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Lula de volta ao STF – Rodrigo Janot e a lógica do golpe

por Bajonas Teixeira de Brito Junior, exclusivo para O Cafezinho Vivemos hoje no Brasil sob o signo das inversões, em que os malandros, vigaristas, salafrários, punguistas, corruptos de alta patente, desempenham o papel de vestais, de denunciantes, de juízes do impeachment, de moralistas escandalizados, enquanto acompanham as sessões no Congresso de olho no vídeo pornográfico […]

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por Bajonas Teixeira de Brito Junior, exclusivo para O Cafezinho

Vivemos hoje no Brasil sob o signo das inversões, em que os malandros, vigaristas, salafrários, punguistas, corruptos de alta patente, desempenham o papel de vestais, de denunciantes, de juízes do impeachment, de moralistas escandalizados, enquanto acompanham as sessões no Congresso de olho no vídeo pornográfico no iPod. Sob o signo de Saturno domina o signo do caos.

Para entender o pedido feito pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, para que o STF abra inquérito para investigar Lula e Dilma, é preciso ter presente essa atmosfera de inversões e pesadelo, sem o que aquela solicitação, apoiada apenas na palavra de Delcídio do Amaral, seria ridicularizada. O sentido geral é óbvio: para consolidar o golpe é preciso varrer a perspectiva de que Lula seja candidato em eleições que já estão próximas. Para isso é vital impedi-lo.

Sem Lula no horizonte, sem pressão popular em torno do seu nome, o jogo político se reduzirá ao terreno das elites, seus candidatos e seus programas. Mera farsa de vida democrática. Expulsa qualquer perspectiva popular do campo político, os bancos, a Fiesp, o agronegócio, estarão livres para cogitar todas as alternativas e escolher a que melhor contemple seus interesses, do tipo: “Com Temer ou sem Temer?”, “Com Temer num mandato ampliado para 6 anos e a Constituição cortadas em 3 artigos?”, “Com golpe e ‘democracia’ ou com golpe e ditadura?”.

Como prelúdio a essa liberdade reconquistada pelas elites, assistimos ao crescente domínio das inversões sobre a realidade. Vejamos alguns fatos.

Dois Sem Terras são assassinados no Paraná, um outro na Paraíba, os três casos no dia 07 de abril, e os latifundiários pedem a Temer que, ao sentar na cadeira da presidência, seu primeiro ato seja lançar o Exército contra os Sem Terras.

Após incitar os latifundiários a usarem fuzis contra os Sem Terras, no dia 13 de março em Brasília, Bolsonaro acusa o governo de preparar um ataque terrorista.

Delcídio do Amaral, a figura mais desprezada da República, coincidentemente também a mais desprezível, denuncia Lula, que ocupa a posição de homem mais honrado para a opinião pública, tanto que aparece como candidato preferido do eleitorado em três cenários distintos.

Dilma vai ao impeachment pelas mãos de Cunha, o menino do dedo verde, as mãos mais sujas do país. Mas Eduardo Cunha está no STF desde dezembro, e nenhuma prioridade foi dada ao seu caso. Em dezembro, o STF informou que faria o julgamento em fevereiro (“só em fevereiro”), e já estamos em maio. Mas quando Delcídio foi preso, sendo então um nome de expressão e líder do PT no Senado, o STF correu com máxima velocidade para dar legalidade à prisão. Preso na manhã do dia 25 de novembro de 2015, o ato foi referendado pelo STF nesta mesma manhã.

Portanto, no caso de Delcídio a decisão do STF veio em três ou quatro horas, no caso de Cunha, o arquiteto do impeachment, já perdura suspensa por cinco meses. Haveria prova maior e mais descarada da participação do STF no golpe? Mas as inversões não param por aqui, tanto que o STF sentou em cima das liminares que impediram a nomeação de Lula para a Casa Civil, e continua sentado sobre elas. O que estas aves estão chocando senão um horripilante golpe? Pela pena se conhece o pássaro, diz o ditado medieval. Prossigamos.

Procuradores tão cultos que confundem Hegel com Engels, pediram a prisão preventiva de Lula enquanto outros, ainda mais cultos, chamaram de Aletheia, termo tirado do vocabulário do filósofo nazista Martin Heidegger, a operação-show  montada por eles para arrastar pelas ruas de São Paulo o ex-presidente para depoimento. Isso nos idos de março, há muito tempo atrás, considerado o ritmo estonteante do torvelinho que nos arrasta nesses ‘tempos interessantes’.

Um dos maiores beneficiados do impeachment, o vice Michel Temer, é diversas vezes citado, investigado, e, como se não bastasse tudo isso, descobrimos agora ser testemunha de defesa do macabro torturador Bilhante Ustra, e de outro monstro da mesma família, um tal Carlinhos Metralha. É esta a figura que a mídia quer pintar como comedido, equilibrado e dotado de calma grandeza.

Um senador cujo helicóptero foi encontrado com 450 kg de cocaína, faz campanha com o cartaz “Eu confio na PF“, e diz de boca cheia, e infelizmente pode dizê-lo, que nenhum processo, investigação, inquérito, foi aberto contra ele. E este homem é um dos qualificados juízes que decidirá o impeachment no Senado.

A Câmara que julgou Dilma, com seu corpo de deputados formando um juri menos qualificado que os jurados dos piores programas de TV que nos permitamos conceber, dá um show que assombra o mundo. E isso sem que o mundo saiba ainda que  60% dessa Câmara Federal,  299 deputados, somam sozinhos 1.131 ocorrências judiciais.

A Lava Jato transformou a delação em prêmio cobiçado no país, e não foi à-toa: as penas de 13 corruptos de grande porte, que juntas somam 283 anos de prisão, foram, pela varinha mágica das delações premiadas, reduzidas para apenas 7 anos, ou seja, uns poucos meses para cada um.

A Lava Jato, com tamanha generosidade, nos deu todas as indicações de que serve a fins muito diversos do que sua própria narrativa propaga, o combate à corrupção. Pois é. Se é possível desviar muitos milhões dos cofres públicos, destruir outros muitos milhões em obras deterioradas no nascimento, e ainda sair rigorosamente impune, que recado se está dando ao país? Basta dar com a língua nos dentes, para abrir as asas para a liberdade. E alguém que não se constrangeu em roubar recursos públicos terá qualquer dificuldade em fazer denuncias caluniosas para salvar a própria pele?

É sob esse pano de fundo, de inversões alopradas, mas com finalidades e interesses muito claros, que podemos entender o pedido de abertura de inquérito que Janot enviou ao STF ontem. Sua base é a denunciação premiada de Delcídio. E sobre ela podemos começar perguntando o seguinte: se num clima de linchamento, de caça alucinada contra Lula, um notório corrupto, preso, faz uma denunciação e ainda recebe um prêmio (sem contar sua vertiginosa reabilitação pela mídia, a começar com a escolha de suas melhores fotos em seus melhores ternos), isso pode ser levado à sério?

E se, para que as coisas fiquem ainda mais evidentes, a única prova que esse meliante possui são suas próprias palavras as quais nenhum crédito pode, em sã consciência, ser dado? Delcídio é o descrédito em pessoa. Ao aceitar suas acusações o procurador-geral não estará agindo exatamente como quem compra um carro nas mãos de um receptador conhecido? Mas, e se alguém compra um carro nas mãos de uma receptador para vende-lo, como será chamado?

Até se entenderia que, embora preso com o augusto referendo do STF, Delcídio resolvesse fazer denúncias verdadeiras. Mas qual seria a condição sine qua non para a aceitação de uma denuncia de Delcídio como minimamente procedente e não como simples calúnia para salvar a própria pele? Que viesse embasada em provas sólidas, em registros e documentos. Nada disso existe.

O que explica então que um procurador-geral da república, que deve zelar não só pelo interesse público mas também pela seriedade da instituição que comanda, use sem pudor as palavras desse denunciante desqualificado? Nada senão a lógica do golpe. E é precisamente essa lógica que move todas as inversões que repassamos acima. Através dela, Delcídio torna-se um homem honrado, digno de ser ouvido e ter suas palavras consignadas como documentos.

Ao contrário dele, do impoluto Delcídio, Lula aparece como um suspeito contumaz que basta um “pega ladrão” para ser levado à polícia. Só preconceitos desse gênero podem explicar que se tomem decisões com base em denúncias vagas e caluniosas, sem  respeito por nada, sequer pela lógica mais elementar. Diz o Procurador Geral Janot que a organização criminosa que atuou na Petrobras

“jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dela participasse”.

Mas se é assim, e como esse funcionamento de “tantos anos” começou na era FHC,  como já afirmaram diversos depoimentos, então Lula era o responsável também pela corrupção na Petrobras durante o governo FHC, já que a organização criminosa “jamais poderia ter funcionado por tantos anos (…) sem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dela participasse”. A decisão de Janot só não teria essa consequência absurda, se ao pedir o inquérito contra Lula tivesse pedido, no mesmo pacote, outro contra FHC.

O que Janot pretende ao ofender a lógica, é o bloqueio político de Lula. Nada mais. Ou seja, aqui, como em toda parte, é a lógica do golpe que comanda as inversões mais descaradas da lógica das coisas.

Nessa lógica, um dos grandes objetivos é o de abrir processos contra Lula e Dilma para desarmar a imprensa internacional que, hoje, no mundo todo, ridiculariza a situação em que patifes processados, como Cunha, são os condutores do impeachment contra uma presidente sobre a qual não pesa nenhuma denúncia.

As grandes inversões surgem em época de tragédia política. A existência de uma Câmara Federal que, como vimos em 17 de abril durante a votação do impeachment, é a própria falência da representação, se explica pelo controle  – na escolha dos candidatos, no financiamento das campanhas, na promoção dentro dos partidos, etc. – exercido pelas grandes forças (como o BBB, as bancadas da Bala, do Boi e da Bíblia) que invadem o cenário público aniquilando a qualidade da sua representação. São alguns Gullivers que se impõe sobre centenas de liliputianos e pigmeus da terra do nunca condenados à infância eterna.

Hoje, essas forças avaliam que a situação já está madura para uma inversão completa do que resta de democrático na esfera política do país. É a aposta na inversão total, o golpe, que permite que cada personagem microscópico em condições normais (um Cunha, um Delcídio, um Temer, um Aécio, etc.) tenha vez e tenha voz.

É ainda nessa dissolução da política, que toda a esfera pública se reduz ao confronto ou à negociação mais ou menos diretos entre corporações. Quando a OAB, a FIESP, a FEBRABAN, as associações do Agronegócio, se apropriam da política e do público, surgem as condições ecológicas para que outras forças se autonomizem e passem a gravitar elas também como corporações (o STF, o MPF, a PF, etc.). Em lugar do interesse público, cada uma passa a defender prioritariamente os interesses, a busca de poder e de prestígio, dos seus membros.

A cabeça de Lula é então uma bigorna, sobre a qual cada um malha o ferro quente para fortalecer suas prerrogativas, e essa cabeça é também um troféu, que cobiçam para dar lustre e reputação às suas confrarias.  Afinal, decapitar a democracia seria a glória máxima que cada uma dessas corporações busca nesse momento. Basta lembrar o afã dos ridículos procuradores de São Paulo, a trinca hoje conhecida como “os três patetas”.

O que se deveria fazer para denunciar a unilateralidade da justiça no Brasil hoje? Uma boa sugestão talvez seja um placar digital contando dias, horas e meses relativos aos seguintes tempos:

  1. O tempo que o STF levará para dar resposta ao pedido de Janot contra Lula e Dilma.
  2. O tempo que o STF vem levando para examinar a liminar que impediu a tomada de posse de Lula no ministério da Casa Civil.
  3. O tempo que o STF já gastou, e ainda gastará, empurrando com a barriga o afastamento de Cunha.
  4. O tempo que o STF levará em cada um dos processos principais que tenham poder de barrar ou acelerar o golpe.

Fazer esse placar e abrir uma fictícia bolsa de apostas, seria uma iniciativa interessante para fixar na compreensão pública o que tem sido as práticas de “gerenciamento” da justiça pelo STF. E isso, se feito a tempo, obrigaria o STF a um mínimo de prudência.

PS: por falar em comportamento de Corporação, foi exatamente isso que assistimos ontem com o bloqueio do WhatsApp pela justiça. Embora chocando pela falta de discernimento, da desproporcionalidade cometida, afetando milhões de pessoas que dependem do serviço, a ação serviu para mostrar a potência da justiça no Brasil, seu mando e desmando.

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES. Foi duas vezes vencedor do Concurso Nacional de Ensaios, organizado pelo Minc (2000 e 2001)

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Comentários

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Jó Ge

05/05/2016 - 02h02

Esse Golpe Parlamentar é a um só tempo o estupro da nascente Democracia Brasileira e o aborto do Sistema Político portador de má formação congênita.

maria flor

04/05/2016 - 23h31

Chora petralha!!!

maria flor

04/05/2016 - 22h30

Blog de petralhas kkkkkk

    Pondexter

    05/05/2016 - 16h24

    Nossa… Quantos argumentos.

robertoAP

04/05/2016 - 18h15

O Lula e a Dilma, ao invés de governarem com a panela, como fazem todos os governos do mundo, todos ,sem nenhuma exceção , resolveram colocar na sala,uma dúzia de bodes, que agora não saem da sala de jeito nenhum.
A Dilma chegou ao cúmulo de nomear esse tal Janot,em um cargo, que , para espanto do mundo inteiro, manda mais do que ela, o qual mandou mandou prendê-la.
As nações todas estão achando,que aqui só tem loucos. O pior , é que é a dura realidade.

raqueltdlopes

04/05/2016 - 17h52

O Supremo é uma fraude. A gente pensa que lá se faz justiça. Que justiça??? Isso tudo é muito subjetivo. Depende de que justiça estejamos falando. Na verdade temos que reconhecer que Dilma com seu republicanismo tupiniquim deixou a corda frouxa nas instituições desse país. Onde acontece numa Policia Federal o que aconteceu aqui? Em que lugar do mundo o Ministério Público age como partido politico??? Onde os membros de uma Suprema Corte são escolhidos como aqui?? Não adiante a gente só reclamar dos Moros, dos Janots, Globo, Veja, vazamentos, Golpe, se a Presidente da Republica manteve um Ministro da Justiça, no minimo omisso, diante de muita dessas situações! se ela própria se recusava a tomar qualquer medida legitima que barrasse tamanha baderna. Não foi ela que repetia cheia de orgulho que o legado do seu mandato era o combate a corrupção?? Que ninguém estava acima da lei (se referindo ao Lula)??? Que o melhor controle da mídia era o controle remoto??? Não foi ela que se distanciou dos movimentos de esquerda e dos movimentos sociais??? Ela esperou 6 anos e meio pra buscar quem ela tinha descartado??? Por favor não podemos tapar o sol com a peneira, mesmo que seja difícil aceitar a verdade. Se queixar de que agora que o estrago já foi feito??? Eu venho lendo em alguns blogs há mais de dois anos que a finalidade da lava a jato era prender Lula e criminalizar o PT. Dilma fazendo de conta que não estava vendo nada. Tenho certeza que ela, Cardozo pensaram que entregando Lula de bandeja eles seriam poupados e que o mandato dela seria preservado. É isso. Muita tristeza e decepção. Só isso que sinto.

Luiz Henrique Coelho Garcia

04/05/2016 - 17h27

Não acredito em mais nada. Nada restou para nos ampararmos. O Brasil, hoje, é terra arrasada. Sobrou nada. Tudo ruiu. O país não deu certo.

    Fabiana

    04/05/2016 - 20h11

    Nosso país tem um povo maravilhoso que, por ser pacífico, e cuja a maioria não está habituada a fazer valer seus direito garantidos em lei, custa a acreditar na capacidade alheia para a maldade. Demora a perceber que está sendo enganado. O povo tem boa fé.

    Nosso país, não foi feito para dar certo.Éramos uma colônia a ser sugada; nos tornamos independentes; acabamos com a escravidão; viramos república/ derrotamos as ditaduras; restauramos a democracia; passamos a ter eleições diretas para presidente; nos mantivemos presidencialistas; erradicamos a fome; estamos no BRICS; e todas essas conquistas sempre causaram incômodo nos grupos egoístas que precisam ver miséria para se sentirem superiores, realizados ou felizes.

    O Brasil conquistou espaço no cenário internacional, servirá como amparo, mas seu melhor amparo é o povo.
    Nosso povo maravilhoso, apesar da momentânea e aparente derrota, não está morto, está apenas decepcionado com a politicagem, mas sabe enfrentar adversários e vencê-los.
    Tudo a seu tempo. Se ante, em condições mais precárias a vontade do povo prevaleceu, agora não será diferente.será melhor.

    Jó Ge

    05/05/2016 - 01h48

    Sim, é essa mesma a sensação primeira que nos vem ao olharmos para a terra ressequida e manchada pelas cinzas das chamas da insensatez que se abateu sobre o país. Entretanto, é
    de se supor que Dilma, possivelmente, presumiu sua própria e possível queda, quando adiantou que não sobraria pedra sobre pedra, em decorrência de ela mesma estar na torre do castelo que ora vemos desmoronando. Esse, talvez, tenha sido o risco por ela assumido para expor, como jamais feito, a podridão do sistema político de poder, no qual não se salva quase ninguém, como visto na votação do impeachment na Câmara, nas ações do Moro, do MPF, da PF, e, agora, no Senado e no STF. Do Executivo ao Legislativo, passando pelo Judiciário, todos têm os seus pecados, incluindo a sociedade civil e suas entidades. Mas, ainda assim, como num incêndio florestal, que antes reaviva do que mata a mata, veremos novas sementes brotarem sobre os escombros das velhas práticas políticas carbonizadas.


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