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Marconi: uma cilada para o desenvolvimento

Uma cilada para o desenvolvimento Indústria, especialmente a mais avançada tecnologicamente, substituiu conteúdo local por importado sem correspondente aumento das exportações Por Nelson Marconi e Outros 18/09/2019 05h00 Atualizado 2019-09-18 Diversos motivos caracterizam a perda de relevância da indústria nas últimas décadas, podendo-se destacar a desestruturação de sua cadeia produtiva. Parte relevante da demanda por […]

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Uma cilada para o desenvolvimento

Indústria, especialmente a mais avançada tecnologicamente, substituiu conteúdo local por importado sem correspondente aumento das exportações

Por Nelson Marconi e Outros
18/09/2019 05h00
Atualizado 2019-09-18

Diversos motivos caracterizam a perda de relevância da indústria nas últimas décadas, podendo-se destacar a desestruturação de sua cadeia produtiva. Parte relevante da demanda por bens industriais é oriunda dela própria na forma de insumos, fazendo com que o crescimento da demanda por um bem final se multiplique por toda a economia, gerando emprego e renda em diversos setores.

Esse processo foi observado ao longo do desenvolvimento da ampla maioria dos países. No entanto, o advento das cadeias globais de valor alterou essa dinâmica, pois os bens deixaram de ser produzidos por países isoladamente e passaram a ser desenvolvidos de forma fragmentada. Essa nova configuração da produção acentuou um requisito para que os países se desenvolvessem, qual seja, a necessidade de maior agregação de valor nas exportações.

Porém, isso não é o que acontece no Brasil. Há muitos anos temos criado todas as condições para importarmos mais e exportarmos menos produtos manufaturados, especialmente os de maior complexidade e sofisticação tecnológica.

Dentre outros fatores, o longo período de apreciação de nossa taxa de câmbio foi decisivo para o aumento da participação dos insumos importados e a redução da participação de exportações no valor da produção em setores de maior conteúdo tecnológico. Os gráficos mostram a evolução dos coeficientes que mensuram isso entre 2000 e 2014.Em um contexto de inserção global às cadeias de valor, há uma tendência ao deslocamento dos setores para a direita na figura, devido ao aumento do coeficiente de insumos importados. Porém, o ideal para o desenvolvimento seria o deslocamento dos setores de maior conteúdo tecnológico na direção superior dos gráficos, de forma que o aumento do coeficiente de exportações compensasse o aumento do coeficiente de insumos importados (o que seria representado por uma seta ascendente e mais inclinada).

Entre os 18 setores industriais analisados, nenhum deles caminhou nessa direção; todos aqueles que embutem maior conteúdo tecnológico situam-se ou se deslocaram para a metade inferior dos gráficos. Apenas setores com baixo conteúdo tecnológico situam-se na metade superior e somente quatro tiveram crescimento maior do coeficiente de exportações que de importações, sendo apenas um de alto conteúdo tecnológico (farmacêutico) e outros três intensivos em recursos naturais e de baixo conteúdo tecnológico (refino de petróleo, alimentos e papel e celulose).

Em suma, nossa indústria, especialmente a mais avançada tecnologicamente, substituiu conteúdo local por importado sem correspondente aumento das exportações.

Tal substituição foi uma estratégia racional e defensiva das empresas frente à apreciação cambial. Para competir, era necessário reduzir custos, e com os insumos importados mais baratos, esse se torna o caminho mais fácil – se não o único possível. Porém, a decisão individual de reduzir custos via importação de insumos implicou a construção de uma verdadeira arapuca para o crescimento.

Essa substituição não compensada pelo aumento das exportações levou ao aumento do déficit comercial de manufaturados e, por consequência, pressionou o déficit em transações correntes e a necessidade de financiamento externo, bem como ampliou a vulnerabilidade da economia brasileira.

A correção cambial observada em 2015 tornou-se inevitável, pois os crescentes déficits levaram os capitais que os financiavam a sair do país. As empresas se tornaram cada vez mais suscetíveis a choques externos e à depreciação, pois seus efeitos sobre os custos são tão maiores quanto maiores forem os coeficientes de insumos importados.O que desejarão, então, os empresários nesse cenário?

Ora, como importam muito e exportam pouco, as empresas se beneficiam (no curto prazo) de nova apreciação e redução das alíquotas de importação. Ao adotarem esse pleito, porém, caminham para o próprio desmonte da indústria, pois as cadeias produtivas são crescentemente desarticuladas.

Não obstante, aumenta a resistência à prática de uma política, essencial, que implique em taxa de câmbio competitiva e estável.

Nesse cenário, a viabilidade e o apoio a essa medida dependem de medidas complementares, como uma política industrial e tecnológica via crescimento da produtividade para compensar a decorrente elevação de custos e estimular a produção local e as exportações dos setores de maior sofisticação produtiva.Não é de se espantar, portanto, o posicionamento dos órgãos representativos do setor a favor de medidas que aprofundarão as perdas da indústria. Demanda-se, por exemplo, uma abertura comercial unilateral.

Certamente uma abertura é necessária, mas não a proposta pelo governo, e sim outra, realizada em paralelo à resolução dos problemas macroeconômicos e logísticos e que, assim, seja capaz de promover nossas exportações de manufaturados. A prosseguir nessa toada, nossa indústria se transformará em um simples entreposto de importações.

Nelson Marconi é professor da FGV-EAESP.

Guilherme Magacho é professor da UFABC.Rafael Leão e João Guilherme Machado são doutorandos na FGV-EAESP

Esse artigo foi publicado originalmente no Valor.

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Comentários

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Paulo

18/09/2019 - 19h21

Cadê o Posto Ipiranga? O que ele propõe?


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