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Geraldo Prado escreve carta aberta a Barroso e Fachin em favor da liberdade

(Foto: Banco de imagens do STF). De um amigo jurista: “Hoje o STF vai entoar o prelúdio da redemocratização ou o réquiem dos direitos fundamentais.” *** Carta aos Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin Por Geraldo Prado* Escrevo aos Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin em homenagem à sincera admiração que nutro por […]

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(Foto: Banco de imagens do STF).

De um amigo jurista: “Hoje o STF vai entoar o prelúdio da redemocratização ou o réquiem dos direitos fundamentais.”

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Carta aos Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin

Por Geraldo Prado*

Escrevo aos Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin em homenagem à sincera admiração que nutro por ambos há mais de duas décadas, fruto do imenso respeito por suas trajetórias acadêmicas e profissionais.

Escrevo publicamente porque em se tratando de tema que diz com a República não se recomenda a confortável opção pela reserva, cabendo à publicidade o papel de veículo de receios, mas também de legítimas expectativas.

Finda a ditadura empresarial-militar o Brasil experimentou dois processos de impeachment de presidentes eleitos. Foram momentos críticos em nosso recente estágio de amadurecimento institucional democrático. Ainda não sararam as feridas do que cassou o mandato de Dilma Rousseff.

Fato é que quaisquer que sejam nossas opiniões sobre as relações de causa e efeito entre a crise política gerada no último impedimento presidencial e o atual momento de instabilidade, a manifestação do Comandante do Exército, às vésperas do julgamento pelo STF do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, que tem por matéria central a definição do âmbito da presunção de inocência, traz implícita inédita grave ameaça à ordem democrática.

Chegar a esse ponto – que intranquiliza os brasileiros comprometidos com a democracia e a república – apenas foi possível porque antes, a passos largos e decididos, os vários setores responsáveis pela estabilidade democrática decidiram tensionar ao máximo nossa jovem democracia, levando a Constituição ao stress em seu grau mais avançado.

Quer pelos motivos menos honestos, como os que inspiraram o ex-Deputado Eduardo Cunha, quer por razões que à vista de seus autores seriam justificáveis pelo apego a valores de probidade, a realidade é que estes setores colocaram concretamente à prova o sentido mais essencial de integridade das cláusulas fundamentais da Constituição, da legitimidade do exercício dos Poderes ao significado textual inquestionável da Presunção de Inocência, assegurado pelo histórico de sua delimitação na Constituinte de 1987-1988.

As cláusulas pétreas foram testadas como foi testada a resistência da democracia ao desrespeito dessas franquias, violações dissimuladas em superação das suas razões históricas.

O resultado não poderia ser diferente. Se as principais instituições responsáveis por assegurar e aplicar a Constituição acham-se com poder para modificar as regras constitucionais à revelia da proibição expressa na própria Carta, outras pessoas e instituições sentem-se incentivadas a também violar a Constituição a propósito de preservar o seu «espírito».

Havia um motivo político para a proibição de emendas constitucionais relativamente a determinados temas. As três décadas passadas desde 1985 empalideceram a memória desse motivo, mas não o fizeram desaparecer.

A crença constitucional de que determinados temas são intocáveis tem a ver com a experiência histórica de que apenas o amplo e escrupuloso respeito às regras do jogo democrático pode garantir o não retorno ao arbítrio e assim impedir «aventuras» políticas caprichosas, violentas, decididamente criminosas, como são os «crimes de Estado» praticados contra a soberania popular.

Se «um» pode violar a Constituição em virtude de sua confiança pessoal nas «melhores razões», por que «outro» não poderá?

Para alguns trata-se de «garantir a governabilidade» procedendo-se ao impeachment mesmo sem crime de responsabilidade. Para outros, a questão consiste em «por fim à corrupção», contornando-se o aparente obstáculo da presunção de inocência.

No andar da carruagem era previsível que as forças políticas reacionárias e ultraconservadoras também se sentissem à vontade para igualmente exprimir seus «anseios patrióticos», postulando «corrigir os rumos» desviados pelas principais instituições do Estado, mesmo sendo uma delas o STF.

Ao ser o porta-voz da promulgação da Constituição Ulysses Guimarães, advertira: «A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.»

Ao enfatizar que temos ódio e nojo à ditadura, Ulysses, perseguido que havia sido pelos militares pós-64, registrava para a história: «Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.»

Conforme se vai tensionando a Constituição, quem o faz supõe dominar o processo, acredita ter o poder de interromper a qualquer hora a pressão sobre o texto e as práticas constitucionais e dessa maneira ignora que se a Constituição é rígida, tensioná-la em demasia implica em produzir o seu completo rompimento.

O que é rígido não suporta tanto stress. Ficarmos à deriva, sem Constituição, equivale a vivermos uma situação ainda mais grave que a do passado ditatorial, se isso pudesse acontecer. Seria dessa forma pelo simples fato de que nenhum de nós, em sã consciência, poderia prever onde iríamos parar. Os piores medos são também os piores conselheiros políticos de ocasião.

De todos os atores até o momento envolvidos nessa quadra histórica confesso que, pessoalmente, só os conheço, ministros Barroso e Fachin. Como disse no início, acompanho há bastante tempo as suas trajetórias.

Sei de seus compromissos históricos sinceros com a democracia e de sua convicção pessoal de que passamos definitivamente do tempo das aventuras políticas, dos voluntarismos criminosos que provocaram tanta dor, sofrimento e mortes.

E também sei que de poucas pessoas públicas é razoável esperar a grandeza dos humildes, que suas histórias pessoais espelham. Essa grandeza, no momento, está em dar efetivamente um passo atrás que será, sob todos os aspectos, um enorme passo à frente.

No julgamento de hoje, 04 de abril de 2018, reconhecer que o STF não é Constituinte e não tem poderes para reescrever o texto da Presunção de Inocência cumprirá, nas circunstâncias, o papel de mensagem inequívoca dirigida a toda a sociedade: a de que o poder civil governa o Brasil e somente o poder civil, na forma da Constituição, poderá legitimamente nos governar, hoje e sempre.

Ulysses não tinha a ilusão de que a Constituição seria perfeita. O que é perfeito na vida humana? O que não pode ser aperfeiçoado? O Deputado, fiador da democracia restabelecida, tinha porém a consciência histórica de que a pior democracia era preferível à ditadura.

O processo de aperfeiçoamento do texto e das práticas constitucionais se faz «por dentro da Constituição», respeitando-se escrupulosamente os processos legislativos instituídos em substituição ao voluntarismo dos Atos Institucionais de má memória.

Amadurecer como os povos do Norte – que inspiram tanta gente – é um pouco como amadurecer como pessoa… confiar no tempo que passa e nas raízes democráticas que se aprofundam, em um terreno que abriga a erva daninha, mas também cultiva a flor. Não há atalhos. Tentar arrancar à força o que nos parece daninho abre perigoso precedente para que outros, que não gostam de flores, as arranquem de nosso solo democrático.

Se o julgamento de hoje dissesse respeito exclusivamente à presunção de inocência, seu significado por si só já seria grandioso. As circunstâncias, no entanto, querem fazer dele algo mais.

Confio, sinceramente, pela história de vida dos amigos e mestres que, ao se alinharem ao sentido literal do texto de 1988 do dispositivo constitucional que assegura que ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ainda que sob a crença de que a Constituição não é perfeita, estarão reafirmando o compromisso do STF como instituição de ser o guardião da Constituição, porque ser o guardião da Constituição é ser o guardião da Democracia.

Ulysses Guimarães não está mais entre nós… mas são os eventos que constituem as grandes figuras públicas para a história.

Geraldo Prado é Professor Associado de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É também ex-desembargador do Rio de Janeiro.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Dalva Terezinha Paiva Sinaidi

04/04/2018 - 14h24

“Se o julgamento de hoje dissesse respeito exclusivamente à presunção de inocência, seu significado por si só já seria grandioso. As circunstâncias, no entanto, querem fazer dele algo mais”.
Acreditemos na grandiosidade do STF que com certeza saberá resguardar a Constituição, fazendo jus aos lugares por eles ocupados como seus protetores e portadores de grande sabedoria não deixando que circunstâncias externas maculem seus julgados.

Pedro Cândido Aguarrara

04/04/2018 - 12h53

asdfg hjkloi nmbvcx mkklç fghyt.

Pedro Cândido Aguarrara

04 de Abril de 2018 às 12h51

Por quê só AGORA general brada contra a impunidade??? E tudo que aconteceu antes??

Por quê não bradou contra a impunidade quando viu um processo contra Romero
Jucá ficar 14 ANOS no STF, “aguardando perícias”, e PRESCREVER!!!!???

Calem suas bocas sujas, generais, que precisam se sentir apoiados pela Globo para fazer declarações.

Declarações que desobedecem à Justiça Militar e à Constituição Federal.

E ficam IMPUNES, esses estrupícios, e falando em impunidade!

Voltem pros quarteis e fiquem por lá calados e quietos.


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