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Uso de imóveis existentes pelo MCMV é avanço no direito à cidade, dizem especialistas

Uma das críticas ao antigo programa é a construção de moradias longe dos centros urbanos e sem infraestrutura Publicado em 18/02/2023 – 09:08 Por Caroline Oliveira – Brasil de Fato – São Paulo (SP) Brasil de Fato — O novo programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), relançado na última quarta-feira (15), tem algumas novidades em […]

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Rovena Rosa/Agência Brasil

Uma das críticas ao antigo programa é a construção de moradias longe dos centros urbanos e sem infraestrutura

Publicado em 18/02/2023 – 09:08

Por Caroline Oliveira – Brasil de Fato – São Paulo (SP)

Brasil de Fato — O novo programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), relançado na última quarta-feira (15), tem algumas novidades em relação aos projetos implementados nos mandatos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT. Uma dessas novidades estabelecidas pela Medida Provisória (MP) 1.162/2023 é possibilidade de financiamento de imóveis usados em áreas urbanas e rurais.

Apesar de ser uma novidade na Medida Provisória, no município de São Paulo existem alguns exemplos de destinação de imóveis existentes para moradia de interesse social que podem servir de modelo na hora da elaboração de regulamentações da MP.

Margareth Uemura, coordenadora de Urbanismo do Instituto Polis que já desenvolveu, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pesquisas sobre empreendimento do Minha Casa, Minha Vida no litoral do Estado de São Paulo, afirma que a utilização de imóveis existentes é um avanço em relação à proposta anterior, porque ocorre em espaços com infraestrutura já instalada.

“A gente defende isso porque em geral os imóveis que existem e que podem ser reformados para habitação de interesse social estão em área já com infraestrutura instalada. O que a gente chama de infraestrutura instalada é rede de água, rede de esgoto, energia, coleta de lixo, todos os serviços. Mas além disso, escola, creche, posto de saúde”, afirma Uemura.

A medida é uma resposta às críticas ao antigo MCMV, que construiu imóveis em regiões muito afastadas dos centros urbanos, “quase no perímetro do urbano com o rural”, segundo Uemura, onde não havia infraestrutura necessária para receber a população, nem menos serviços públicos. Naquele modelo, em vez de incluir a população na política urbana, o programa promoveu uma segregação.

“A gente defende o direito à cidade, o que significa que podemos usar cidade, então, nesse aspecto é muito positivo. Por isso, trabalhar com os centros das grandes das capitais, onde tem muito imóvel vazio, é importante. Existe um levantamento que já foi divulgado por muitas vezes que a gente tem o mesmo número de imóveis vazios que o déficit habitacional em São Paulo. Então é melhor que esse parque que já está construído seja utilizado ao invés de iniciar do zero, expandindo as cidades”, argumenta Uemura.

Isso deve ser feito por meio da melhoria de imóveis existentes. Para Camila D’Ottaviano, professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), pesquisadora do Observatório das Metrópoles e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), essa é uma questão “super importante” e uma “novidade” do programa.

“Por exemplo, a gente pode ter um loteamento irregular, com moradias construídas com alguns problemas, como uma unidade habitacional precária que precisa de algum tipo de melhoria. Então, pode ser a construção de um banheiro, pode ser a construção de mais um quarto, pode ser uma unidade que está construída, mas que tem uma cobertura muito precária. Então a possibilidade de melhoria para obras é um avanço”, explica.

Exemplos em São Paulo

Um desses exemplos é o Edifício Dandara, localizado na Avenida Ipiranga, que era propriedade do governo federal e abrigou a Justiça do Trabalho a partir da década de 1970.

Abandonado por cerca de 10 anos, no entanto, o imóvel foi ocupado pela Unificação das Lutas de Cortiço e Moradia (ULCM) em 2009 e, após negociações e revitalizações, cedido ao movimento por meio do MCMV – Entidades. A medida só foi possível graças à Lei nº 11.48 de 2007, que prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União. Hoje, 120 famílias ocupam as unidades do imóvel.

Outro exemplo de destinação de imóvel público é o Condomínio Marisa Letícia, inaugurado em 2020 com 245 unidades. Localizado na extremidade oeste do Brás, também no centro de São Paulo, o projeto teve início em maio de 2000. Somente depois de 20 anos, o edifício foi cedido à ULCM, revitalizado e entregue às famílias por meio do MCMV – Entidades.

Além desses imóveis que eram públicos, Camila D’Ottaviano cita outros dois exemplos de destinação de imóveis particulares para moradia de interesse social, também em São Paulo. Um deles é o edifício onde funcionava antigamente o Lord Palace Hotel.

O imóvel ficou abandonado por oito anos e depois foi objeto de desapropriação devido ao expressivo montante de impostos devidos ao poder público. Sob posse da Prefeitura, o edifício ficou vazio por mais 10 anos.

Ocupado pela Frente de Luta por Moradia (FLM) em 2012, o movimento participou de um edital da Prefeitura de chamamento para habilitação para o Minha Casa, Minha Vida – Entidades. Pouco depois, o edifício passou para o nome da FLM, foi revitalizado e devidamente ocupado.

O Residencial Cambridge também é um caso de sucesso. Após 11 anos ter sido ocupado pelo FLM e pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), o edifício que abrigava o Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, se transformou em um condomínio com 121 apartamentos graças ao MCMV – Entidades.

Inaugurado na década de 1950, o empreendimento foi à falência e 2004 e acabou sendo abandonado. Em 2011, a Prefeitura desapropriou o local devido às dívidas de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). No ano seguinte, o MSTC e o FLM ocuparam a antiga sede do hotel. Somente em janeiro deste ano, os beneficiários assinaram contrato com a Caixa Econômica Federal.

Gestão compartilhada

Os exemplos acima demonstram como a destinação de imóveis públicos e privados existentes para moradia de interesse social demanda gestão e responsabilidades compartilhadas entre os governos federal, estaduais e municipais. Isso porque o aporte do governo federal muitas vezes não é suficiente para desapropriar os imóveis, revitalizar e promover a instalação dos moradores de baixa renda.

“O governo federal em geral disponibiliza programas públicos para que municípios e estados entrem e apresentem projetos a partir das regras que o programa exige. Então a gente também tem, por outro lado, a começar a forçar os municípios a ter uma política urbana adequada”, afirma Margareth Uemura.

“Quando a gente fala política urbana adequada, isso significa o mínimo de planejamento urbano em que se possa compreender o território, como um banco de terras para fazer equipamentos públicos e para prover moradia para a população que não tem acesso ao mercado. Por isso, é importante a gente coordenar essas ações, entre municípios, estados e União”, explica a coordenadora do Instituto Polis.

“É muito importante que o governo federal consiga atuar. O governo federal tem imóveis que não são mais de uso institucional. É muito importante que essas terras sejam colocadas à disposição para que seja atendida a população de baixa renda, com critérios.”

A viabilização do projeto do Edifício Dandara, por exemplo, contou com orçamento dos governos federal (R$ 25 milhões) e estadual de São Paulo (R$ 2 milhões). Já o projeto do Condomínio Marisa Letícia recebeu verba do governo federal (R$ 20 milhões) e do governo municipal de São Paulo (R$ 4 milhões), segundo dados da plataforma Lei da Autogestão Já.

Participação de movimentos

Todos esses projetos foram viabilizados graças ao MCMV – Entidades, vertente do programa que envolve no processo de destinação dos imóveis os movimentos e associações sem fins lucrativos que estão na luta por moradia.

Segundo um estudo da professora no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP) Camila Moreno de Camargo, neste modelo, as associações são imbuídas de uma autogestão do projeto, “selecionando e organizando as famílias, contratando diretamente os projetos e discutindo-os com os futuros ‘beneficiários’, assumindo a responsabilidade pela gestão da obra, seja por meio da contratação de construtoras, seja pela compra de materiais e mão de obra em empreitadas, seja pela participação direta das famílias nas obras, com trabalho em mutirão”.

A partir deste modelo, “a produção do MCMV Entidades aparece ancorada às porções do território inseridas em dinâmicas metropolitanas, onde a mobilização social já apresenta alguma trajetória anterior e onde se concentra a demanda por moradias dignas”, escreve Camargo no estudo “Minha Casa Minha Vida – Entidades: Novos arranjos para a operação da política habitacional no Brasil”, publicado em 2020, na Revista Brasileira de Ciências Sociais.

Ainda que essa vertente estivesse expressa nos programas anteriores, Camila D’Ottaviano afirma que a possibilidade não está explícita na Medida Provisória. “Uma coisa que é central e que não está explicitada é que haverá uma vertente específica do programa destinada às entidades sociais organizadas, que podem ser movimentos de moradia, cooperativas, sindicatos. Isso não está explicitado na MP. Em mais de um momento se fala sobre o cadastro de entidades sem fins lucrativos do Ministério das Cidades”, o que depende de uma regulamentação específica posterior.

“As entidades aparecem como possíveis atores dentro do programa, mas não está especificado que haverá uma vertente específica para autogestão. Antigamente tinha princípio de provisão habitacional via autogestão, com a participação das famílias. Isso não está colocado aqui de forma explícita”, afirma D’Ottaviano.

Edição: Nicolau Soares

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