto crucial é que Biden (e eu o conheço há muitos anos) acredita na democracia. Ele não irá fazer acordos com o Bolsonaro. Ponto final. Ele não irá. O Brasil é importante mas não tão importante assim para a economia americana. 

Ele primeiro irá focar sua atenção em reconstruir as nossas alianças e relações com a Europa. Somente em 2022, após vocês derrotarem o Bolsonaro, que o novo governo democrático no Brasil poderá celebrar um grande acordo com os EUA. Trump está fazendo acordos agora somente para ganhar as eleições em Iowa.

Paula Schmitt: Professor Ackerman, deixe-me ser um pouco pragmática. Você disse que caso Biden seja eleito, ele não irá negociar com o Brasil enquanto Bolsonaro esteja no poder. Considerando que ainda temos dois anos do Bolsonaro no poder, então eu acredito que desse momento em diante, está no meu interesse que o Trump seja reeleito para que o meu país possa ter acordos com os Estados Unidos pelos próximos dois anos.

ACKERMAN: Mas sacrificando os próximos 30 anos?

Paula Schmitt:  Sim, o problema é quando você fala sobre bombardeamentos. Obama matou mais pessoas durante o seu governo do que o Trump [ACKERMAN: É verdade, mas…]. Obama também baniu mais imigrantes até o ano passado, essa foi a contagem.

ACKERMAN: Eu concordo com você. Eu não estou defendendo o Obama. Eu me opus a essas guerras. Eu penso que o Obama foi desapontador. Mas eu não acredito que Biden seja como Obama. Ele tem quatro anos, esse é o seu legado. Ele sabe que ele vai ser sucedido por outra pessoa. Eu acredito que nos últimos 30 anos, de Clinton a Obama, depois de todas essas pessoas, o caminho foi preparado em diversos modos para o Trump. Eu não estou defendendo os últimos 30 anos.

A questão não são os últimos 30 anos. A questão são os próximos 30 anos. Tudo bem, pelos próximos dois anos, Bolsonaro e o povo brasileiro terão que pagar. Paradoxalmente, Bolsonaro está indo bem, com o Bolsa Família o ajudando. Há muitos paradoxos nessa situação atual. Mas a questão crucial para os brasileiros da próxima geração é o futuro. E eu digo que vocês terão que pagar esse preço pelos próximos dois anos. Mas esse preço vale a pena ser pago caso para que nós do mundo novo possamos recuperar coletivamente, a nossa democracia.

Paula Schmitt: Miguel está te perguntando sobre a Operação Lava Jato. Ele te pergunta se houve mesmo acordos judiciais feitos entre os Estados Unidos, ou promotores americanos e promotores brasileiros, se você está ciente dessas negociações porque de certo modo, realmente houve: a Petrobras foi processada nos Estados Unidos.

Miguel também quer saber se há um risco do sistema judiciário tomar as rédeas da política de certo modo, interferindo num nível em que a política seja deixada de lado.

ACKERMAN:  Bem, eu não tenho nenhum conhecimento, eu realmente não tenho. Eu não estou numa posição de comentar sobre qualquer fato em particular. Mas sobre a questão maior, estou inteiramente de acordo. O que estou argumentando é que a política deve vir primeiro. A política deve vir primeiro em derrotar Bolsonaro e então organizar uma Assembléia Constituinte que irá revisar as falhas óbvias da constituição brasileira. A constituição brasileira tem 35 mil palavras. Ela é longa demais. Ela tenta fazer coisas demais.

Podemos ir atrás e explicar como Sarney tinha somente um objetivo, que era permanecer no poder. Como ele fez vários acordos que não faziam sentido. E agora vemos que para coisas como a Lava Jato, precisamos ter uma instituição anti-corrupção independente. Vejamos ao redor do mundo, podemos ver exemplos. Vamos aprender da experiência das histórias de sucesso.

Paula Schmitt: O que você usaria como um exemplo desse tipo de comitê independente?

ACKERMAN: Hong Kong. Desde os últimos 30 anos, eles possuem uma instituição especial anticorrupção independente. Com uma burocracia independente. E eles são pagos 400 mil dólares por ano, cada um deles. Mas caso sejam pegos, eles são demitidos e perdem todas as suas pensões e dinheiro. Então, cada um deles, são profissionais treinados e não está no interesse deles de aceitar propina porque eles irão perder, não só a sua reputação…

Paula Schmitt: Eles são promotores? Esse é o estado deles?

ACKERMAN: Não, não. Devemos fazer duas coisas com as instituições. Precisamos criar incentivos. Se você pagar eles um valor alto e dizer que caso encontre qualquer resquício de evidência que alguma propina foi recebida, irá ser demitido. 

Paula Schmitt: Essas pessoas que recebem 400 mil por ano de que você está falando sobre, eles são promotores que vigiam a corrupção ou são legisladores? Eu não entendi.

ACKERMAN:  Eles são de uma agência independente. Fazem parte de uma elite burocrática especial. Como na França. Na Alemanha também há um sistema isolado de regulação de corrupção. Há muitos lugares com os quais podemos aprender. 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Tony

03/11/2020 - 09h37

Esse tal de Biden me parece um velhinho ranzinza em fase avançada de senilidade

O que ele disse sobre a Amazonia é perigoso para a sobernia nacional brasileira…Bolsonaro justamente nao irà aceitar eventual intervencionismo.

Gedeon

03/11/2020 - 08h57

Até a chegada do vírus a reeleição de Trump era certa.

Encaixou direitinho para a China, aconteceu tudo sem querer…

    Valeriana

    03/11/2020 - 12h06

    Serà que os americanos vao fazer a cagada de eleger Sloppy Joe diante do momento atual do mundo…?

Diógenes

03/11/2020 - 08h34

Esses “democratas” gostam de uma guerra não é de ontem.

Aureliano

03/11/2020 - 06h17

Fora de Pauta

Maia: “Estamos caminhando a passos largos para o precipício”

Maia tem razão, mas ele é um dos principais colaboradores desse caos intencional, por manter-se sentado em dezenas de pedidos de impeachment.

No campo dos Direitos Humanos, por exemplo, os torturadores e assassinos se exibem à luz do dia, com a certeza absoluta da impunidade.

ALÔ FUX, ALÔ LUIZ ROBERTRO BARROSO, ALÔ SUPREMA CORTE, ALÔ RODRIGO MAIA!

O presidente Bolsonaro é garoto propaganda de uma escola
de formação de torturadores assassinos.

No BraZil de Bolsonaro, assassinar bebês dá muito prazer a alguns facínoras, e eles são estimulados pelo próprio presidente da república a praticarem atos criminosos. Onde vamos parar com isso tudo?

É o que denuncia o jornalista Bob Fernandes neste vídeo:

https://youtu.be/_vZTyET-KDg

Paulo

02/11/2020 - 20h19

Meu Deus! Quanto intervencionismo! Independentemente de Bolsonaro – que eu deseje ardentemente que seja impichado – ou quem quer que seja, há uma relação histórica entre os dois países, que não pode se perder de vista…Ideias como essa, que não consideram a diplomacia e ameaçam “retaliações” contra nosso país, deveriam ser condenadas consensualmente pelos políticos brasileiros. Estão nos jogando no colo da China…Falta de visão total! Assustador e desalentador…

    Luan

    03/11/2020 - 09h40

    Que nada…tudo que as nossas esquerdetes querem é serem escravas desses “pseudo-democrata”.

    Galinzé

    03/11/2020 - 09h46

    Caso alguem ponha o bico nos assuntos brasileiros a esquerda sem duvida alguma se jogarà no colo dos imperialistas americanos como de costume…alguém duvida ?

    Ronei

    03/11/2020 - 09h53

    O unico interesse da esquerda seria tirar vantagem para ganhar pontos, abririam certamente o caminho para os EUA.

    Essa gente vende a propria mae e entrega o pai de brinde no negoçio pelo poder…imagine defender o proprio paìs do “colonialismo yankee”.

    Deixaram o Brasil completamente quebrado, sem um centavo para fazer absolutamente nada para o meio ambiente…essa gente é uma desgraça ambulante.

Alan C

02/11/2020 - 19h20

Biden provavelmente vai ser eleito e a questão ambiental vai triturar a bozolândia.

    Vixen

    03/11/2020 - 09h44

    A questão ambiental brasileira pertence exclusivamente ao Brasil…o resto é intervencionismo.

    Quero sò ver a esquerda nesse caso “lutar contra o imperialismo e ocolonialismo americano”…eu acho que como de costume irao baixar as calcinhas.

      Alan C

      03/11/2020 - 10h57

      Depois vc explica o que tropas americanas estão fazendo na Amazônia, rs.

Alexandre Neres

02/11/2020 - 16h37

Vale frisar que Bruce Ackerman e Susan-Rose Ackerman, sua esposa, foram signatários do abaixo-assinado clamando por Lula Livre por ter sido vítima de uma farsa judicial e de perseguição política, subscrito por renomados juristas mundo afora. Susan era inclusive mentora do moleque Tantã Dinheirol no que respeita ao combate à corrupção, sendo uma das maiores estudiosas sobre o assunto em nível global. Diante da ciência das arbitrariedades e ilegalidades perpetradas contra Lula, disseram-se chocados com a manipulação dos fatos e a parcialidade do juiz ladrão.

    Hilario

    02/11/2020 - 19h57

    Nao havia motivo para jogar a reputaçào do sujeito no esgoto….kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Alex

    03/11/2020 - 12h43

    Nao pode ser dado credito a ninguém q tenha apoiado o lula livre.


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