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O golpe e a construção do inimigo político

A Construção do Inimigo Por Denise Assis* “O olhar não é neutro, ele me avalia e me atribui julgamentos de valores que são, ao mesmo tempo, verdadeiros e falsos, e por isso o outrem me constitui através de seu olhar.” (Jean-Paul Sartre) A escolha de abrir este texto com a frase do pensador que foi […]

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A Construção do Inimigo

Por Denise Assis*

“O olhar não é neutro, ele me avalia e me atribui julgamentos de valores que são, ao mesmo tempo, verdadeiros e falsos, e por isso o outrem me constitui através de seu olhar.”
(Jean-Paul Sartre)

A escolha de abrir este texto com a frase do pensador que foi ao mesmo tempo escritor, filósofo e militante político se justifica. O golpe em curso no Brasil se deu a partir do olhar com que a direita, desde o início, mirou o governo que ora persegue destituir. Um olhar carregado de preconceito, ódio e ressentimento.

Em conversa recente com o ex-deputado José Genuíno, no Rio de Janeiro, tocou-se em um ponto que merece reflexão e continuidade de análise: o que diz respeito à construção do inimigo. Tomando-se por base o trabalho desenvolvido pelo grupo conspiratório do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês), pode-se observar que, a partir da escolha do alvo a ser destruído, o governante e o seu governo, faz-se um trabalho intenso de convencimento junto à opinião pública. A forma como isto se dá não é, de início, explícita. Começa-se pela formação de um círculo amplo de agentes dispostos a tecer uma rede de desmoralização, munidos de sentimentos e interesses comuns. O que os move? A defesa do capital. Simples assim. Passo seguinte parte-se para que isto seja colocado em prática, ocupando espaços na mídia. Em nosso caso, a ação torna-se mais eficiente, pois ela está nas mãos de poucos, e é feita para muitos. Um grande público que, sem perceber, vai sendo imbuído de um sentimento de insatisfação e pessimismo quanto ao governo vigente.

O processo começa por iniciativa de uma elite intolerante, incapaz de abrir mão de espaços que julga serem seus, e que, portanto, não devem e não podem ser freqüentados por pessoas de natureza simples, cujo padrão estético ou financeiro seja diferente dos delas. Isto, no que diz respeito ao poder, então, é inadmissível. Foi assim em 1964, quando um estancieiro se arvorou do Sul do país para ocupar o cargo máximo da presidência, foi assim em 2003, quando um torneiro-mecânico subiu a rampa do Planalto.

A despeito de todas as diferenças contidas no golpe dado em João Goulart, para com o que está em curso contra a presidente Dilma – em decorrência do ódio ao ex-presidente Lula, e a tudo que os dois governos representam -, em um ponto eles convergem: no modelo de construção do inimigo.

Observe-se que o prazo de ação (dois anos) foi o mesmo conseguido pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipês), para atingir o objetivo: a derrubada de Jango. Aqui, no caso de Dilma, se pegamos os movimentos e a carga feita pela mídia a partir de 2013, quando as eleições se avizinhavam.

Podemos levantar todo o arcabouço histórico que vem desde a proclamação da República, quando Antônio Conselheiro constituiu-se numa ameaça ao novo sistema, ainda que armado apenas de um discurso fanático, até o suicídio de Getúlio Vargas, a partir do que as tentativas de tomada do poder pela direita conservadora foi uma constante. Mas foi com o eficiente modelo de conspiração que engloba uma parcela significativa da sociedade que o Ipês conseguiu que o golpe fosse dado sem reação. Ou, como está contido em um dos curtas-metragem, do conjunto de 14 que produziu, usados no convencimento à população para que os apoiasse, “sem sangue”.

Neste trabalho, o da construção do inimigo, um elemento fundamental para o êxito do golpe é a população, que induzida a ser coadjuvante, verdadeiramente cúmplice, é fator preponderante para que tudo dê certo. Ela é levada a ansiar pelo golpe. Ao fim do processo, de tão catequizada, ela clama pelo golpe. Foi assim em 1964. Foi assim agora, em 2016.

A massificação de notícias danosas ao governo, a princípio, frequenta as rodas de conversas dos interessados, nas reuniões da alta sociedade, e constituem-se pauta para os grandes veículos. Ganhando as ruas essas notícias começam a ser discutidas em bares e restaurantes da classe média. Com a persistência e a força desta classe, e seu medo eterno de perder o pouco que amealhou, essas notícias entram pelos televisores e se instalam na mesa de jantar dos diversos lares. Em seguida, ganham as ruas, são discutidas pelos taxistas e, finalmente, estão nas mesas dos botecos, nos ônibus e dividem os trabalhadores. Logo eles, que futuramente terão os seus ganhos surrupiados, não percebem que foram contaminados pelo discurso fácil que, tal como a água derramada sobre uma pilha de papéis, vai se infiltrando pelas diversas camadas até chegar à periferia. Neste ponto, quando os argumentos se esgotam na primeira elevação de voz, numa birosca da comunidade, quando o homem simples é arrastado pela ideia de que é preciso mudar “tudo o que está aí”, o golpe está maduro, e é praticamente irreversível.

A esta altura, grande parte da população, convencida por esta verdadeira febre disseminada diuturnamente pelos veículos de Comunicação, pelos núcleos de boatos e, agora, com a poderosa ajuda das redes sociais, torna-se um braço importante do golpe. Tem-se então um quadro esquizofrênico. A mesma população que elegeu o governante passa, então, a odiá-lo, como se não tivesse nada a ver com a sua ascensão ao poder. Está pronto e acabado o inimigo. É hora de colocá-lo para fora.

Grosso modo, este foi o processo experimentado com êxito pelo grupo conspiratório do Ipês, do ponto de vista da construção do inimigo, e apenas dele, pois de resto há muito a ser analisado no que vivemos hoje. Principalmente sob a perspectiva jurídica, parlamentar, e de núcleos conspiratórios que se uniram em torno de interesses outros, tais como escapar de acusações de corrupção. Como o nosso país é uma jabuticaba até mesmo no campo político, não se pode nem mesmo cravar no golpe em curso o conceito de “golpe branco”, pois tampouco neste o quadro brasileiro se encaixa perfeitamente. Vivemos um conceito que ainda está por vir.

* jornalista.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Dilson Magno

22/08/2016 - 18h42

Esses movimentos golpistas são financiados, tem muito dinheiro nisso, Grandes interesses em nossas riquezas, cadê a PF para investigar isso, ou se faz uma investigação na cúpula dos golpistas acho até que poderia começar com Globo fechá-la ou o Brasil será entregue a Bandidos novamente… Shakespeare disse: “se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume”. Agora, substituam “rosa” por “golpe” e “perfume” por “odor”. E para não perder o mote, cito o maior pensador do século XIX, ao lado de Nietzsche, Karl Marx (o do Engels, e não o do Hegel… Kkk): “a história se repete, a primeira vez como tragédia (1964) e a segunda vez como farsa (2016)”.
NOAM CHOMSKY, Antes, combatia-se o Estado autoritário. Hoje, temos que combater o domínio do Estado pelas oligarquias e suas Megacorps. Nos EUA são os irmãos KOCH, no Brasil os irmãos MARINHO. Vejam neste ótimo documentário no Post do Blog do Miro. Tentáculos bilionários dos irmãos Koch. Golpistas são traidores da pátria. ABRAÇO A ‘TODOS’
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/03/tentaculos-bilionarios-dos-irmaos-koch.html
https://www.youtube.com/watch?v=IHSe9FRGpJU
https://www.youtube.com/watch?v=nOaff79Tpqg
http://journal-neo.org/2014/11/18/brics-brazil-president-next-washington-target/
https://www.youtube.com/watch?v=B_anRHv0X1M

Leandro Torreal

22/08/2016 - 18h24

o texto assume, ao menos, que a população realmente quer DIlma fora.

    cid elias

    23/08/2016 - 12h14

    babacas e canalhas não conseguem interpretar um texto simples e direto como este, né mesmo?

      Leandro Torreal

      23/08/2016 - 14h38

      vc tá com alguma dificuldade?
      procure um professor de português, pq esse texto aí tá bem fácil.
      vc deve ser um daqueles analfabetos funcionais.
      aprendeu a escrever mas não sabe interpretar.


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