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O café e a indústria brasileira

O Brasil tem uma grande dívida com o café.  A rubiácea – nome científico da planta – foi a grande responsável pelo processo de acumulação de capital necessário à industrialização do país durante os dois primeiros terços do século XX. Como a nossa indústria começou voltada principalmente para atender o mercado interno, a importância do […]

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O Brasil tem uma grande dívida com o café. 

A rubiácea – nome científico da planta – foi a grande responsável pelo processo de acumulação de capital necessário à industrialização do país durante os dois primeiros terços do século XX.

Como a nossa indústria começou voltada principalmente para atender o mercado interno, a importância do café para a balança de pagamentos permaneceu vital para o país até o final da década de 70, quando o grão ainda respondia por mais de 70% das nossas exportações. 

Apenas a partir do início da década de 80, quando o país começa a colher os frutos da industrialização e da diversificação econômica, o café perde participação relativa na economia brasileira.

Não é só o Brasil, todavia, que tem uma dívida com o café. Eu também tenho. 

Durante mais de quinze anos (de 1994 a 2009) fui editor de uma publicação especializada em mercado de café, voltada para produtores, exportadores, traders, o Coffee Business. Também escrevia regularmente, até poucos anos atrás, para uma revista especializada do setor. Durante muito tempo, colaborei com sites internacionais especializados em mercado de café. 

O café foi meu ganha pão por muitos anos. Viajei duas vezes à Colômbia, convidado pela Federación Nacional de Cafeteros, para dar palestras, e viajava dezenas de vezes por ano para regiões cafeeiras de todo o país, para participar e cobrir seminários e eventos. 

O Brasil ainda é o maior produtor mundial de café. Em 2018, o Brasil produziu um volume monstruoso de 65 milhões de sacas de 60 kg de café, o que correspondeu a 37,6% da produção de café em todo planeta.

Os trabalhados relacionados à economia cafeeira ainda geram milhões de empregos no país. Alguns falam em mais de 6 milhões de postos de trabalho. Um estudo recente da Universidade Federal de Viçosa estima que a cadeia produtiva do café gera 4,9 milhões de empregos diretos e indiretos apenas no estado de Minas Gerais. 

Apesar dessa pujança, o café jamais conseguiu desenvolver uma cultura industrial. 

Todos esforços para elevar o percentual de café industrializado nas exportações do produto malograram. 

Hoje o Brasil se tornou importador de café torrado, sobretudo em função do sucesso da rede Nestlé e seu Nespresso.

Em 2018, as exportações brasileiras de café verde geraram US$ 4,35 bilhões. 

Mas quando se olha para o segmento de café torrado, a realidade é outra: a balança comercial brasileira é deficitária em US$ 43,9 milhões. 

A linha azul do gráfico abaixo, relacionada ao eixo da direita, mostra que a balança comercial brasileira do café torrado começou a despencar a partir de 2007, entrando em terreno negativo já em 2011. 

A Suíça, por sua vez, que não possui um pé de café plantado em seu território, consolidou-se como o maior exportador mundial de café torrado, faturando mais de US$ 2 bilhões por ano. O sucesso suíço se deve, naturalmente, à marca Nespresso, líder global.

Itália e Alemanha também se consolidaram, há bastante tempo, como importantes exportadores de café torrado, produto com o qual arrecadam, anualmente, bilhões de dólares: a Alemanha exportou US$ 1,4 bilhão em café torrado em 2018; a Itália, US$ 1,6 bilhão. 

O objetivo deste post não é promover nenhum sonho impossível. Não há problema, em tese, de sermos um grande exportador de café em grão, desde que houvesse algum esforço coordenado para desenvolver, paulatinamente, também nossas exportações de café torrado. 

Não me parece saudável que um país com produção de 50 a 60 milhões de sacas de café por ano, tenha uma balança negativa na exportação de café torrado; isso é uma anomalia, além de constituir um fator de profunda insegurança econômica. 

O café é a segunda commodity mais volátil do mundo, perdendo apenas para o petróleo. Seus preços oscilam brutalmente de ano para ano, ao sabor do tamanho das safras no Brasil, no Vietnam, em países africanos, entre dezenas de países produtores. Uma participação maior no mercado mundial de café torrado asseguraria uma estabilidade de renda infinitamente maior. 

Outro fator importante de renda do setor cafeeiro é a indústria de máquinas de café, tanto de espresso como as normais: apenas a China exportou quase US$ 2 bilhões desses produtos em 2018. 

Itália, Alemanha e Suíça também faturam centenas de milhões de dólares por ano com a venda dessas máquinas. 

Infelizmente, o próprio setor cafeeiro tem se mantido refratário a qualquer política de industrialização, até mesmo por absoluta ausência de uma cultura neste sentido. 

 

 

 

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Luiz

17/04/2020 - 05h11

Tempos atrás, ouvi que o Brasil exporta grãos para a Alemanha e importa, dela, café solúvel. Os números parecem confirmar o fato.


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