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Um sinal de outono: financeirização, desdolarização e o presságio do fim de um longo ciclo

 Por Fabio Reis Vianna Quando no ano de 1381 foi assinado o tratado de Turim entre Veneza e Gênova, a expansão do comércio eurasiano já estava em franca decadência, arrastando consigo toda a estrutura dos negócios daquelas prósperas cidades- Estados, pequenos protótipos do que veio, séculos depois, a se transformar no que chamamos hoje capitalismo. […]

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 Por Fabio Reis Vianna

Quando no ano de 1381 foi assinado o tratado de Turim entre Veneza e Gênova, a expansão do comércio eurasiano já estava em franca decadência, arrastando consigo toda a estrutura dos negócios daquelas prósperas cidades- Estados, pequenos protótipos do que veio, séculos depois, a se transformar no que chamamos hoje capitalismo.

A expansão comercial levada a cabo pelas quatro principais cidades- Estados da península italiana: Florença, Milão, Veneza e Gênova, teve seu auge mais precisamente entre o fim do século XIII e início do século XIV e significou praticamente o ponto zero do capitalismo interestatal, ou sistema mundial.

Estendendo-se por cadeias de transações que iam da Inglaterra à China, este territorialmente pequeno enclave capitalista no norte da Itália – mesmo que não possamos considerar que tenha sido exatamente o propulsor do primeiro dos longos ciclos sistêmicos de acumulação que se sucederam ao longo dos quinhentos anos subsequentes – foi sem dúvida o laboratório do momento de inflexão que transformou para sempre as relações de poder entre os entes que a partir do longo século XVI (1450-1650) convencionou-se chamar Estados Nacionais.

A decadência das cidades-Estados italianas ocorre com o processo de desintegração do comércio eurasiano – sendo a queda do império mongólico fator preponderante – , e em decorrência do aumento das tensões que a competição cada vez mais selvagem entre os entes da economia mercantil trouxe.

Chegou-se então a fase em que um estado de guerra endêmico, onde a busca por poder e o consequente e constante enfrentamento entre as cidades do centro e norte da Itália, criaram um circulo vicioso que ao final devorou a todos na até hoje pouco conhecida Guerra dos Cem Anos italiana, que só veio a se encerrar com o chamado Pacto de Lodi em 1454.

Desta forma, junto ao estado de guerra permanente e em consequência do declínio da expansão comercial, veio, entre o fim do século XIV e início do século XV, a gradativa substituição da expansão eminentemente material para um tipo diverso e até então novo: a expansão financeira.

Ocorre ali um fenômeno inédito e que logo se repetiria insistentemente ao longo do desenvolvimento do sistema mundial capitalista, aquilo que Braudel chamaria de a “maturidade” das grandes expansões comerciais.
Esse período se dá a partir do momento que deixa de ser conveniente aos agentes empresariais investir seus recursos no comércio de mercadorias, passando a direcionar suas energias às moedas, fazendo nascer assim o conceito de Altas Finanças.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se revelaria o auge do ciclo sistêmico de acumulação, as altas finanças, ou financeirização, caracterizaria, segundo Braudel, o período do declínio; o momento da colheita dos frutos da expansão material anterior, “um sinal de outono”…

A crise do modelo atual

No ultimo dia 18 de setembro, em artigo no conceituado jornal britânico Financial Times, seu diretor de redação, Lionel Berber alerta sobre a pressão que vive o capitalismo em seu estágio atual.

Berber sugere que, mesmo tendo trazido prosperidade ao mundo nos últimos 50 anos, o modelo capitalista liberal vive, desde a crise financeira global de 2008, uma enorme pressão por cada vez maiores ganhos e maximização de lucros aos acionistas, esquecendo-se de atender as reais necessidades da população como emprego e renda.

Segundo o economista indiano Raghuram Rajan, em entrevista recente à BBC, o capitalismo estaria sob séria ameaça por ter parado de atender às necessidades básicas das pessoas, lembrando que no passado era possível obter um emprego de classe média com educação modesta.

É cada vez mais evidente que o mundo passa neste exato momento de sua história por aquele período em que o pensador Giovanni Arrighi perceberia como o final de mais um ciclo sistêmico de acumulação – que nada mais seria do que a interpretação econômica daquilo que aos olhos da política seria visto como um dos elementos indicadores do fim de mais um ciclo longo da política internacional. O momento de inflexão em que as pressões sociais se acumulam às tensões geopolíticas por poder e influência entre os Estados Nações.

No ultimo dia 19 de setembro, a OCDE divulgou novo relatório em que alerta para as baixas perspectivas de crescimento da economia mundial.

Segundo a economista-chefe da organização sediada em Paris, Laurence Boone, “ A economia global enfrenta sérios ventos contrários, e o crescimento lento está se consolidando de uma forma preocupante.“
Juntam-se às preocupantes projeções para e economia internacional, a crescente rivalidade entre os Estados Unidos e três dos atores principais do eixo eurasiático: China, Rússia e Irã.

Tendo em vista o fracasso dos BRICS- em seu atual formato- como organização contestadora da declinante ordem liberal do século XX liderada pelos norte-americanos, aprofundam-se as conexões entre a já consolidada aliança estratégica sino-russa e o país persa, acossado pelas cada vez mais intransigentes sanções impostas pelos Estados Unidos.

Não obstante o aprofundamento da cooperação militar entre estas nações – como as recentemente anunciadas manobras navais conjuntas nas águas internacionais do Golfo de Omã -, as trocas comerciais tem passado cada vez mais ao largo do dólar norte-americano.

Confirmam-se os maiores receios de Zbigniew Brzezinski( Assessor de Segurança Nacional na administração do ex-presidente Jimmy Carter), segundo o qual o imperativo estratégico deveria ser prevenir o surgimento de qualquer grupo de nações que pudesse desafiar a hegemonia política, econômica e militar dos Estados Unidos, nominando a aliança entre Rússia, China e Irã como o mais perigoso dos cenários.

Eixo do Ouro e Petro-Yuan

Nomeado pelo financista norte-americano Jim Rickards como Eixo do Ouro, países como Rússia, China, Irã e também Turquia estão cada vez mais aumentando suas reservas em ouro físico, e assim, consequentemente criando uma rede de trocas comerciais e financeiras à parte do sistema internacional baseado em dólar.

Tal situação é muito conveniente ao Irã, por exemplo, que diante da recente sanção norte-americana ao seu Banco Central, poderia contornar o sistema de pagamentos internacionais (SWIFT)- controlado pelos Estados Unidos- continuando a vender seu petróleo a clientes e aliados e recebendo em troca ouro físico, um meio de pagamento seguro e que os norte-americanos não teriam como rastrear digitalmente.

Já no ano de 2018 a China lançou oficialmente na Shanghai International Energy Exchange, os contratos de petróleo futuro lastreados em Yuan e eventualmente em Ouro: o Petro-Yuan.

A idéia seria que, paulatinamente, e ao tempo confuciano dos chineses, o Petro-Yuan substitua o dólar como moeda essencial para a compra de petróleo, e em algum momento esses contratos de petróleo futuro seriam precificados num Yuan atrelado e convertível ao ouro.

Mesmo que ainda demore um longo tempo para que essas projeções se realizem plenamente, já é uma realidade a subida constante do preço do ouro, vide o aumento das reservas levadas a cabo não somente por Rússia, China, Irã e Turquia- mas também por Índia e Alemanha- e as nada animadoras projeções futuras a respeito de uma recessão global pior que a de 2008.

Aprofundamento da integração eurasiática

O eixo financeiro e geopolítico global muda em direção ao Oriente. A SCO, Organização de Cooperação de Shangai, pouco divulgada pela mídia ocidental, e principal fórum político, econômico e de segurança da Eurásia, reuniu em Bishkek, no Quirguistão, em junho passado, além dos representantes de países menos influentes da Ásia e Ásia Central, os presidentes Xi Jinping, Putin, Modi e Khan do Paquistão( membros permanentes do bloco), bem como, Erdogan e Rouhani, líderes de Turquia e Irã, países que deverão tornar-se membros permanentes em 2020.

Dentre os inúmeros assuntos discutidos, as intersecções econômicas entre SCO, Nova Rota da Seda chinesa e a União Econômica Eurasiática, liderada pela Rússia – e que passam necessariamente pela desdolarização – estiveram no centro da pauta, bem como a questão do Irã, país estratégico no grande projeto eurasiático, detentor de imensas reservas energéticas, com enorme mercado interno e que certamente não poderia ser deixado de lado neste concerto de nações.

Neste cenário, a entrada de países com culturas tão antigas no jogo de poder global, valendo-se das mesmas regras instituídas pelo atual hegemon do sistema, e articulando-se mutuamente em fóruns globais totalmente à parte dos tradicionais clubes onde apenas os países industrializados ocidentais poderiam participar – mesmo que seja legítimo e necessário que isso ocorra – no final das contas, tem provocado uma reação cada vez mais irracional e perigosa dos Estados Unidos, que a cada dia que passa dobra mais a aposta no uso unilateral da força para impor sua declinante hegemonia através de sanções econômicas, ataques indiretos (guerra híbrida), ou bombardeios.

Fim de um longo ciclo

A antiga república de Veneza, pequeno protótipo de hegemon capitalista; que no longínquo século XIII desenvolveu a extraordinária capacidade de estabelecer monopólios – onde todo comércio entre Oriente e Ocidente deveria passar por Rialto e por sua moeda de referência “global” – não poderia imaginar que a maior derrota que imporia à sua arquirrival Gênova (o Tratado de Turim de 1381 expulsaria Gênova dos mercados mais lucrativos do Mediterrâneo oriental) na verdade acabaria por transformar-se num impulso para que os genoveses pudessem sair da asfixia, empurrando seus sofisticados banqueiros a encontrar saída financiando o expansionismo ibérico.

A até então poderosa Veneza, portanto; meio que sem querer, na ânsia por expandir seu poder, acabaria por contribuir para que o jogo sistêmico inaugurado por ela e suas rivais italianas saísse completamente do controle.

Já em 1494; sem perceber a mudança dos ventos, os pequenos e decadentes enclaves comerciais do norte da Itália se viriam ameaçados por novos atores do sistema: poderosos e largos Estados territorialistas.

A lógica interna inaugurada pelas pequenas cidades-Estados italianas já não caberia naquelas reduzidas fronteiras, pois havia adquirido uma dimensão muito mais ampla.

Naquele momento, a disputa por poder no recém inaugurado sistema interestatal já havia se espalhado por toda a Europa e em 1512 as duas maiores potências de então, França e Espanha, estariam disputando a hegemonia do sistema em guerra aberta, pasmem, em pleno território italiano.

Sendo assim, e levando em consideração que exista um padrão de repetição- mesmo que não linear- nos ciclos longos da política internacional, não seria exagero afirmar que o aparente período de mudança de ciclo em que estaríamos vivendo neste agitado e tenso início de século XXI, não seria uma mera coincidência se comparássemos àqueles que ocorreram nos últimos mais de cinco séculos que nos separam da aurora dos jogos de poder inaugurados na longínqua idade média italiana.

Como na célebre frase do clássico livro “O Leopardo” de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “É preciso que tudo mude para que tudo permaneça como está”
Nada mais apropriado para o momento de crise existencial em que vive o sistema capitalista mundial.

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Comentários

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marcos

05/10/2019 - 20h00

o brasil tem que se aliar com quem é conveniente para ele, com o oriente vencedor no futuro proximo.
abandonar os perdedores americanos.

Paulo

04/10/2019 - 19h36

O mais grave de uma eventual hegemonia oriental (sino-russa, basicamente) no mundo é que, com ela, a democracia burguesa sucumbiria. E, por tabela, a liberdade plena de imprensa, as eleições periódicas, um sistema de justiça independente, o direito de propriedade, e, eventualmente, a liberdade religiosa…

    chichano goncalvez

    04/10/2019 - 22h31

    1. Democraia em que se elege o menos votado, exemplo: Trump ; 2 Liberdade de imprensa: veja os assassinatos por parte do exercito dos Estados Unidos no Iraque, matança dos negros nos estados unidos por serem negros( isso é democracia ?); 3 Liberdade religiosa, estão matando os musulmanos só por serem musulmanos, os sionistas estão matando os Palestinos por lutar por sua terra, o sionismo que já foi considerado um grupo terrorista pela ONU,.4 Morrem nos Estados Unidos 16 pessoas em 52 tiroteios essa é a liberdade burguesa, que permite que o BNDES de dinheiro dos nossos impostos, para plantar arvores para criar coalas, 5 Que se permita um golpe: explico na minha Villa a presidenta Dilma mandou dinheiro, e fizeram um posto medico exemplar, com o golpe não veio medicos, quer dizer será que vou deixar de adoecer só olhando as cadeiras do posto medico? e tem mais . Voltarei quando se fizer necessario restabelecer a verdade.

      Paulo

      05/10/2019 - 21h58

      Caro Chichano! Há muitas formas de ver a vida: a minha, a sua e a verdadeira.Vamos estudar mais! Porém, é mais difícil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que a China se transformar numa democracia…

        Paulo

        05/10/2019 - 22h00

        Ops, desculpem nossa falha! É “mais FÁCIL um camelo…”

    marcos

    05/10/2019 - 19h58

    paulo,
    no brasil tem liberdade de imprensa e justiça independente? nao seja ridiculo!
    tem sim uma imprensa e uma justiça fascistas, classistas e servas dos americanos!


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