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O ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica. Foto: YouTube/reprodução.

A autocrítica de Mujica: a esquerda criou consumidores, e não cidadãos; a culpa é nossa

Por Redação

14 de agosto de 2020 : 10h48

Em entrevista ao jornal argentino Infobae, o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica falou da situação das esquerdas na América Latina e o futuro da região.

Mujica é uma das lideranças progressistas da América Latina que melhor resistiram às guinadas à direita que por que a região passou nos últimos anos.

Com frases que passaram por declarações como “as direitas se juntam por interesses e as esquerdas lutam entre si por ideias” e “tiramos muitos da extrema pobreza, mas não os transformamos em cidadãos, transformamo-lhes em consumidores”, a conversa foi repleta de sinceridade e críticas contundentes da parte do ex-presidente.

Leia alguns trechos abaixo.

Infobae: Ao longo das conversas com Nicolás Trotta (atual ministro da Educação da Argentina, e jornalista), você, muito crítico, caracteriza a esquerda latino-americana como ingênua e preconceituosa. Por exemplo, na relação com o exército. Que falta para “dar o salto”?

Pepe Mujica: Ah, não sei. Digo o que penso. Mas também é uma frente de batalha que tem que vencer. E se a interpretação é vaga e estereotipada, estou presenteando o adversário. Não é inteligente: na porrada não se ganha nada. Ganha-se persuadindo e com atitudes coerentes. Dá um pouco mais de trabalho, porém é como aprenderam os índios do pampa a domar, segundo conta Martín Fierro, não? Não domavam com paus e porretes, mas escolhiam os melhores animais e lhes iam acariciando. Demoravam muito, mas o cavalo terminava sendo um amigo. Eram mais inteligentes os indígenas que os espanhóis. Em relações humanas, também é assim.

Infobae: Por que a esquerda e o progressismo só ficaram de pé na América Latina durante tempos favoráveis e a inesperada receita dos preços de commodities?

Pepe Mujica: Os tempos favoráveis foram uma circunstância, mas não nos trouxeram tanto. Era o que vinha passando. A gente buscou uma opção, uma esperança, uma ilusão e a podemos concretizar em partes. A gente segue prisioneira de sua cultura e as sociedades contemporâneas nos transformaram em consumidores viciados. Os de tua idade se apaixonam e saem a passar e vão ver as vitrines do shopping. Não dá para acreditar o grau de domesticação que nos impôs a mercadoria! Nesse mundo, a pobre criatura humana pede mais, mais e mais. E isso é menos, menos e menos. Então, tiramos muita gente da extrema pobreza, mas não lhes tornamos cidadãos: tornamo-lhes melhores consumidores. Essa é uma falha nossa. Temos que assumí-la e dizê-la com clareza para os que vêm na mesma trilha sejam mais perspicazes que nós. Sabe o que é chegar ao governo? Ter uma barra que já está pensando no próximo governo. Isso é tudo um desgraçado curto prazo. Fazíamos discursos sobre a integração da América, mas depois estávamos com os problemas cotidianos e o que menos fazíamos era integração. Essa é uma dívida pendente.

Infobae: No tempo da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas, iniciativa que visava estabelecer uma região alfandegária comum às Américas do Norte ao Sul), quando Hugo Chávez (ex-presidente da Venezuela) e Nestor Kirchner (ex-presidente da Argentina) diziam “Alcarajo”, Uruguai, tendo o senhor como ministro, vendia carne aos Estados Unidos. Pode-se organizar a economia a partir de um ponto de vista ideológico? Ou se deve ter pragmatismo o suficiente para se sustentar?

Pepe Mujica: As sociedades contemporâneas não têm piedade e os negócios são negócios. São como o sangue, como o oxigênio. Pelas demandas da sociedade deve-se implementar a política mais inteligente para resgatar a maior quantidade de valor possível. Por que gostamos? Não, porque a realidade exige. Falas sobre os Estados Unidos. depois apareceu o monstro chinês que não alcançava nada. Capaz de amanhã ser a Nigéria: em 2050, terá tanta população quanto a China; não sei o que acontecerá. Por isso, é determinante que se tenha uma posição muito aberta. Não podemos conseguí-la — não por mim; sou um velhinho de um país pequeno — porque éramos muito progressistas, mas em alguns momentos havia muito sectarismo. Creio que devemos juntar o que temos e tratar de unirmos o que existe, porque se esperarmos para juntarmo-nos com os que gostamos, juntaremo-nos no dia de São Nunca enquanto somos uma folha ao vento porque não decidimos nada para o mundo. Por isso fui com o senhor Piñera à Antártida. Estava ideologicamente alinhado a Piñera? Não! Mas me dava conta de que era importante. Por isso ajudei em tudo que pude o presidente da Colômbia a alcançar o sonho da paz na Colômbia. Tratei de me movimentar com essa lógica, mas têm me criticado bastante por ser tão aberto.

Infobae: A utopia da esquerda unida desagua em um monte de partidos e correntes. O sectarismo é o grande problema da esquerda?

Pepe Mujica: O problema da esquerda é congênito. Franco morreu na cama porque a esquerda se dedicou muito mais à luta interna que a enfrentá-lo no momento adequado. Hitler chegou à presidência porque os queridos companheiros socialdemocratas e os queridos companheiros comunistas se dedicavam a brigar entre si antes de frear o outro. Desde a Revolução Frances, é quase uma lei. E parece que não aprendemos. As direitas se juntam por interesses, e as esquerdas lutam entre si por ideias.

Infobae: Que tem a esquerda para aprender com a direita?

Pepe Mujica: Os termos “esquerda” e “direita” são próprios da Revolução Francesa, mas creio que sejam atitudes de olhar a vida tão velhas quanto o Sapiens sobre a Terra. Sempre há uma atitude conservadora e uma atitude solidária de mudança que se expressam de acordo com os valores da época. Agora, quando o que chamamos de “esquerda” opina demais, cai-se no sectarismo, dogmatiza-se. Só se cai no infantilismo, em confundir desejo com realidade. A direita conservadora também cumpre uma utilidade porque não pode viver mudando a cada momentinho. Mas quando refina demais seu conservadorismo, cai no reacionário, no fascistoide. Esses dilemas estão permanentemente no ser humano.

Infobae: Por que acabou a era do progressismo na América Latina?

Pepe Mujica: Porque está tomando ar. Está ofegante. Precisa de mudanças geracionais. Entramos em uma era digital. Agora vêm as máquinas que pensam, é todo um acontecimento. Teremos que fazer as máquinas que pensam pagarem impostos. Virão lutas de outros tipos e esse duelo continuará porque é uma oscilação constante da humanidade.

Infobae: O Uruguai pode se converter em um modelo de alternância democrática, de educação, de inovação tecnológica, de produção agropecuária para a América Latina?

Pepe Mujica: É um país pequeno que pode fazer coisas que são difíceis para um país grande. Desse ponto de vista, é uma boa oficina de experimentação humana. Que seja conservador não é necessariamente mal. Somos bastante hábeis para trabalhar mas não nos matamos muito de trabalhar, trabalhamos o necessário. É um defeito? Talvez. Eu estive no Japão e os admiro, mas não gostaria de viver no Japão. Por isso não me preocupa que sejamos modelos. Sabe o que me preocupa, irmão? Que a gente viva feliz! Que isso que se chama “a aventura da vida”, que se vai à merda tão rapidamente quanto o trote do cavalo, viva-se com felicidade e sem ferrar aos outros. E que quero dizer à gente que não se precisa estar coberto de riquezas nem de muitos carros nem de luxos nem de nada por estilo. Necessita-se tempo para cultivar os afetos, as relações humanas, as coisas queridas, as pequenas coisas da vida que não têm preço. Eu dou uma importância brutal à batalha cultural. Se não mudarmos isso [aponta com a mão para a cabeça], não muda nada.

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7 comentários

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Fernando

17 de agosto de 2020 às 23h22

Só meritocrata nascido em berço de ouro que nunca deve ter passado uma dificuldade na vida até a maioridade comentando… A meritocracia é a maior falácia conveniente dos ricos que muitos pobres imbecis adoraram regurgitar. Aqueles que são seduzidos exatamente pelo consumismo que este homem inteligentíssimo vem criticar. Você que vem comparar Bolsonaro a Pele Mujica não tem cérebro, você é burro e ignorante, consumista e sem propósito na vida, deixa a propaganda lhe dizer que a única satisfação do universo é o consumismo sem sentido. E triste também ver o câncer social que a internet se transformou com suas redes sociais e fake news. A futilidade social das redes sociais degrada a sociedade banalizando fatos importantes. Tudo isso, fomentado a cada segundo por usuários e pessoas carentes e fúteis que querem em seus comentários o ópio momentâneo que alguns likes proporcionam.

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Melissa

14 de agosto de 2020 às 11h54

Pior do que meros “consumidores”, criou uma legião de mimados em pretensos “direitos”, dependentes do Estado para lhes resolver todos os seus problemas, e que são incapazes de sobreviverem por conta própria.

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    Batista

    15 de agosto de 2020 às 20h26

    É isso aí, Melissinha!

    Que desigualdade, que nada, esse povinho preguiçoso, vagabundo, chegado numa caninha, no futebol e em sofrer, precisa aprender de vez: O que interessa é a MERITOCRACIA.

    Não bastando o exemplar Bolsonaro, está aí João Amoedo, com os declarados mais de 425 milhões de patrimônio, metade deles investidos em renda fixa, CEO do partido dos banqueiros, o ‘Novo’, para mostrar a essa gente mal intencionada desde o nascimento, de inveterados pidões que hereditariamente dependem do estado para sobreviverem, o meritório valor dessa labutadora ‘gente de bem’, patrimonialistas que só dependem do estado para viverem bem, daí, o ‘gente de bem’ que os identifica e não do mal como são fichados esses pobres e miseráveis brasileiros, na polícia, que há séculos, por opção, não se esforçam para não precisarem do estado, prejudicando com esse péssimo comportamento esmoleiro, a hereditária classe dominante, na sua suada atividade de distribuírem a Informação, a Justiça e a Renda, do Brasil, MERITÓRIAMENTE, e de acordo com alguns, também pela RAÇA.

    Parabéns Melissinha, se a Globo for justa, tu leva o “Faz Diferença em Adestramento – 2020”.

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      Andrômeda

      16 de agosto de 2020 às 11h01

      Batista, q desigualdade que nada. O problema é a pobreza! Toda vez q vejo alguem falando em desigualdade a palavra q me vem na cabeça é INVEJA. Qual problema com a grana do João Amoedo?? Ele a roubou de alguem?? Ou só se valeu das oportunidades e circunstâncias disponíveis??
      Sim, meritocracia é o q vale, pois toda vez q alguem recebe algo “de graça” é pq outra pessoa esta pagando aquilo. Não existe almoço grátis!
      E o simples fato de existirem diversos exemplos de gente que saiu de baixo e prosperou como mérito do esforço próprio prova q oq defendo é o correto.

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        Batista

        17 de agosto de 2020 às 13h02

        Xiiiiiiii, Melissinha, pintou concorrente pra lá de meritório, praticamente imbatível na luta pelo prêmio ‘Faz Diferença’.

        Um ‘adestradaço’ com pós doutorado em replicação de cangas da ‘bovinidade ruminante’:

        ‘Não tem almoço grátis’, ‘Gente de bem & Pais de família’, ‘É Preciso reduzir o Estado’, ‘O governo tem gastar como uma família e governar como uma empresa’, ‘Precisamos de Gestores e não de Políticos’, ‘Não se pode ultrapassar o teto de gastos, senão a cuca vem pegar’, ‘O negócio é tomar logo a cloroquina’, ‘Família que racha unida permanece unida’, ‘a Meritocracia é o caminho, há 520 anos’, pois divina, por ‘unção’, no nascimento o sortudo já sente o quanto é bom garantirem-no viver da mesma, e por aí segue “… a procissão, se arrastando como cobra pelo chão, as pessoas que nela vão passando, acreditam nas coisas…”

        Eta povinho maltrapilho e ignorante que não entende isso e, pior, insiste há séculos em sobreviver das tetas inchadas do Estado, divina propriedade dessa ‘culta, progressista, tolerante e sofrida’, classe dominante, né não, esposa de Perseu?

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          Andrômeda

          17 de agosto de 2020 às 20h30

          Rebater algum argumento à altura, nada, né?
          Claro, não há como.
          Passe bem, seu Batista.

Hilux12

14 de agosto de 2020 às 11h26

Pepe Muxiba….um velhinho retrogrado.

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