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A revolução cultural americana: Friedman alerta para o perigo interno nos EUA

Para Thomas Friedman, os Estados Unidos estão entrando numa espécie de revolução cultural reversa, onde ideologia e vingança política substituem competência e visão estratégica — exatamente como ocorreu na China de Mao Tsé-Tung. “Não temos uma esquerda maoísta tomando conta do governo. Temos uma direita trumpista praticando sua própria versão da revolução cultural”, comparou Friedman. […]

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Thomas Friedman, no The Ezra Klein Show, podcast do New York Times, em 15 de abril de 2025.


Para Thomas Friedman, os Estados Unidos estão entrando numa espécie de revolução cultural reversa, onde ideologia e vingança política substituem competência e visão estratégica — exatamente como ocorreu na China de Mao Tsé-Tung.

“Não temos uma esquerda maoísta tomando conta do governo. Temos uma direita trumpista praticando sua própria versão da revolução cultural”, comparou Friedman.

Há alguns dias (15/abr), em entrevista ao The Ezra Klein Show, do New York Times, Thomas Friedman falou sobre um fenômeno que, em sua visão, ameaça tanto quanto qualquer rival externo: o ataque interno às bases de competência que sustentaram a liderança americana. Ao comentar o futuro da relação entre EUA e China, Friedman alertou que o problema talvez esteja menos em Pequim e mais em Washington — numa cultura política de purgação e radicalismo que lembra o pior da história chinesa.

A lição esquecida de Mao

Friedman recordou como, durante a Revolução Cultural chinesa (1966-1976), Mao Tsé-Tung mobilizou jovens radicais para destruir a velha ordem política e cultural, perseguindo professores, intelectuais e administradores em nome de uma “pureza ideológica”. O resultado foi o colapso institucional, a perda de décadas de desenvolvimento e uma China mergulhada em caos.

“O que me perguntam na China é: ‘Vocês estão tendo agora a sua própria Revolução Cultural, só que de direita?'”

Para Friedman, a comparação não é exagerada. Nos Estados Unidos de hoje, afirma, líderes políticos como Donald Trump ameaçam expulsar servidores de carreira, atacar universidades, sabotar agências de pesquisa científica e transformar qualquer divergência técnica em traição ideológica.

Quando o mérito vira ameaça

O jornalista observou que, tal como na Revolução Cultural de Mao, o objetivo do trumpismo atual não é melhorar as instituições, mas sim substituir competência técnica por lealdade pessoal. Um exemplo citado foi o episódio recente em que Trump, aconselhado por figuras conspiratórias como Laura Loomer, demitiu líderes de inteligência respeitados mundialmente apenas por não se alinharem politicamente.

“Imagine o que isso sinaliza para a burocracia: se você fornecer inteligência que o chefe não gosta, você será punido.”

Friedman destacou que uma burocracia funcional — com técnicos capazes, engenheiros competentes e diplomatas experientes — foi uma das vantagens históricas dos EUA sobre rivais autoritários. E agora, paradoxalmente, essa vantagem estaria sendo corroída não por um ataque estrangeiro, mas por dentro.

A cegueira que interessa a Pequim

O mais grave, na avaliação de Friedman, é que essa destruição institucional acontece justamente quando os EUA enfrentam desafios externos gigantescos: inteligência artificial, mudanças climáticas e uma nova corrida tecnológica com a China.

“Como você quer vencer essa competição se está fuzilando seus melhores cientistas, seus engenheiros, seus diplomatas, só porque eles não se curvam a slogans políticos?”

Segundo Friedman, enquanto a China — mesmo com seu autoritarismo — reforça suas instituições de pesquisa e inovação, os EUA caminham para um modelo disfuncional em que apenas a lealdade ao líder importa. É, diz ele, como se a estratégia fosse lutar contra a China destruindo o que há de melhor na sociedade americana.

Mais do que eleições: o futuro da capacidade

Durante a conversa com Ezra Klein, Friedman insistiu que o debate não pode ser reduzido a quem vence a próxima eleição. O que está em jogo é a capacidade civilizacional dos EUA de se organizar, inovar e competir.

“Se a cada quatro anos desmontarmos nossas agências, destruirmos universidades, desmoralizarmos cientistas e punirmos quem pensa diferente, seremos nós mesmos que vamos nos tirar da corrida.”

A preocupação de Friedman é que, num ambiente intoxicado por guerras culturais e revanchismo político, até as discussões mais urgentes — como regulação da IA ou combate às mudanças climáticas — fiquem impossíveis. “Sem confiança mínima entre governo, ciência e sociedade, não dá para governar o futuro”, resumiu.

O que resta a fazer

Para Friedman, a resposta não virá apenas da eleição de um presidente mais sensato. Será preciso reconstruir uma cultura política baseada em mérito, confiança e respeito pela especialização — valores que hoje parecem cada vez mais frágeis.

“Não é só derrotar Trump ou o trumpismo. É recuperar a ideia de que o conhecimento importa, que a competência importa, que a verdade importa.”

Ele admite que essa tarefa será longa e difícil, mas insiste que não há outro caminho se os EUA quiserem liderar a próxima era tecnológica e econômica.

Um alerta vindo da história

Friedman finalizou o bloco com um alerta direto: a história mostra que sociedades que sabotam seus próprios especialistas, que perseguem seus melhores talentos e que transformam a política em guerra cultural permanente pagam um preço muito alto — e demoram décadas para se recuperar.

Aqui a minutagem do vídeo. O texto acima se refere ao capítulo “A revolução cultural americana¨, que começa a partir do minuto 56:17
0:00 Introdução
1:36 Por que os americanos não entendem a China
10:30 Os avanços tecnológicos da China
15:23 Consenso de Washington sobre a China
30:15 As tarifas de Trump
51:42 Democratas sobre a China
56:17 A revolução cultural americana?
1:02:11 Impressões da China
1:04:55 Recomendações de livros.

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