Maior ação policial da história do estado, com inicialmente 132 mortos, expõe estratégia de segurança baseada na letalidade e questiona o que foi, de fato, “inteligência” após mais de 12 horas de caos.
O que foi planejado como um golpe de inteligência no coração do Comando Vermelho (CV) transformou-se, na prática, em uma das cenas de guerra urbana mais violentas já vistas no Rio de Janeiro. A Operação Contenção nos complexos do Alemão e da Penha, que resultou em, inicialmente, 132 mortos, é o retrato de uma política de segurança que prioriza o confronto e a execução sobre a apreensão e a justiça, deixando um rastro de dúvidas e corpos.
A alegação do governo estadual é de que a ação visava desarticular a cúpula do CV e cumprir quase 100 mandados. No entanto, a desproporção entre os números revela uma realidade sombria. Foram efetuadas 81 prisões, mas o saldo, até o momento, foi de 132 mortes. A operação que apreendeu armas e pretendia prender os chefões do tráfico foi, antes de tudo, uma máquina de produzir cadáveres.
A “inteligência” que ignorou o óbvio
A polícia sabia dos nomes, dos números de telefone e dos métodos de comunicação dos alvos. A investigação mapeou grupos de aplicativo onde líderes como Doca e Marcinho VP ditavam regras. Apesar desse suposto trabalho minucioso, a força pareceu completamente surpreendida pela reação dos criminosos.
A chegada dos mais de 2.500 agentes foi recebida com uma reação à altura. Tiros, barricadas incendiadas e até o uso de drones como bombas mergulharam a Zona Norte em um cenário de confronto generalizado. A pergunta que fica é: uma operação baseada em inteligência de verdade não teria meios de neutralizar alvos-chave sem desencadear um conflito de tal magnitude, que colocou em risco 280 mil moradores?
Operação Contenção contou com pelo menos 2.500 agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro | Fabio Teixeira/Anadolu Agency/IMAGO
O resultado foi o caos: moradores feitos reféns, ônibus roubados para bloquear vias, mais de 200 linhas de transporte interrompidas e uma cidade inteira refém do confronto. A população, mais uma vez, foi o dano colateral de uma ação que, mais uma vez, não apresenta resultados.
A letalidade como política de Estado
Os números apontam para uma escalada sistemática da violência estatal. Das quatro operações policiais mais mortais da história do Rio, três ocorreram sob o comando do atual governador Cláudio Castro (PL). A Operação Contenção superou em morte o já trágico massacre do Jacarezinho (2021), que tinha 28 mortos.
Segundo balanço oficial, foram efetuadas 81 prisões | Mauro Pimentel/AFP/Getty Images
Suposta falta de ajuda
Em entrevista coletiva na tarde de terça, o governador Cláudio Castro alegou que teve três pedidos negados anteriormente para que as Forças Armadas atuassem em ações estaduais e que, por isso, o estado agiria sozinho durante a Operação Contenção.
O governo federal negou a falta de ajuda e afirmou ter atendido prontamente os pedidos do estado para o emprego da Força Nacional, além de destacar que não houve consulta ou pedido de Castro para apoio à atual operação. Na noite de terça, o governo federal autorizou ainda a transferência de dez presos do CV para presídios federais de segurança máxima.
Críticas internacionais
Organizações internacionais criticaram a letalidade da operação. O escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU se disse horrorizado com a operação policial no Rio e pediu investigações sobre o ocorrido.
“Esta operação mortal reforça a tendência de consequências letais extremas das operações policiais em comunidades marginalizadas do Brasil. Lembramos às autoridades suas obrigações perante o direito internacional dos direitos humanos e pedimos investigações rápidas e eficazes”, reiterou.
A Anistia Internacional afirmou que a operação mostra o fracasso da política de segurança pública do governo estadual, além de colocar a cidade em estado de terror. “A perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro”, destacou.
A Defensoria Pública da União também repudiou o aumento da letalidade policial no Rio de Janeiro e defendeu o combate ao crime dentro dos limites da legalidade.
“Para a Defensoria Pública da União, ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade, ausência de políticas sociais e exclusão institucional.”
Publicado originalmente pelo DW em 29/10/2025


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