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Mortalidade materna, um reflexo da desigualdade no Brasil

Por falta de acesso a tratamentos e cuidados, mães negras, pardas e indígenas, de periferias, do Norte e Nordeste são as que mais correm risco de morrer durante a gravidez, o parto ou o puerpério. Publicado em 28/05/2023 Por Nina Lemos DW — Nos perfis de celebridades e influenciadores brasileiros, é comum ver mulheres posando […]

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picture-alliance/AP Photo/F. Dana

Por falta de acesso a tratamentos e cuidados, mães negras, pardas e indígenas, de periferias, do Norte e Nordeste são as que mais correm risco de morrer durante a gravidez, o parto ou o puerpério.

Publicado em 28/05/2023

Por Nina Lemos

DW — Nos perfis de celebridades e influenciadores brasileiros, é comum ver mulheres posando em quartos de maternidade com acesso a champanhe e tratamento exclusivo. Enquanto isso, muitas mães de regiões tradicionalmente menos equipadas com hospitais, e também na periferia de grandes cidades, morrem por motivos como falta de UTI e infecções.

Esse é mais um retrato da desigualdade do Brasil, onde o índice de mortalidade materna, relativo às mortes de mulheres durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é alarmante.

Dados preliminares do Observatório Obstétrico Brasileiro apontam que o país teve 1.252 mortes maternas em 2022, o que significa um índice de 50,6 óbitos a cada 100 mil partos. Os números ainda não estão fechados, e, segundo Rossana Francisco, professora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora de obstetrícia do observatório, mais casos ainda podem ser registrados.

De acordo com a especialista, esses são números muito altos. “Isso mostra que voltamos ao patamar de 2019, quando o Brasil registrou 57 mortes por 100 mil partos, o que é muito sério”, diz.

Mulheres grávidas foram particularmente atingidas pela pandemia de covid-19 no Brasil. Em 2021, segundo o Observatório Obstétrico Brasileiro, ao menos 1.518 gestantes morreram em decorrência do coronavírus, e o índice de mortalidade materna chegou a 107,53 por 100 mil, um valor que não era registrado desde os anos 90.

Para especialistas, o fato de o número ter voltado a baixar em 2022 não é razão para se comemorar, e as mortes de mães deveriam ser muito menos frequentes no país.

Desigualdade internacional

A mortalidade materna é um problema em muitos países. Segundo relatório divulgado pela ONU em fevereiro, uma mulher morre a cada 2 minutos no mundo devido ao parto ou complicações da gravidez.

Esses dados apontam também para a desigualdade mundial. Em 2020, por exemplo, o número de mortes maternas por 100 mil na Alemanha ficou abaixo de 4. No mesmo período, no Brasil, a taxa foi de 71,97.

Para combater o problema, a ONU lançou um programa mundial. O Brasil é signatário do documento e se comprometeu a reduzir o número de mortes para 30 por 100 mil até 2030. Segundo Rossana Francisco e outros especialistas ouvidos pela DW, no entanto, é muito difícil que a meta seja atingida.

Situação é pior no Norte e Nordeste

O Brasil não aprendeu com a tragédia do coronavírus, considera a coordenadora do Observatório Obstétrico Brasileiro.

“A covid foi como uma lupa que evidenciou a situação do país. Durante a pandemia, entre as mulheres grávidas que morreram da doença, uma em cada cinco não foi internada em UTI. E uma em cada três não foi entubada. Isso mostra que as mulheres não são protegidas”, diz Francisco.

Em 2021, os estados brasileiros com piores índices de mortalidade materna foram: Roraima, Tocantins e Rondônia. Apesar de os dados de 2022 ainda não estarem fechados, Francisco afirma que o Norte e o Nordeste continuam sendo as regiões com maior risco às mães por falta de acesso a tratamentos e cuidados.

“Há escassez de hospitais especializados em atenção e gestação de alto risco, que possuam leitos de UTI para mães e recém-nascidos, além de equipamentos e equipes especializadas nesses cuidados”, diz.

Nove em cada dez mortes poderiam ser evitadas

Na pós-pandemia, segundo dados do observatório, as causas de mortes de mães e puérperas no Brasil voltaram a ser as de antes: hipertensão, em primeiro lugar, seguida por hemorragia e infecção. Os especialistas afirmam que 90% dessas mortes poderiam ter sido evitadas.

“Muitas mulheres que têm hemorragia, por exemplo, morrem por não ter acesso a tratamentos como diálise e transfusão de sangue”, diz Francisco.

A especialista aponta também para a necessidade de acompanhamento pré-natal. “Em 2022, os números indicam que 72% das mulheres fizeram sete sessões de pré-natal. Isso significa que 29% ficaram com um risco maior fazendo menos do que deveriam.”

Desigualdade racial

“A mortalidade materna é um marcador social muito importante e que mostra as desigualdades do Brasil. Nas periferias das grandes cidades, por exemplo, o índice de mortalidade pode se aproximar do de zonas rurais remotas do país”, diz a epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz Emanuelle Franco Goes.

A especialista destaca que a desigualdade racial também se reflete na mortalidade materna. Mulheres negras, pardas e indígenas correm mais risco de morrer por complicações do parto. Segundo a pesquisa Racismo antinegro e morte materna por covid-19 – o que vimos na pandemia, coordenada por Goes, a chance de morte materna foi 62% maior entre mulheres negras e pardas em comparação às brancas durante a pandemia.

“Para combater a mortalidade materna temos também que combater o racismo. Muitas mulheres negras não conseguem atendimento e são negligenciadas”, afirma a pesquisadora.

“O racismo é um determinante da saúde importantíssimo”, corrobora a enfermeira Alaerte Martins, integrante da Rede Feminista de Saúde. Ela aponta que mulheres negras, por exemplo, sofrem mais de hipertensão e não recebem o tratamento adequado.

“Essas mulheres são abandonadas. Em todo o mundo as minorias étnicas têm um risco maior. No Brasil não somos minoria, mas mesmo assim sofremos com o racismo institucionalizado”, diz.

Isso faz, segundo Martins, com que muitas mulheres negras e pardas não tenham acesso, por exemplo, a uma cesariana de emergência.

Se por um lado considera o número de cesarianas no Brasil “um vexame” e acredita que deva haver uma campanha nacional alertando contra os riscos da cirurgia, por outro, a enfermeira lembra que a cesárea salva vidas.

“O que acontece em muitos hospitais é que mulheres que não precisam de cesárea fazem, enquanto outras, que realmente precisam, ficam sem acesso”, pontua.

Prevenção e conscientização urgentes

O Brasil é o segundo país do mundo na frequência de cesarianas (perdendo só para a República Dominicana). Um cenário que, segundo especialistas, aumenta o número de infecções e de hemorragias. Muitas mulheres não têm o direito de escolher o tipo de parto e acabam tendo a cirurgia imposta por médicos, aponta Goes.

Para diminuir o número de mortalidade materna, a enfermeira Alaerte Martins acredita que o país deveria fazer uma grande campanha de conscientização sobre os riscos da cesariana.

Rossana Francisco, do Observatório Obstétrico Brasileiro, acredita que o país precisa também de uma campanha de prevenção e acesso ao pré-natal.

“As mulheres precisam saber que, por exemplo, no caso de febre, de pressão alta, precisam procurar o hospital rapidamente”, diz, ressaltando que a proteção à saúde das mulheres grávidas no Brasil precisa melhorar urgentemente.

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Comentários

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Paulo

28/05/2023 - 21h24

Eu sei que me tacharão de insensível, mas as mulheres pobres deveriam ter menos filhos, para garantir aos restantes a possibilidade de superação da própria pobreza…Isso é algo óbvio, ou que pelo menos deveria ser…


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