O algoritmo do TikTok continua em mãos chinesas, e os adiamentos sucessivos em Washington revelam a incapacidade dos EUA de impor suas próprias regras
A saga do TikTok nos Estados Unidos deixou de ser apenas uma questão corporativa para se tornar um espelho nítido da crescente fragilidade estratégica de Washington diante da ascensão tecnológica da China. Enquanto Pequim demonstra firmeza, coerência e visão de longo prazo na defesa de sua soberania digital, Washington oscila entre ameaças vazias, adiamentos sucessivos e negociações improvisadas que revelam mais desespero do que estratégia. A mais recente confirmação de que o TikTok continuará operando com seu algoritmo original — desenvolvido em Pequim — é mais do que uma vitória comercial: é um sinal inequívoco de que a China não cederá sua tecnologia mais valiosa sob pressão estrangeira.
A disputa em torno do aplicativo de vídeos curtos, outrora visto como uma simples febre juvenil, transformou-se em um campo de batalha simbólico entre dois modelos de poder: um baseado na inovação soberana e na proteção da propriedade intelectual nacional, e outro ancorado em acusações infundadas, protecionismo tecnológico e medo da própria sombra.
Enquanto autoridades chinesas, como Wang Jingtao, vice-chefe do regulador de segurança cibernética da China, reafirmam com clareza que o algoritmo do TikTok permanecerá sob controle da ByteDance, o governo americano — agora novamente liderado por Donald Trump — adia prazos, renegocia termos e busca desesperadamente um “acordo” que preserve as aparências, mas que, na prática, já foi vencido por Pequim.
A ironia é profunda. Washington, que há anos se apresenta como guardião da liberdade digital e da inovação aberta, agora tenta impor a alienação forçada de uma tecnologia estrangeira com base em supostas ameaças à segurança nacional — ameaças nunca comprovadas.
Enquanto isso, a China age com prudência regulatória, protegendo seu ativo estratégico sem fechar as portas ao comércio internacional. A decisão de Pequim de permitir o licenciamento do algoritmo, e não sua venda irrestrita, é um ato soberano de defesa da propriedade intelectual nacional — algo que qualquer potência tecnológica faria, inclusive os Estados Unidos, se estivessem em posição semelhante.
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O que mais expõe a fragilidade americana é a própria inconsistência de suas políticas. Primeiro, Joe Biden sanciona uma lei exigindo a desvinculação total do TikTok da ByteDance. Depois, Trump, ao retornar ao poder, suspende a aplicação rigorosa dessa lei, adia prazos e negocia diretamente com Pequim — inclusive com o presidente Xi Jinping — para encontrar uma solução que, no fundo, reconhece a impossibilidade de desfazer o núcleo tecnológico do aplicativo. Se o algoritmo é o coração do TikTok, e esse coração permanece em Pequim, então toda a narrativa de “soberania digital americana” desmorona como um castelo de cartas.
Pior ainda: os próprios assessores americanos reconhecem, com sarcasmo involuntário, que “a China fica com o algoritmo”. Essa frase, dita por alguém próximo às negociações, resume o fracasso estratégico de Washington. Após anos de campanhas de demonização, sanções, ameaças de banimento e pressão sobre aliados, os EUA não conseguiram arrancar da China o controle sobre sua tecnologia mais inovadora. Em vez disso, aceitaram um modelo de licenciamento — exatamente o que Pequim sempre propôs.
A China, por sua vez, demonstra maturidade diplomática e firmeza tecnológica. Ao autorizar a exportação controlada do algoritmo — algo que antes havia restringido justamente para evitar sua apropriação coercitiva —, Pequim não está recuando; está negociando de posição de força. O objetivo declarado é claro: consolidar a imagem da China como potência exportadora de tecnologia de ponta, capaz de competir globalmente sem abrir mão de sua soberania. Enquanto isso, os EUA parecem presos em um dilema autoimposto: não querem o TikTok, mas não conseguem viver sem ele.
A popularidade do aplicativo entre milhões de jovens americanos tornou sua proibição politicamente inviável. Mas, ao mesmo tempo, o establishment de Washington insiste em tratar a tecnologia chinesa como uma ameaça existencial — um discurso que soa cada vez mais como pretexto para conter a ascensão de um concorrente que joga pelas mesmas regras do mercado global, mas com mais eficiência e visão de futuro.
A proposta de criar uma “nova empresa” nos EUA, com participação de Oracle, Andreessen Horowitz e outros gigantes do capital americano, revela mais uma tentativa de mascarar a realidade: mesmo que os dados dos usuários sejam armazenados localmente e o controle acionário mude de mãos, o algoritmo — a alma do TikTok — continuará sendo chinês. E é justamente essa alma que garante a experiência única, envolvente e viciante que fez do aplicativo um fenômeno global.
Diante disso, a pergunta que se impõe não é se a China está “interferindo” nos EUA, mas por que os Estados Unidos, berço da internet e da inovação digital, não conseguiram desenvolver uma alternativa competitiva ao TikTok. A resposta é desconfortável: porque a inovação americana, cada vez mais capturada por interesses financeiros de curto prazo e paralisada por burocracias regulatórias, perdeu o ritmo diante de um ecossistema chinês ágil, integrado e orientado para o usuário.
A disputa do TikTok, portanto, não é apenas sobre um aplicativo. É sobre quem define o futuro da tecnologia global. E nesse jogo, a China está jogando com estratégia, paciência e soberania — enquanto os Estados Unidos tropeçam em suas próprias contradições, adiando decisões, mudando de rumo e, no fim, aceitando as condições impostas por Pequim.
Se há uma lição geopolítica clara nesse episódio, é que a era em que Washington ditava unilateralmente as regras da tecnologia chegou ao fim. A China não está apenas participando do jogo — está reescrevendo as regras. E os EUA, por mais que tentem negar, já começaram a jogar no tabuleiro chinês.


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