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64 ou 46?

Por Ângelo Remedio Neto* Por razões óbvias e justas o Golpe Militar de 1964 está muito presente na memória política da esquerda brasileira. Mas é preciso ter calma. Avaliações nervosas e precipitadas podem mais atrapalhar do que ajudar. Eu vou falar aqui que não há possibilidade de um fechamento total de nosso regime político? Absolutamente […]

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Por Ângelo Remedio Neto*

Por razões óbvias e justas o Golpe Militar de 1964 está muito presente na memória política da esquerda brasileira. Mas é preciso ter calma. Avaliações nervosas e precipitadas podem mais atrapalhar do que ajudar. Eu vou falar aqui que não há possibilidade de um fechamento total de nosso regime político? Absolutamente não. Essa possibilidade pra mim é eminente? Também não. Isso significa que nossa democracia vai bem? Muito menos. Explico.

Terminando minha dissertação, eu já atravessei o Estado Novo, agora estou em 1946, no Governo do General Eurico Gaspar Dutra. Período que me parece de suma importância para nossa história – e pouco estudado e lembrado. A minha avaliação hoje – feita no calor do momento e sujeita a toda sorte de críticas – é que atravessamos um período muito similar ao desse Governo, que durou até 1950. Dutra, apesar de simpatizante do Eixo na década de 1930, é eleito presidente após a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Pracinhas brasileiros tinham colaborado para o fim do regime fascista na Itália. O Brasil agora estava totalmente alinhado aos EUA. Democracia liberal era a palavra de ordem do dia. Mas e que democracia?

O primeiro governo de uma democracia liberal minimamente representativa no Brasil tinha uma marca clara: não haveria espaço para as classes populares. A maioria do eleitorado era colocada fora do jogo institucional por ser analfabeta. Mesmo assim, posto na legalidade, o Partido Comunista do Brasil se torna a quarta força política do país. Fato suportado por pouco tempo. A Constituinte de 46 é feita sob a vigência da Carda de 37. Dutra governa sob decretos – em um deles, o direito à greve é suprimido. A política econômica se vincula a um liberalismo entreguista, políticas sociais mínimas (como o aumento do salário no nível da inflação) não são feitas, e qualquer manifestação política contestatória é duramente reprimida. O 1 de maio de 1946 foi dissolvido na bala. Morreram pessoas. O PCB ao momento significa na política institucional a voz das classes mais exploradas do país. A doutrina do combate ao inimigo interno se fortalece. É com Dutra que se forma a Escola Superior de Guerra. O anticomunismo é a linguagem do governo para derrubar todos seus inimigos. De nada adiantou o Senador Prestes pedir para os trabalhadores não fazerem greves e “apertarem os cintos”. De nada adiantou à UNE sair em carros de som pedindo calma à população famélica que começava a cometer saques. Quiseram se mostrar confiáveis. Infrutífero. O PCB é cassado em 1947 e seus parlamentares perdem os mandatos em 1948. A decisão final é do Tribunal Superior Eleitoral, nada de novo. Me parece que o sentido dessa cassação dá o significado da democracia que se dava por construir: será um regime dos de cima, feito pelos de cima, e os de baixo não devem possuir nem o direito à voz. De fato, a república de 46 rui quando esse sentido é quebrado, e a população passa a reclamar por participação política efetiva. No combate ao comunismo e em defesa da democracia foram fechados jornais, sindicatos, partidos, associações de bairro, associações de mulheres.

De fato, o comunismo não é mais uma ameaça real à democracia liberal brasileira – não que fosse em 1946. Precisávamos de um novo inimigo: os corruptos. Assim como em 1946 não combatíamos o comunismo, agora não combatemos a corrupção. A eventual prisão de Lula não significará apenas a violação de uma cláusula pétrea da Constituição. Significará que nossa democracia liberal só existirá se os de baixo continuarem sem voz, explorados, e sub-representados. Com o debate anti-corrupção em sintonia na mídia e no judiciário entraremos numa fase de ataque à movimentos populares, entidades estudantis, paridos políticos de esquerda, e universidades públicas. Programas sociais “fraudulentos” facilmente serão extintos. Enquanto isso, o Brasil é entregue de bandeja a preços módicos, e qualquer manifestação contrária é duramente reprimida.

No momento, me parece que estamos mais próximos de uma democracia extremamente limitada – como a inaugurada por Dutra – do que de uma ditadura. O que não significa que essa não possa acontecer em algum momento, e caso necessário. A República de 46 durou 18 anos.

A questão agora é como resistir. Como lutar nesse terreno cada vez mais árido, e fazer com que caminhemos para uma democracia real e não para um novo 1964. Não me parece que estamos lá. Espero que não cheguemos.

* Angelo Remedio Neto
Advogado e Mestrando em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

 

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Rogerio Dultra

Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.

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Comentários

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daniel

05/04/2018 - 00h08

conhecer o passado é importante, mas também é importante ter clareza conceitual:
“estamos mais próximos de uma democracia extremamente limitada – como a inaugurada por Dutra – do que de uma ditadura”. Gostaria de saber a diferença entre “democracia extremamente limitada” e “ditadura”, e porque deveríamos chamar a era Temer de democracia, sendo que ninguém votou na “ponte para o futuro” (já que só foi escrita em 2015) e a maioria se opõe sistematicamente à suas políticas. Aliás, devo recordar o autor, de que existem “ditaduras” em que a aprovação do “ditador” é muito superior aos 3% do Temer. Concordo que Temer não é ditador, pois não apita nada, é pau mandado, mas daí acreditar que estamos numa democracia já é demais!

Jose carlos lima

04/04/2018 - 20h18

Golpe na decada de 30

golpe na decada de 40

golpe na decada de 50 que levou Vargas ao suicidio

golpe na decada de 60

decadas seguintes sob regime golposta seguido de breve momento de democracia….

golpe na década de 10 deste seculo…em 2016

com prisao do candidato viavel pela oposicao, devemos ser governados por algumas decadas sob regime golpista

a historia do Brasil eh a historia do golpe


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