Bahia: Refinaria privatizada provoca desabastecimento de Gás de Cozinha

O caminho das pedras para um novo rumo na economia brasileira

Por Lia Bianchini

12 de agosto de 2015 : 13h41

Por Lia Bianchini, repórter especial do Cafezinho

Crise. Essa é uma palavra que não sai das manchetes dos jornais, assombrando a vida da população brasileira. Para entender melhor qual é a verdadeira situação econômica do Brasil, o Cafezinho entrevistou João Sicsú, professor do Instituto de Economia da UFRJ, que foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.

Confira a entrevista:

O Cafezinho: Logo após as eleições, o senhor escreveu, em artigo na Revista Fórum, a seguinte frase: “A opção das urnas foi pela retomada do crescimento com distribuição de renda, pleno emprego e ampliação das oportunidades sociais.” Como o senhor analisaria as escolhas tomadas pelo governo a partir da reeleição até hoje, no quesito econômico?

João Sicsú: Eu diria que a escolha que foi feita agora não é nenhuma novidade. Ela foi feita em 2011. É que agora está mais explícita, porque mudou o Ministro da Fazenda e estão sendo feitas algumas reformas estruturais, como mudança na previdência social, mudança no seguro-desemprego, no abono salarial, mudança na política dos bancos públicos. Então, está mais nítido. Mas essa foi a opção desde 2011. O início de 2011 foi de elevação da taxa de juros, corte de gastos, contingenciamento de verbas. E tudo que foi feito de 2009 a 2014 foram medidas para reduzir custos empresariais, como, por exemplo, redução da energia elétrica, até mesmo a redução da taxa de juros, incluindo a taxa de juros do financiamento do BNDES, desonerações.

Então, a opção já foi feita em 2011. Só que houve uma disputa eleitoral muito intensa, que fez com que o discurso mudasse no período eleitoral. No segundo turno, foi muito nítido o apoio à candidata Dilma com esse discurso novo dentro da gestão dela. Mas o governo retomou o caminho iniciado em 2011 e deixou isso mais nítido agora, porque está fazendo, além de políticas fiscais, monetárias (ajuste, corte de gastos), algumas reformas estruturais. Ontem (11/08) mesmo iniciou-se no senado uma coleta de assinaturas para uma PEC do Renan Calheiros, escrita pelo ministro Levy, que é uma proposta para se constituir uma autoridade fiscal independente. Ou seja, eles querem que a taxa de juros e os gastos do governo sejam comandados por uma autoridade fiscal independente. Então, as mudanças estão nesse sentido: estruturais.

O Cafezinho: O Brasil está vivendo uma crise, de fato, ou esse clima todo de preocupação com a economia baseia-se muito no que a mídia tem pautado?

J: Não, nós vivemos uma crise, de fato, hoje. E é uma crise que não foi gerada por uma crise internacional. Sem dúvida, o baixo crescimento internacional tem alguma influência sobre a economia brasileira, mas isso não leva a economia brasileira a uma crise. A nossa crise está sendo feita pela nossa política iniciada em 2011 e está cada vez mais nítida. Porque o desemprego está se elevando, o desemprego com carteira aumentou demais esse ano (nós temos entre 250 mil e 300 mil vagas fechadas de postos com carteira assinada), o rendimento médio no trabalho esse ano é menor que no ano anterior, a inflação foi provocada por tarifas de energia elétrica e combustíveis fósseis (diesel e gasolina). E, além disso, temos a inflação de alimentos, da qual o governo não tem responsabilidade, mas é grave. Então, é uma situação realmente de crise neste sentido, basicamente em serviços onde os mais pobres sentem muito. Agora, a situação não é grave no sentido em que a imprensa diz: desequilíbrio fiscal. Nosso problema não é esse. Nossos problemas graves são aqueles que atingem os trabalhadores. Se existe superávit primário ou não existe, se a dívida bruta cresceu ou decresceu, na verdade, isso atinge em quase nada o povo trabalhador. O que atinge o povo trabalhador são inflação, desemprego e salário.

O Cafezinho: Quais medidas o governo poderia ter tomado, após essas decisões tomadas em 2011, nessa nova gestão de 2014? Havia como ter escolhido outras medidas que não essas que hoje estão afetando os trabalhadores?

J: O governo tinha que continuar o modelo do presidente Lula, anunciado em 2006, 2007, que fez a economia crescer muito até 2010, gerar milhões de empregos com carteira assinada, fez o rendimento do trabalhador subir, a inflação ficar moderada. Portanto, era continuidade. Deveríamos caminhar no sentido de reduzir as taxas de juros, inclusive com muita ênfase nos juros dos bancos públicos, tínhamos que continuar a elevar o investimento das estatais e do governo federal, investimentos na Petrobrás, na Eletrobrás.

Além disso, tínhamos que radicalizar no programa que foi lançado pelo presidente Lula para enfrentar a crise de 2008, 2009, que foi o “Minha Casa Minha Vida”. Nós tínhamos que radicalizar nesse programa, que é um programa de geração de muitos empregos, de empregos na construção civil, que são empregos formais, com carteira assinada, e que tem, na verdade, um resultado social enorme. Deveríamos começar a ter a atenção de colocar os pobres morando perto do local onde trabalha, não na periferia, como no caso do Rio de Janeiro, que o programa foi feito há 70 km da Zona Sul, onde está a maioria dos empregos. “Minha Casa Minha Vida” tem que ser feito na Zona Sul, no Centro, nas vilas suburbanas, como em Benfica (falando no Rio de Janeiro). Então, o governo tem que mudar o modelo para tornar a vida da cidade, do ponto de vista espacial, mais heterogênea. Ou seja, bairros com mais diversidades, onde morem o trabalhador, a empregada doméstica e a patroa. Nós não podemos fazer uma segmentação espacial, onde em alguns bairros mora a classe média e os ricos e em outros bairros moram os trabalhadores, os mais pobres. Nós temos que tornar os espaços com mais diversidade social. Isso, sim, é um projeto civilizatório. O governo deveria pensar em fazer uma terceira fase do “Minha Casa Minha Vida”, mais intenso e mais profundo do ponto de vista social.

O Cafezinho: O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, disse, em entrevista à TV Folha, que o Brasil vive uma crise política muito mais grave do que econômica. O senhor concorda?

J: Olha, eu acho que as duas crises são graves. Eu diria o seguinte: a crise política não existiria se não existisse a crise econômica. A crise econômica é o que dá a base para a existência de crise política. Lembrando o impeachment do Collor: naquele período, nós tínhamos desemprego muito alto, inflação e recessão. Ou seja, condições econômicas muito semelhantes aos dias de hoje. Esses estopins de crise política não prosperam se não houver uma base de crise econômica. Então, todo esse discurso, hoje, que estimula a crise política só tem eco porque trabalhadores estão desempregados, estão temerosos com o desemprego, não podem mais gastar tanto porque sabem que têm que poupar porque pode acontecer o desemprego. Empresários ficaram retraídos, não querem fazer investimentos diante dessa situação. Então, a crise econômica cria um ambiente muito propício a qualquer discurso de crise política, qualquer discurso de impeachment, de que todo o mal do país está na corrupção de um ou outro partido ou agente político. Se você lembrar, a ação penal 470 teve início em uma CPI, em 2005, 2006, e não prosperou, não se transformou em crise política porque a economia estava no início da sua fase de recuperação.

O Cafezinho: O que é diferente da Operação Lava Jato, hoje…

J: Exato. A Lava Jato ocorre em uma situação onde mês a mês o desemprego cresce, milhares de trabalhadores estão sem carteira assinada, as pessoas veem seus salários caindo, o preço dos alimentos subindo. Isso é realmente propício à crise política.

O Cafezinho: Falando um pouco sobre reforma tributária: no Maranhão, o Flávio Dino (PCdoB), começou a aplicar a taxação de impostos para grandes fortunas e heranças. O senhor acha que isso pode ser um bom início para a reforma tributária no Brasil?

J: Eu acho que essa pode ser uma boa discussão, mas eu acho que nós não vamos aprovar neste momento. Esse é o caminho para discussão dentro de um projeto de desenvolvimento. Mas esse não é o caminho para se levar o debate ao Congresso hoje, porque eu não tenho dúvida de que nós seríamos amplamente derrotados. A questão é levar esse debate para a sociedade. Isso, sim, é muito importante de ser levado agora. Então, eu penso que a reforma tributária, sim, é um caminho, mas eu não tenho nenhuma ilusão de aprová-la e implementá-la neste momento, com esse congresso. Nós precisamos mobilizar a sociedade, esclarecer a sociedade sobre a questão tributária. Outro dia, eu li uma pesquisa que perguntava às pessoas na rua o quanto elas pagam em imposto. A maioria dizia que não pagava nenhum imposto e algumas poucas diziam que pagavam IPVA e IPTU. Então, as pessoas não tem nenhum conhecimento sobre a taxação tributária. Uma reforma tributária dessa magnitude, em um Brasil que tem uma elite muito conservadora, só ocorre com grandes mobilizações.

Mas nós devemos discutir, sim, com a sociedade essa questão da reforma tributaria. Por exemplo: quem tem jatinho, helicóptero, iate, não paga imposto; quem tem carro popular, paga. Alimentos, no Brasil, têm em média 17% de tributos. Qualquer imposto sobre alimento é muito injusto, porque o rico e o pobre consomem o mesmo alimento, mas o rico nem sente ao pagar imposto, para o pobre é um sacrifício. Nós temos que retirar esse tipo de imposto, mas fazer imposto de renda. A nossa maior alíquota aqui é 27,5%. Em países como França, Inglaterra, Japão, as alíquotas maiores giram em torno de 50%, até mais.

Há muita injustiça tributária no Brasil. Quem paga imposto aqui são os pobres, trabalhadores e quem não paga imposto, é isento, são os ricos, milionários, as grandes corporações. Ora, um empresário aqui retira o lucro da sua fábrica, da sua empresa e não paga nenhum imposto, zero de imposto. O trabalhador é descontado na fonte. Então, essa é uma grande discussão a ser feita com a sociedade, para depois levar ao Congresso. Aliás, todas as grandes reformas que nós queremos fazer, só serão feitas se a sociedade fizer pressão e mobilização. De cima para baixo não vem nada, porque a nossa elite é muito conservadora. Nunca veio nada de cima pra baixo, não é agora que cairá do céu uma reforma política, uma reforma financeira, uma reforma tributária. É hora de mobilizar a sociedade, discutindo um projeto de desenvolvimento.

O Cafezinho: Qual é a saída para a atual situação da economia no Brasil?

J: A saída é fazer um programa emergencial de redução da taxa de juros Selic e redução da taxa dos bancos públicos, lançar um programa de recuperação do emprego, baseado, principalmente, na construção civil, especialmente, no “Minha Casa Minha Vida” e abrir uma grande discussão na sociedade sobre um projeto de desenvolvimento de país. Ou seja, que reformas nós precisamos? Reforma tributária, reforma política, reforma dos meios de comunicação. A sociedade precisa estar envolvida em um projeto de desenvolvimento. E esse tipo de projeto não é feito em gabinete, por intelectuais, técnicos e políticos. Ele tem que ser construído na sociedade organizada, abarcando todas as esferas da vida: saúde, educação, política, impostos, bancos, mídia. Nós precisamos disso para poder tomar um rumo e mudar de direção. Porque, nesta direção, nós vamos aprofundar a crise política. A não ser que o governo se transforme radicalmente. A crise política ser amenizada porque o governo, na verdade, tornou-se outro, perdeu as características pelas quais foi eleito.

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9 comentários

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Graça Maia

12 de agosto de 2015 às 21h55

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Evanilda Maria Messias Martins

12 de agosto de 2015 às 21h38

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Claudio

12 de agosto de 2015 às 16h27

Houve uma baixa recorde na taxa selic em 2013, a ponto de ser necessário alterar a regra da poupança sob risco das aplicações em renda fixa migrarem todas para a poupança. Muitos não acreditavam que Dilma tivesse coragem para mexer na poupança. Os bancos públicos forçaram a queda nos empréstimos pessoais; Isso durou, sob intenso bombardeio midiático, até as jornadas de julho quando a selic voltou a subir. Fiquei perplexo com a omissão desta questão pelo professor. E penso que O Cafezinho deveria ter questionado a desinformação, já que não o fez de bate pronto, que o faça agora. Pois, no mínimo, é um aprendizado sobre as dificuldades para diminuir os juros no Brasil.

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Maria Helena Correa

12 de agosto de 2015 às 15h43

Gostaria que alguém me explicasse essa história de autoridade independente (do controle democratico do voto popular?) porque está parecendo a velha cantilena do BC independente, bandeira neoliberal que andava meio esquecida.

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Gustavo Ribeiro

12 de agosto de 2015 às 18h25

Queremos auditoria da divida publica JÁ

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Iara Pinheiro

12 de agosto de 2015 às 17h41

Uma crise fabricada! Ninguém contava com hipótese de a Dilma ser quem é!!!

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Dagoberto Saraiva

12 de agosto de 2015 às 14h10

Os acadêmicos, pelo menos os brasileiros, têm um problema : colocam sua vaidade à frente dos interesses do país e de seu povo pobre. Temo que estejamos com um outro evento similar ao que aconteceu com o professor S., da USP, que teve suas críticas manipuladas pela direita depois que saiu da diretoria da Petrobras.
Esse pessoal tem que se olhar no espelho, todas as manhãs, e repetir cem vezes : o inimigo á a direita, o inimigo é a direita, …

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Dagoberto Saraiva

12 de agosto de 2015 às 13h59

Acredito que a argumentação do professor Sicsu contenha um equívoco grave : a redução dos juros aconteceu no governo Dilma e não até 2011. Foi com Dilma que os bancos públicos baixaram seus juros, forçando os demais a fazê-lo também. E foi entre 2011 e 2013 que a Selic diminuiu. Não tenho os dados aqui, mas é só procurar.

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