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Lava Jato e Mãos Limpas: diferenças e semelhanças

Muitos tem comparado a operação Lava Jato à operação Mãos Limpas, a Mani Polite, da Itália, que levou, como aqui, à prisão de inúmeros políticos e empresários proeminentes. As primeiras comparações vieram do próprio juiz responsável pela Lava Jato, Sergio Moro, que já escreveu mais de um artigo laudatório da Operação Mãos Limpas. Justamente por […]

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Muitos tem comparado a operação Lava Jato à operação Mãos Limpas, a Mani Polite, da Itália, que levou, como aqui, à prisão de inúmeros políticos e empresários proeminentes.

As primeiras comparações vieram do próprio juiz responsável pela Lava Jato, Sergio Moro, que já escreveu mais de um artigo laudatório da Operação Mãos Limpas.

Justamente por guardarem semelhanças, alguns também procuram salientar suas diferenças, e estas nem sempre são simpáticas à Lava Jato.

Entrevistado ano passado por juristas brasileiros, o constitucionalista argentino Raúl Zaffaroni, considerado um dos maiores penalistas de toda a América Latina, foi bastante duro ao comparar a nossa Lava Jato à sua congênere italiana. Vale a pena reproduzir a sua opinião:

“Não acho que a Mãos Limpas tenha a ver com a Lava Jato. A Mãos Limpas não foi uma tentativa de golpe de Estado. Não nos esqueçamos que, se analisamos todos os golpes de Estado militares que aconteceram na região, eles se agarraram em duas bandeiras para se legitimar. Uma era a de supostamente descontrolada criminalidade. Outra era a da corrupção. Lamentavelmente, o que verificamos, no final de um século de tristes experiências, é que os maiores casos de corrupção tiveram lugar sob amparo das forças reacionárias. Ao dizer isso, não nego que em tal administração possa haver personagens corruptos que devem ser punidos. Digo que em nenhum caso pode ser um pretexto para que se legitime a desestabilização democrática. A magnificação de casos individuais de corrupção através dos meios massivos de comunicação é um velho recurso golpista, que conhecemos por tristes experiências. Em definitivo, não é mais que o uso de formas estruturais de corrupção para desarmar o potencial produtivo e as relações econômicas das nossas sociedades.”

De fato, apesar da operação Mãos Limpas ter destroçado os principais partidos tradicionais, as acusações de que se tratava de um golpe contra um determinado partido e, logo, contra o governo, não tiveram muito eco, porque praticamente todas as legendas e vertentes foram atingidas.

Entretanto, houve críticas também neste sentido a Mãos Limpas, sobretudo por parte daqueles que achavam que a Operação se tornou, particularmente, um ataque ao Partido Socialista Italiano. E essas críticas foram ouvidas e veiculadas nos grandes meios de comunicação italiano. O PSI, que vinha sendo o partido mais forte da Itália desde meados da década de 70, foi dizimado pela Mãos Limpas.

Não consta, porém, que a operação Mãos Limpas tenha insistido, como está fazendo a Lava Jato, no desmonte de toda uma cadeia produtiva, nem ameaçado a existência das principias empresas de engenharia e construção civil da Itália.

Muitos italianos que se empolgaram com a Mãos Limpas, hoje vêem aqueles gloriosos anos com uma visão bastante crítica.

Numero Zero, o último romance de Umberto Eco, intelectual e escritor de reconhecimento mundial, se passa em 1992, ano em que teve início a operação Mãos Limpas, e conta a história de um editor de jornal sem escrúpulos, interessado apenas no espetáculo e em explorar a ingenuidade do leitor médio.

Em entrevista recente ao jornal francês L’Humanité, Eco admite que se inspirou na operação Mãos Limpas para escreveu seu romance, e, indagado sobre o que pensava hoje da Operação, respondeu:

“Pensávamos que tudo iria mudar porque se faziam grandes processos contra a corrupção. Dois depois, Berlusconi chega ao poder. Nada mudou, na verdade ficou pior (…) Em 1992, os fascistas ainda eram marginais. Berlusconi, lhes fez entrar no governo. Então eles se moderaram um pouco, enquanto que à sua direita surgiam outros grupos ainda mais radicais, como o Casa-Pound, os quais, em certo sentido, são nazistas.”

As críticas à Operação Mãos Limpas vinham da esquerda e da direita. A esquerda desesperava-se com o crescimento da Liga Norte, de inspiração fascista, e seus lemas demagógicos, e que sabiam como ninguém explorar o espetáculo oferecido pela Mãos Limpas à mídia italiana.

A crítica da direita veio do próprio Berlusconi, e apesar dele ter sido o principal herdeiro político do vácuo provocado pela Mãos Limpas: os eleitores não queriam alguém puro; queriam alguém que soubesse lidar com a mídia, e Berlusconi não apenas sabia, como era dono dos principais canais privados de mídia do país.

Em 2002, no auge de sua carreira política, Silvio Berlusconi declarou que os “magistrados milaneses abusavam da prisão preventiva para extorquir confissões dos indagados”.

É interessante ouvir a opinião de Berlusconi porque ela prova uma coisa: o público admira o político que enfrenta o senso comum.

Mesmo movendo uma guerra política contra Di Pietro, o juiz mais famoso da Mãos Limpas, Berlusconi foi eleito várias vezes pelo voto direto dos italianos.

Essa opinião de Berlusconi não era de um homem “de direita”.

O abuso da prisão preventiva era uma das principais críticas que se fizeram, à esquerda e à direita, a Mãos Limpas, porque os magistrados mantinham em regime fechado pessoas socialmente, profissionalmente, familiarmente inseridas; ou seja, que não tinham interesse nenhum em fugir do país, não ofereciam qualquer perigo à sociedade, e que, nas circunstâncias, não podiam oferecer qualquer obstáculo às investigações; e mesmo se oferecessem, este risco poderia ser contido por prisão domicilar, não as trancando em presídios comuns.

É incrível, sobretudo, que os juízes brasileiros e a imprensa, ao lembrar a Mãos Limpas, não cite uma de suas principais consequências no campo constitucional.

Os excessos e abusos midiáticos do judiciário italiano forçaram os constitucionalistas do país a criarem uma lei para contê-los: é a Lei Vassalli, a lei de responsabilidade civil dos magistrados (juízes e procuradores).

É uma lei de 1988, antes da operação Mãos Limpas, mas inspirada num outro caso de abuso judicial contra um cidadão italiano. Trata-se do caso Enzo Tortora, um apresentador de TV vítima de uma série de “delações premiadas”. Depois de um calvário de mais de oito anos, provou-se que Tortora era inocente de todas as acusações, que todos os delatores (eram dezenas, pois eles assitiam TV e entendiam qual era o jogo) haviam mentido.

A prisão e o linchamento midiático, porém, destruíram moralmente Enzo Tortora e família.

Apesar de aprovada em 1988, a lei foi desfigurada em seguida, recebeu adendos, cortes, voltou a ser debatida, até ser sancionada e publicada, na íntegra, em março de 2015. Obviamente, os abusos da Mãos Limpas foram o motriz principal que levou a lei a ser apreciada e, finalmente, posta em vigor.

A lei estabelece que se o juiz ou procurador tentarem incriminar o réu com provas que não existem nos autos, ou se recusarem a usar, no julgamento, de provas a favor dos réus que constam nos autos, ou julgarem sem base em provas, ou abusarem da prisão preventiva, o réu será ressarcido pelo Estado e o magistrado, punido civilmente.

É um tanto irônico, e emblemático, que a principal consequência positiva da operação Mãos Limpas tenha sido a criação de uma lei que protege cidadãos italianos de abusos judiciais.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Roberto Oliveira

24/11/2015 - 19h10

Leonardo Ferreira de Oliveira

João Cláudio Fontes

24/11/2015 - 19h08

Cada um com mais cara de babaca que o outro !


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