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A raiz da questão

O termo radical normalmente é utilizado para se referir a alguém ou algum grupo extremado, inflexível e avesso ao diálogo. Há, no entanto, um sentido clássico da palavra radical que deveria ser melhor aproveitado nos debates sobre as questões da sociedade. É o sentido, segundo o Michaelis, de “relativo ou pertencente à raiz, à base, […]

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O termo radical normalmente é utilizado para se referir a alguém ou algum grupo extremado, inflexível e avesso ao diálogo.

Há, no entanto, um sentido clássico da palavra radical que deveria ser melhor aproveitado nos debates sobre as questões da sociedade. É o sentido, segundo o Michaelis, de “relativo ou pertencente à raiz, à base, ao fundamento, à origem de qualquer coisa”.

Tragédias com a magnitude da de Brumadinho – até ontem (31) foram contabilizados 110 mortos e 238 desaparecidos – exigem que busquemos as raízes do problema.

O rompimento da barragem de Mariana, em 2015, provocou 19 mortes e danos incalculáveis ao ecossistema da região. Deveria ter sido um grave alerta para que as empresas tomassem as medidas de segurança adequadas com vistas a prevenir um novo desastre, bem como para que o poder público intensificasse a fiscalização.

Não parece ter ocorrido nem uma coisa, nem outra.

No ano seguinte à tragédia de Mariana, a Vale diminuiu em 44% os investimentos na área da segurança, segundo o UOL. A Agência Nacional de Águas afirma que existem nada menos que 1.118 barragens no país com alto risco de rompimento. A de Brumadinho era considerada como de baixo risco.

O que leva as empresas a, perdoem a expressão mas ela é exata demais para não ser usada aqui, tacarem o foda-se para o risco de novas catástrofes?

A resposta é evidente: sede por lucro. A possibilidade de um sem número de mortes ou de cidades, rios e florestas serem destruídos transforma-se em meros números nos cálculos dos executivos que definem para onde irá o orçamento das grandes mineradoras.

Eles, os executivos, certamente acabam concluindo que é mais lucrativo gastar com lobby junto aos órgãos de governo ou com campanhas de deputados do que garantir a maior segurança possível para seus predatórios empreendimentos.

O grupo Vale gastou a bagatela de R$ 79,3 milhões em “doações” para políticos nas eleições de 2014. “Doações” – haja aspas – cuja contrapartida é a leniência dos políticos com a leniência dos megaempresários. Cujo resultado é morte e destruição.

A sede por lucro está por trás de muitos tipos de tragédias sociais.

O SUS está sempre sob ataque por parte dos detentores do poder porque há megaempresários sedentos por lucrar ao máximo com planos privados de saúde.

A previdência é constantemente apontada como causa maior para as crises porque há megaempresários sedentos por lucrar ao máximo com planos privados de previdência.

A educação pública é sucateada porque, dentre outros motivos, há megaempresários sedentos por lucrar ao máximo com educação paga.

Esses megaempresários financiam políticos, os quais viram garantidores dos seus interesses nas esferas públicas de poder. Esses megaempresários são aliados dos donos da mídia – até porque estes também são megaempresários -, os quais garantem a manipulação da opinião pública para minimizar o número de políticos renitentes.

Ainda temos o sistema financeiro, do qual estes mesmos megaempresários são atores de peso, que abocanha algo em torno de metade (!) do orçamento do país e usa todos os meios de pressão imagináveis para que o Estado não mexa no seu generoso quinhão.

É um sistema bruto, perverso, frio e calculista.

Mas a raiz deste sistema não é a sede por lucro. A ganância é a expressão de algo mais profundo.

O que faz com que os seres humanos percam a sua… humanidade em nome de, estupidamete, acumular dinheiro, posses e bens?

Roger Waters, aliás, zombou espetacularmente do modo de vida dos ricos na entrevista que deu a Caetano Veloso. Para o ex-vocalisa do Pink Floyd, os ricos são como esquilos exibindo suas nozes. “Olhe, eu tenho uma noz maior que a sua!”, dizem uns aos outros, enquanto incontáveis seres humanos suam sangue para sobreviver.

A minha resposta à pergunta logo acima: uma deturpação completa do que é valioso na vida.

A propaganda capitalista, que está impregnada em todo o espectro cultural e social – dos filmes de Holywood às fofocas de bairro -, vende a ideia de que ter dinheiro é sinônimo de sucesso e felicidade.

Isto é obviamente uma fraude. Ter um jatinho ou morar em uma mansão é nada perto de viver com paz de espírito, em harmonia com os demais e com liberdade para divertir-se e desenvolver seus talentos.

Ocorre que para que um punhado de nababos ostentem suas grandes nozes, uma multidão resta sem acesso ao mínimo de dignidade necessário para se alcançar as coisas realmente importantes na vida.

E não venham os liberais com o lenga-lenga de que não há limite para a riqueza e de que é possível conciliar a existência de bilionários com uma sociedade sem pobres e miseráveis. É evidente que o capitalismo não se importa – mais do que isso, precisa – destes para fazer o trabalho duro e manter as engrenagens funcionando a troco de nada.

O nome do sistema diz tudo: nosso deus é o capital. A balela da meritocracia transforma a brutal desigualdade própria da estrutura capitalista em simples mérito ou demérito individual. A meritocracia seria saudável desde que em patamares civilizados e justos de competição – e com o mínimo de dignidade garantido a todos. Na barbárie capitalista, meritocracia é escárnio.

Há que se mudar os valores dominantes, portanto.

A começar pela conduta pessoal. O deslumbre com besteiras como usar roupas ridiculamente caras ou possuir um iate deve dar lugar à chacota. A cada vez que alguém ostentar riqueza em uma roda de conversa, ironizemos.

Na esfera da luta política, que usemos os espaços de poder para problematizarmos o modelo de acumulação capitalista.

Que saibamos nos comunicar com a população e fomentar discussões sobre outras formas de sociedade, com novos valores. Por que não debatermos a imposição de um limite para a acumulação de capital, para começar?

Que participemos de movimentos, associações, sindicatos e partidos para que, fortalecendo os instrumentos de luta da classe trabalhadora, tenhamos condições de travar o bom combate contra os tubarões do capital, os quais drenam os recursos provenientes do trabalho duro para sustentar seu frívolo padrão de vida.

Que tenhamos inteligência e paciência para debatermos em alto nível, seja ao vivo ou na internet, seja falando ou escrevendo.

Que, quando no governo, possamos implementar um modelo de educação que, ao invés de formar soldadinhos do sistema, liberte consciências das amarras do individualismo acumulador.

À luta.

***
Há luta.

Hoje tem ato em homenagem às vítimas de Brumadinho na Praça da Sé, em São Paulo, organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. Há atividades também em outros estados.

O MAB lançou uma campanha de arrecadação de fundos:

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Pedro Breier

Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.

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Paulo

01/02/2019 - 22h44

Sempre haverá, dentro de um regime comunista ou capitalista, uma elite dominante. A diferença é que a elite capitalista é permeável; e a comunista, não. No capitalismo, um operário analfabeto e migrante pode chegar ao poder. No comunismo, só os membros da nomenklatura…com isso, não estou legitimando os excessos dos capitalistas, nem pugnando pela liberalismo desenfreado e desregrado…

Marcelo

01/02/2019 - 21h38

Relembrei minhas aulas de história e geografia do ensino médio dos professores esquerdistas.

Pálido Ponto Azul

01/02/2019 - 14h14

https://www.youtube.com/watch?v=oqwezkvcVLg


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