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J. Carlos de Assis: Uma cena de embaixada vendo o discurso de Bolsonaro na ONU

Por J. Carlos de Assis Adoro filmes de época. Sobretudo quando apresentam maravilhosas cenas em salões imperiais da Europa da Belle Époque, com aquelas lindas e lânguidas princesas e arquiduquesas rodopiando ao ritmo de valsas de Strauss nos braços de jovens cavalheiros de olhos azuis, com suas espadas cerimoniais, prontos a ir para suas guerras […]

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Por J. Carlos de Assis

Adoro filmes de época. Sobretudo quando apresentam maravilhosas cenas em salões imperiais da Europa da Belle Époque, com aquelas lindas e lânguidas princesas e arquiduquesas rodopiando ao ritmo de valsas de Strauss nos braços de jovens cavalheiros de olhos azuis, com suas espadas cerimoniais, prontos a ir para suas guerras gloriosas. Os espelhos, os salões grandiosos, os jardins em volta, tudo evocando o glamour de uma época que aparentemente não volta ou voltará.

Ou volta. Se há um ambiente onde essas cenas de fantasia, regadas aos melhores vinhos franceses e italianos, costumam dar o sinal de sua graça são os salões dos consulados e das embaixadas contemporâneas. Em qualquer país e de qualquer país. Seja você mesmo um convidado especial para jantar na embaixada do mais pobre país africano, e experimentará coquetéis deliciosos e o mais apurado caviar, tudo servido em baixelas da mais pura elegância. Como se fala nos ambientes superiores, noblesse oblige.

Quem frequenta esses lugares? Empresários, artistas, intelectuais. A fina flor das sociedades burguesas. E uma categoria especial: oficiais superiores das Forças Armadas. Ou seja, o pessoal acima de tenentes coronéis. Eles se entendem maravilhosamente bem, sobretudo quando não estão em guerra atirando uns nos outros. São da mesma espécie. Falam a mesma língua, em geral o inglês, embora ainda com alguma frequência o francês e o espanhol.

Têm os mesmos gostos básicos, praticam os mesmos esportes, comentam os mesmos filmes. Suas mulheres se parecem umas com as outras e têm gostos semelhantes. Ou seja, têm uma cultura comum. É costume que oficiais superiores de um país sirvam nos Estados Maiores de outros países. Por exemplo, temos um quatro estrelas brasileiro junto ao comando da IV Frota  norte-americana, reativada como uma ameaça velada ao pré-sal. Tudo muito bonito, tudo muito educado.

Agora imagine uma cena de embaixada para a qual foram convidados você e  oficiais generais brasileiros justamente para assistir à inauguração da última Assembleia Geral das Nações Unidas. Ela seria aberta, como de costume, por um solene discurso do presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro. Olhe a cara deles na medida em que o discurso avança. Veja em que altura estão, pelo meio do discurso. E olha para eles no fim da fala. Então, prepare-se: todos levantam um brinde ao presidente do Brasil.

Se, no meio da festa, ocorrer a presença de um cínico, ele se dirigirá ao primeiro quatro estrelas brasileiro e perguntará com um sorriso zombeteiro: – Então, foi este sujeito que as Forças Armadas escolheram para ser presidente do Brasil? Onde vocês estavam com a cabeça? Sim, havia o risco de o partido de Lula ganhar as eleições. Mas Lula havia sido presidente por oito anos e jamais teve qualquer tipo de atrito com as Forças Armadas! Expliquem, portanto, por que ajudaram a prendê-lo?

Não, meu caro general quatro estrelas, não me venha dizer que foi o povo que escolheu Bolsonaro, e não vocês. Esta não dá para engolir. Eu estava ali, na primeira fila de cumprimentos na posse de Bolsonaro, quando ouvi claramente o presidente recém-empossado dizer ao  general Villas Boas, comandante do Exército no período da campanha, que não teria sido eleito sem a ajuda dele. Ouvi com os meus próprios ouvidos que a terra há de comer. E sou muito bom de ouvido.

Agora, senhor general de quatro estrelas brasileiro, me permita lhe dar um conselho: não se meta mais em assuntos políticos do seu país. Vocês estão fazendo cagadas gigantescas na vida política brasileira desde que derrubaram o Imperador Pedro II, o grande estadista cuja sabedoria e equilíbrio jamais foram alcançados por qualquer de seus presidentes republicanos, militares ou civis. Derrubaram-no para castigá-lo por ter libertado os escravos e contrariado os interesses dos grandes proprietários rurais, a quem vocês prestam serviços ainda hoje, e não ao povo que paga seus soldos.

Façam como o general Pujol, anterior comandante do Exército, e seus colegas comandantes da Marinha e da Força Aérea, que se recusaram a colaborar com o projeto golpista de Bolsonaro a trair a Pátria e ao povo brasileiro. Aceitaram a humilhação da demissão, mas não a desonra do golpismo.  Fiquem nos seus quartéis cuidando de assuntos militares e, quando tiverem tempo vago, dediquem algum esforço à Economia, para não entregarem o poder supremo da República a um vigarista de terceira categoria que, tão ignorante de questões publicas quanto Bolsonaro, afundou o país no caos econômico atual. 

Ponham os generais da reserva no lugar deles, com as delícias de uma aposentadoria privilegiada em condições muito superiores às dos civis, em lugar de se empoleirarem no Planalto e em suas cercanias para se aproveitarem de mordomias que poderiam até mesmo serem perdoadas, se não viessem juntas de uma intromissão indevida e incompetente nos serviços públicos. Parem de planejar e dar golpes. Vocês não fundaram a Nação, que lhes é anterior. Apenas inventaram uma República que tem sido mais para seu próprio proveito do que para o proveito do povo.

Entretanto, estamos num tempo em que mergulhamos numa crise de proporções tão gigantescas que não podemos lhes culpar por todas elas. Afinal, temos tido elites grotescas que viveram permanentemente de costas para o povo. Finalmente, parecem estar acordando. Há certas crises, como a das mudanças climáticas e energéticas, que nos acordaram para a evidência de que estamos todos no mesmo barco, ricos e pobres, opressores e oprimidos, generais e soldados. Sem ressentimentos, temos que buscar soluções comuns. Ou afundamos todos juntos.

Estou coordenando esforços para construir no Brasil o único caminho em que acredito para a solução para as profundas crises conjunturais e estruturais nas quais estamos mergulhados. O Pacto Social. É difícil, mas não impossível. As próprias crises exercem uma espécie de pedagogia da realidade. Que adianta passar o fim de semana no espaço sideral se você não pode andar depois de dez da noite numa rua de Copacabana por causa da falta de segurança? Que adianta ter uma grande capacidade produtiva se você corre o risco de ficar sem energia elétrica para movimentá-la?

Infelizmente, o discurso de Bolsonaro na ONU foi tão perturbador para brasileiros e estrangeiros que ninguém prestou muita atenção no pronunciamento de Joe Biden, anunciando uma nova era para a humanidade. Sim, o que Biden fez foi confessar a impotência norte-americana em impor sua hegemonia no mundo por meios militares. Saímos da Idade da “guerra como exercício da política por outros meios” para o tempo da diplomacia como recurso supremo das relações internacionais no mundo nuclearizado. Ou para a “Idade da Cooperação”, título de livro que acabo de escrever mostrando as mudanças profundas de paradigmas reconhecidas por Biden.

Este livro está sendo publicado pela Amazon junto com dois outros, “A saída crise pelo caminho do Pacto Social”, e “A Era da Prosperidade”. Neste último caso, é o futuro que nos espera. Afundamos tanto nas crises que já não temos saída a não ser voltar do fundo do poço e perseguir uma realidade futura com menos crises e cada vez mais próspera, onde homens e mulheres tenham iguais oportunidades de realização material e espiritual, sem discriminações, e sem a odiosa concentração de renda e de riqueza que caracteriza a situação atual. Com isso, talvez não seja impossível nos imaginar de volta aos elegantes salões de Viena, com mais Strauss e sem guerras!

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