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Jacqueline Muniz: Sobre o insucesso das buscas em Mossoró

Por Jacqueline Muniz – DSP/UFF Não há como apontar com rigor onde se deram as possíveis falhas na operação de busca e captura sem as informações internas do planejamento e gestão desta operação. Isto é, não há como fazer análises robustas e controle externo substantivo sem um relatório de prestação de contas que apresente em […]

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Jacqueline Muniz. Crédito: Divulgação

Por Jacqueline Muniz – DSP/UFF

Não há como apontar com rigor onde se deram as possíveis falhas na operação de busca e captura sem as informações internas do planejamento e gestão desta operação. Isto é, não há como fazer análises robustas e controle externo substantivo sem um relatório de prestação de contas que apresente em detalhes as missões atribuídas, os meios logísticos empregados e os modos táticos adotados a luz dos custos.

Porém, nestas operações policiais de larga escala que empregam forças distintas, com competências e capacidades diversas, não se pôde observar a aplicação de uma doutrina policial comum com protocolos interagências que orientassem a combinação do emprego dos recursos policiais em razão de suas competências e capacidades operacionais diferenciadas. E, menos ainda, não se observou uma cadeia de comando e controle que articulasse as polícias federais e estaduais.

O que se pôde observar foi um ajuntamento de recursos policiais estaduais e federais sem uma doutrina policial comum clara de busca e captura em cenários adversos. Observou-se uma sobreposição de meios onde cada um fazia o que sabia em uma lógica reativa de pronto-emprego.

Cabe salientar que é fundamental a delimitação prévia das atribuições exclusivas e partilhadas entre os corpos policiais para que não se tenha conflitos de competências, disputas de autoridade e carteiradas no teatro de operações que comprometem a cooperação e o pronto emprego dos recursos mobilizados, cuja permanência e duração no território serão sempre provisórias e pontuais. Assim gastou-se o tempo que é variável decisiva no trabalho policial e que como a ação repressiva, não se tem como fazer estoque diante de seu pronto emprego.

Além da ausência explicita de uma doutrina policial e de protocolos interagência para ação conjunta e coordenada com superioridade de método, cada força seguiu falando a sua própria língua. Mas é preciso ressaltar que outros fatores podem ter contribuído para o insucesso da busca e captura. São eles:

1. o primeiro deles é a complexidade do território, uma área rural. O desconhecimento geográfico por parte dos grupos mobilizados impôs desvantagens logísticas consumindo tempo precioso e impondo desgastes. O tempo é uma variável crítica no trabalho policial em desenho de força-tarefa que, como visto, funcionou mais como “ações conjuntas”.

2. a elevada visibilidade da operação de larga escala, que foi amplamente coberta pelos meios de comunicação, também funcionou como uma desvantagem tática, já que não se pôs em prática protocolos de comunicação social junto a população e as mídias, de modo a favorecer o trabalho policial. Por exemplo, como o acesso as informações e denúncias em tempo real e orientações ao público e, ainda, aos fugitivos que tem acesso a televisão, celulares e, claro, as mídias sociais.

3. A mobilização dos fugitivos com suporte de suas facções de origem era previsível e esperada para garantir a fuga e seu sucesso. Assim o monitoramento policial menos visível e mais discreto de integrantes destes grupos deveria trazer vantagens operacionais nas ações de busca e cerco. Mas, para tanto, seria necessário o trabalho articulado e conjunto de inteligência e investigação sob a coordenação federal da PF entre as polícias dos estados fronteiriços e de origem dos integrantes. Aqui os monopólios do conhecimento e da informação entre as polícias e as chefias podem ter consumido mais tempo e recursos, ampliando as desvantagens tático-operacionais.

4. cabe esclarecer que os MEIOS tecnológicos empregados, em volume, quando desarticulados dos MODOS táticos de ação de cada grupo policial e dissociados de um FIM comum, distribuídos em missões para cada equipe, sem sintonia com a doutrina de operações especiais policiais, não são capazes de garantir seu resultado apesar de sua ostentação.

Ressalte-se que operações policiais são sempre provisórias e pontuais, ou seja, tem um prazo de validade para produzir resultado. Não se tem como sustentá-las de forma indefinida no tempo sem gerar escassez de polícia para a população e inviabilizar a rotina do trabalho policial. Quanto mais uma operação se arrasta no tempo mais ela vai perdendo fôlego e aumentando suas desvantagens tático-operacionais, pois se esgotam os meios policiais empregados sem possibilidade de complementação e suplementação de recursos.

Que o trabalho conjunto de forcas tarefas, um desenho tático sempre pontual, e a articulação de corpos táticos de distintas forças, motivem a construção de uma doutrina policial de uso potencial e concreto de força que, de fato e de direito, ultrapassem a torre de babel entre as polícias e destas com as FFAA, que segue tendo elevado rendimento eleitoral, a despeito de nossa insegurança de cada dia!

***

Quem é Jacqueline Muniz:

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense – UFF em 1986. Mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1992. Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ, Universidade Candido Mendes (1999) com a tese Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser: cultura e cotidiano da PMERJ. Professora adjunta do Departamento de Segurança Pública e do Mestrado de Justiça e Segurança Pública (DSP), Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC) da UFF. Professora do curso Tecnólogo em Segurança Pública e Social CECIERJ/UFF. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Conflitos e Sociedade / NECSo/DSP/IAC-UFF. Sócia fundadora da Rede de Policiais e Sociedade Civil da América Latina e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Integrante da Rede Fluminense de Pesquisadores sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos. Exerceu as funções públicas de diretora do Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública / SENASP/Ministério da Justiça (2003); Coordenadora Setorial de Segurança Pública, Justiça e Direitos Humanos (2002) e Diretora da Secretaria de Segurança Pública (1999) Governo do Estado do Rio de Janeiro. Participou da formulação e implantação de diversos projetos no âmbito das políticas públicas de Segurança, dentre eles: Instituto de Segurança pública (ISP/RJ), Corregedoria Geral Unificada das Polícias/RJ, Matrizes curriculares das polícias e das guardas municipais, Fundo Nacional de Segurança Pública, Áreas integradas de Segurança Pública (AISP/RJ), Indicadores de desempenho policial, Novos Regulamentos disciplinares da PMERJ e CBERJ, Revisão dos procedimentos operacionais, SUSP e SINESPJC/MJ.

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