Documentos do DHS e do STACC revelam como grupos extremistas tentam recrutar menores em chats privados e comunidades online
Autoridades americanas emitiram alertas neste ano sobre o uso do Discord por grupos extremistas para recrutar jovens, após crescentes preocupações com a radicalização online. A plataforma voltou a ganhar atenção recentemente depois que foi relatado que o suspeito do assassinato de Charlie Kirk utilizou o Discord.
Segundo documentos obtidos pela NBC News, agências policiais estaduais e federais já haviam alertado no início de 2025 que adolescentes corriam risco de serem expostos a conteúdos extremistas na plataforma de bate-papo. As informações constam em duas avaliações de inteligência produzidas pelo Departamento de Segurança Interna (DHS) e pelo Centro Estadual de Análise de Terrorismo e Crimes de Ohio (STACC), que identificaram especificamente o Discord como um ambiente onde jovens americanos podem ser influenciados por organizações terroristas estrangeiras.
Os documentos, embora não classificados, estão marcados como “Somente para Uso Oficial” e foram obtidos pela organização sem fins lucrativos Property of the People, que publica informações governamentais por meio da Lei de Liberdade de Informação. Ainda não se sabe quão amplamente os relatórios foram compartilhados, mas centros de informação policial como o STACC costumam distribuir análises e alertas para outras agências de segurança.
Os relatórios, fundamentados em pesquisas acadêmicas e dados de autoridades policiais, revelam o modo como especialistas em segurança avaliam os riscos de radicalização digital. O FBI se recusou a comentar, e o DHS não respondeu a pedidos de esclarecimento. O Discord também não se pronunciou sobre os documentos.
Criado em 2015 como uma plataforma de comunicação voltada a gamers, o Discord é especialmente popular entre adolescentes do sexo masculino; um estudo do Pew Research de 2023 mostrou que um terço deles nos Estados Unidos usa a plataforma. Apesar de sua popularidade, a rede social já enfrenta críticas por práticas de moderação consideradas insuficientes. Ela permite a criação de grupos privados sobre os mais variados temas, e essa liberdade tem sido apontada como um fator de risco. Em janeiro de 2024, o cofundador e ex-CEO do Discord, Jason Citron, afirmou perante o Comitê Judiciário do Senado que a empresa combina medidas proativas e reativas para fazer cumprir seus termos de serviço e diretrizes da comunidade.
Um memorando do DHS, datado de 21 de janeiro, destacou que “discussões específicas ou conspirações aspiracionais tendem a ocorrer no Discord, onde a idade média dos membros — quando determinável — era 15, de acordo com relatórios acadêmicos”. Em 2021, um estudo do think tank londrino Institute for Strategic Dialogue encontrou 24 servidores em inglês ligados a atividades de extrema direita, também com idade média de 15 anos, discutindo grupos terroristas como a neonazista Atomwaffen Division.
O Discord já foi apontado em investigações de tiroteios em massa. Suspeitos de ataques em Buffalo (Nova York, 2022) e Highland Park (Illinois, 2022) teriam utilizado a plataforma para anunciar ações ou compartilhar conteúdo violento. Em 2024, um atirador escolar em Iowa, que matou duas pessoas antes de se suicidar, avisou no Discord que estava “se preparando” para o ataque.
Um segundo documento, datado de 30 de abril e elaborado conjuntamente pelo DHS e pelo STACC de Ohio, concentra-se nas tentativas de organizações terroristas estrangeiras de radicalizar menores de idade pela internet. O STACC se descreve como o principal centro de fusão de Ohio, especializado em compartilhar informações com autoridades policiais, mas não respondeu a pedidos de comentário da imprensa.
Esses alertas reforçam a urgência de monitorar ambientes digitais frequentados por jovens e de aprimorar mecanismos de prevenção à radicalização online, trazendo à tona debates sobre segurança, liberdade na internet e responsabilidade das plataformas.
Desde agosto de 2023, autoridades dos EUA, segundo informações do STACC, conseguiram impedir três ataques em diferentes regiões do país em que jovens haviam compartilhado mensagens do grupo terrorista Estado Islâmico em ambientes online, incluindo chats privados do Discord e plataformas de jogos.
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O memorando de abril ressalta ainda que extremistas violentos domésticos não apenas circulam conteúdo agressivo em plataformas frequentadas por jovens, mas chegam a incentivar explicitamente menores a cometerem atos de violência antes de atingirem a maioridade legal. O documento destaca que, entre janeiro e novembro de 2024, países ocidentais conseguiram interromper mais de 20 conspirações conduzidas por jovens, reforçando o impacto do monitoramento e da prevenção internacional.
Embora grande parte dos relatórios trate da radicalização promovida por grupos terroristas estrangeiros, eles também evidenciam que adolescentes americanos foram expostos a conteúdos do ISIS em espaços digitais voltados a menores. Um dos memorandos aponta que fatores como mudanças no comportamento online após a pandemia, isolamento social e aumento dos problemas de saúde mental contribuíram para tornar os jovens mais suscetíveis a esse tipo de mensagem.
O Discord voltou a ganhar atenção nas últimas semanas depois que autoridades revelaram que o suposto assassino de Charlie Kirk utilizou o aplicativo de bate-papo para se comunicar com amigos após o crime. Até o momento, nenhuma autoridade sugeriu que o suspeito tivesse coordenado o ataque com outras pessoas. A plataforma confirmou em comunicado que o suspeito possuía uma conta ativa, mas afirmou que “não encontrou nenhuma evidência de que o suspeito planejou este incidente ou promoveu violência no Discord”.
Ainda assim, o caso levou o diretor do FBI, Kash Patel, a informar que a agência investiga mais de 20 pessoas que compartilhavam um canal privado com o suspeito. Diferentemente de muitas plataformas de mensagens, o Discord não criptografa seus canais privados, o que significa que tem acesso técnico às conversas e pode entregá-las às autoridades mediante ordem judicial ou mandado.
Apesar disso, a empresa enfrenta críticas recorrentes por suposta moderação negligente. Ela é alvo de processos judiciais alegando que não faz o suficiente para proteger menores e já foi apontada como plataforma facilitadora de abusos e exploração infantil. O Discord, por sua vez, evita comentar sobre casos legais, mas afirma ter intensificado suas práticas de segurança.
O relatório de transparência mais recente da plataforma revela que, no primeiro semestre de 2024, 36.966 contas foram desativadas por promover conteúdo violento, gráfico ou extremista. Durante o mesmo período, o governo dos EUA solicitou informações sobre contas ou servidores de usuários em 3.782 ocasiões, demonstrando a magnitude do monitoramento realizado pelas autoridades.
À medida que o debate sobre segurança online e liberdade digital ganha força, o Discord permanece no centro das atenções, refletindo o desafio de equilibrar a proteção de jovens com a preservação de espaços virtuais amplos e diversificados.


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