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Charlie Hebdo e como inverter o sentido de uma charge. Por Diogo Costa

Por Diogo Costa, no GGN Comentário ao post “Pai de Aylan diz que chorou ao ver charge do Charlie Hebdo“ SEM CONTEXTO NADA FEITO – Falando com um conhecido que está lá na França pude perceber e confirmar algo de que já suspeitava. A charge do Charlie Hebdo não provocou alvoroço algum na terra de […]

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Por Diogo Costa, no GGN

Comentário ao post “Pai de Aylan diz que chorou ao ver charge do Charlie Hebdo

SEM CONTEXTO NADA FEITO – Falando com um conhecido que está lá na França pude perceber e confirmar algo de que já suspeitava. A charge do Charlie Hebdo não provocou alvoroço algum na terra de Napoleão.

E não provocou por uma razão bem simples e objetiva: a charge é uma crítica ao pensamento médio da direita europeia que imagina, de forma paranoica, que um menino imigrante pode vir a se tornar, no futuro próximo, um estuprador, violador, criminoso ou coisa que o valha.

O Charlie não disse que o menino sírio que morreu afogado viria a se tornar um violador de mulheres alemãs, mas sim expôs o pensamento conservador que defende, este sim, que os imigrantes são potenciais criminosos.

Foi uma crítica aos conservadores, feita na polêmica charge, que reproduziu o pensamento obtuso dos mesmos. De modo que o contexto é tudo, não é mesmo?

A única coisa que os franceses não entendem hoje, e não entenderam no início do ano passado, é essa onda de agressões e de virulência sem limites contra o pasquim alvo de atentados de radicais islâmicos. Qualquer francês sabe, desde sempre, que o Charlie é uma publicação de esquerda, crítica da Frente Nacional Fascista da família Le Pen, crítica da ocupação dos territórios palestinos, crítica de todos os fundamentalismos religiosos, etc.

Para eles a última charge do Charlie não tem nada de esdrúxulo pois é mais uma entre as milhares de charges que criticam o pensamento preconceituoso dos conservadores.

O que os indigna são as críticas de pessoas ao redor do mundo, que não entendem o contexto das publicações do Charlie e que ainda acusam este libertário pasquim de cometer delitos que na verdade são o alvo preferencial das suas críticas.

Outra coisa que os indigna são as críticas que as pessoas fazem às atitudes do governo francês ao longo da história, transferindo essas críticas para o pasquim Charlie Hebdo, que sempre foi um ácido crítico da postura colonialista da França.

Enfim, sem o contexto adequado corremos todos o risco de criminalizar uma publicação que milita no campo popular e de fazer o jogo dos conservadores que a detestam desde sempre.

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roberto quintas

20/01/2016 - 12h09

só há um problema nessa análise: Charlie Hebdo não fez contexto algum. Tal como na charge onde ele fez com Aylan, “brincando”, em um humor à lá Gentili, que a Europa é cristã porque Cristo anda nas águas e muçulmanos morrem afogados.

Pedro Zecchin

20/01/2016 - 10h46

CH foi uma revista claramente libertária até sua refundação, no começo da década de 90, por uma figura de quem vale a pena falar um pouco: Philippe Val é cronista, músico e jornalista, militante da esquerda e esteve à frente da publicação entre 1992 e 2009. Durante esses anos, Val afastou vários colaboradores do semanário, sob pretextos diversos. Uma de suas principais críticas é o de uma certa proximidade obtusa entre movimentos extremistas islâmicos e a extrema esquerda. De fato, a maioria dos que foram demitidos ou pediram demissão era de colaboradores mais ligados à esquerda radical, mas nunca se soube que fossem próximos do islamismo djihadista.

O jornalista assumiu uma postura progressivamente mais próxima do centro, posicionando-se quase sempre de modo automático a favor dos EUA e de Israel, chegando a dizer que Edward Snowden era um “traidor da democracia”. Tornou-se sionista militante e chegou a demitir do Charlie Hebdo o cartunista Siné, de medo que uma de suas crônicas sobre o casamento de Jean Sarkozy (filho do ex-presidente Nicolas Sarkozy) com a herdeira (judia) do grupo Darty rendesse ao jornal um processo por antisemitismo.

O semanário “libertário” foi criticado por não ter dado a devida atenção ao caso que ficou conhecido como Affaire Clearstream, sobre um escândalo de evasões fiscais envolvendo uma empresa de post-trade. Philippe Val se posicionava contra matérias que mencionassem o caso porque o advogado da companhia em questão era o mesmo do Charlie Hebdo. Pessoas que trabalham com Val o acusam de ser autoritário e de promover auto-censura no CH.

Dito isso, volto à charge que gera tanta polêmica e ao texto do Diogo Costa.

Não é preciso ser um gênio da semiótica para interpretar a charge. Ela mostra o desenho de Aylan Kurdi morto na praia e coloca a questão: “o que teria se tornado o pequeno Aylan se ele tivesse crescido?”. Em seguida, o desenho de um suposto Aylan adulto, com nariz de porco e cara de tarado a correr atrás de uma mulher e a resposta: “apalpador de bundas na Alemanha”. Isso é tudo o que a imagem diz.

Bem, “apalpador de bundas” é algo consensualmente visto como mau. Se o pequeno Aylan tivesse crescido e inevitavelmente virado um apalpador de bundas, só se pode felicitar o fato dele ter morrido. Sua morte evitou que mais mulheres viessem a ser violentadas. Isso é tudo o que a imagem quer dizer.

Agora o tal “contexto”. Morei sete anos na França e sou casado com uma francesa. Convivi com gente de diversos estratos sociais e de orientações políticas diversas. Embora seja possível identificar alguns traços comuns a formar uma ideia vaga do que se poderia chamar de “humor francês”, a tal charge está longe de ser um consenso. Minha mulher achou abominável; um conhecido achou engraçada. De toda forma, ela não é representativa do “humor francês”, mas do estilo próprio ao CH. Na França, como no resto do mundo, existem várias formas de ser iconoclasta, provocativo, sarcástico, etc. e a publicação, principalmente após os anos Philippe Val, é conhecida por levar essas posições ao extremo, frequentemente de forma ambígua. Daí a necessidade constante de explicar e justificar suas sátiras.

Afirmar, como faz Diogo Costa, que “a charge é uma crítica ao pensamento médio da direita européia” é apenas uma forma de justificá-la a posteriori, porque em si ela não faz referência alguma à direita européia. Por mais sutil e indireta que seja uma sátira ou uma ironia, seu objeto é sempre clara e imediatamente identificável, e é isso que faz sua força. Uma boa sátira, mesmo para os franceses, não dá margem para ambiguidades: todos sabem quem se está a fustigar, ainda isso não seja dito explicitamente.

Diogo diz que “O Charlie não disse que o menino sírio que morreu afogado viria a se tornar um violador de mulheres [nota: DISSE, SIM], mas sim expôs o pensamento conservador que defende, este sim, que os imigrantes são potenciais criminosos”. Ora, onde está, na charge, a figura desse pensamento conservador? O que o representa no desenho? O que o sugere? Essa figura só existe na cabeça de quem quer justificá-lo, porque do desenho em si ela está totalmente ausente: não existe nem direta e explicitamente, nem de forma indireta e sugerida. É pura interpretação ad hoc.

Se é verdade que a publicação não “provocou alvoroço algum na terra de Napoleão”, não é porque a charge “critica o pensamento médio da direita europeia”, mas porque os franceses não esperavam outra coisa do Charlie Hebdo. Senão, onde está essa direita que se incomodaria com a tal charge? Quem, de fato, se sentiu agredido com o desenho? Marine Le Pen? Os militantes do Front Nacional? Ora, para estes, a charge só disse verdades. De forma alguma ela os ataca ou incomoda. Se a intenção era denunciar a direita xenófoba, a charge não apenas falhou miseravelmente como deu um tiro no pé: quem ficaria surpreso de vê-la pregada na parede do quarto de um adolescente neo-nazi, ao lado de uma cruz gamada?

O silêncio dos franceses sobre a charge se deve antes ao fato de estarem acostumados a ver o semanário esticar todos os limites do bom senso, do respeito, da decência, e se compara ao relativo silêncio dos brasileiros ante as asneiras de um Danilo Gentilli ou um Rafinha Bastos. A diferença é que esses humoristas brasileiros não são ambíguos e, portanto, não precisam se valer do renome de um passado de esquerda (que não têm) para justificar suas posições.

Os franceses entendem, sim, a “onda de agressões e de virulência” das quais CH é vítima, não só de extremistas islâmicos, mas também de laicos liberais, de esquerda e de direita. Apesar de concordarem com a liberdade de imprensa e opinião como um valor absoluto, sabem muito bem que o jornal abusa dessas liberdades. Nem todos concordam com CH e nem todo francês o defende incondicionalmente. Nenhum francês vai defender que se cometam atentados contra a redação, nenhum francês vai dizer que os mortos de janeiros fizeram por merecer, nenhum francês vai justificar as mortes ou a censura. Mas nenhum francês se surpreende com os ataques que CH sofreu. Dizer que os franceses não entendem as críticas que se faz ao Charlie Hebdo é chamá-los de idiotas, e isso eles não são.

Porque em qualquer contexto, mesmo no da sociedade francesa, usar a imagem de uma criança morta tragicamente em circunstâncias atrozes para associá-la a atos repreensíveis de alguns malucos, identificando-os a todo um grupo de pessoas majoritariamente inocentes, é de uma baixeza tão vil que, embora não justifique nenhuma violência, não causa nenhum espanto quando alguém resolve chegar aos finalmentes.

Vicente

18/01/2016 - 16h27

Está explicado: alguém do outro lado do mundo deve ter analisado os depoimentos do Youssef e entendido que “Dilma e Lula sabiam”, quando na verdade Youssef tinha dito: Aécio Neves recebia 130 mil dólares de Furnas.
Tudo depende do contexto de quem analisa…


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