Dados do Banco Central mostram que o comprometimento de renda chegou a 28,8% em setembro, o maior já registrado, impulsionado por juros elevados e orçamento cada vez mais comprimido
O aperto no orçamento das famílias brasileiras voltou a ganhar força e alcançou um patamar inédito, segundo dados divulgados pelo Banco Central nesta quarta-feira (26). O comprometimento de renda chegou a 28,8% em setembro, o maior índice de toda a série histórica, consolidando um cenário de fragilidade que afeta principalmente os lares de menor renda.
Somente com o pagamento de juros — que seguem elevados em meio ao aperto da política monetária — as famílias destinam 10,23% de tudo o que ganham, um custo que pesa diretamente sobre a capacidade de consumo e de organização financeira.
Avanço supera período que motivou o Desenrola
O dado atual é pior do que o registrado em julho de 2023, quando o governo lançou o programa Desenrola para tentar socorrer milhões de brasileiros endividados. À época, o comprometimento de renda estava em 27,3%. O programa, que ofereceu descontos de até 90% e se estendeu por cerca de um ano, havia ajudado a aliviar momentaneamente a pressão sobre quem se viu esmagado pelos juros recordes.
Ao longo de 2024, o indicador até chegou a cair temporariamente e operar próximo de 26%, mas começou a subir de forma sustentada a partir de dezembro. Do piso observado entre o fim de 2023 e o início de 2024 até agora, o salto foi de quase 3 pontos percentuais — retomando e ultrapassando justamente o nível que levou o governo a lançar um programa emergencial.
Crédito mais caro empurra famílias para modalidades de alto risco
Segundo o Banco Central, o agravamento do quadro resulta de uma combinação perversa: maior contratação de crédito no segundo semestre de 2024, juros mais altos e atividade econômica em desaceleração. Com menos fôlego no bolso, mais famílias têm recorrido a modalidades notoriamente caras — como rotativo do cartão, cheque especial e empréstimos pessoais — apenas para manter o básico funcionando.
A nota do BC detalha o avanço das taxas: os juros médios das novas concessões para famílias chegaram a 36,6% ao ano, alta de 0,3 ponto em um mês e 4,2 pontos em 12 meses. Para empresas, a taxa alcançou 21,7% ao ano.
Endividamento volta a crescer e se aproxima de nível pré-recorde
Além do comprometimento de renda, o endividamento total das famílias também subiu. A relação entre o estoque de dívidas e a renda acumulada dos últimos 12 meses chegou a 49,1% em setembro, acima dos 48,95% registrados em agosto e dos 48,64% de julho.
O indicador estava perto de 47% um ano atrás e, antes da pandemia, permanecia abaixo de 44%. Com isso, a tendência é de retomada da curva ascendente que marcou os períodos de juros altos e renda comprimida.
Evolução do endividamento das famílias:
- 2022 — 49%
- 2023 — 47,69%
- 2024 — 48,44%
- 2025 — 49,10% (até setembro)
Inadimplência cresce e atinge maior aceleração anual em três anos
A piora no orçamento das famílias não fica restrita aos números de dívida. A inadimplência no sistema financeiro atingiu 4% em outubro, uma alta de 0,83 ponto percentual em 12 meses — a maior aceleração anual em três anos.
Há um ano, o índice era de 3,17%. Em 2023, girava em torno de 3,3%, e, em 2022, no auge do ciclo de aperto monetário, havia chegado próximo ao patamar atual.
Os dados mostram uma realidade dura: enquanto a renda cresce pouco e o crédito fica mais caro, famílias brasileiras entram em um ciclo de endividamento difícil de romper. Para muitos, pagar as contas do mês passou a exigir concessões dolorosas — e a sensação de que o esforço nunca é suficiente. Em meio a esse cenário, o desafio para o país é evidente: construir políticas que aliviem o peso das dívidas sem abandonar quem mais sente o impacto dos juros altos no dia a dia.


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