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Luis Fernandes: “Vitória de Trump é uma “minirrevolução política” nos Estados Unidos”

A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos tem suscitado uma grande preocupação para o campo progressista, tanto naquele país quanto no mundo. Em entrevista exclusiva para Humberto Alencar do Portal Vermelho, o cientista político Luís Manuel Rebelo Fernandes* disse que a vitória de Trump, entre outras questões, é uma consequência da […]

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A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos tem suscitado uma grande preocupação para o campo progressista, tanto naquele país quanto no mundo. Em entrevista exclusiva para Humberto Alencar do Portal Vermelho, o cientista político Luís Manuel Rebelo Fernandes* disse que a vitória de Trump, entre outras questões, é uma consequência da crise econômica provocada pelo neoliberalismo e pela globalização.

Confira a seguir a entrevista completa:

O que você pensa da vitória de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos?

Eu diria, em primeiro lugar, que foi uma surpresa a eleição do Trump, porque, até no dia da votação, todas as pesquisas de opinião, apontavam a vitória de Hillary Clinton

É a vitória de alguém que não integra a elite social, política e econômica dominante dos Estados Unidos. Ele é de fato um outsider, não pertence ao clube que comanda, via Partido Democrata e Partido Republicano, a normalidade da vida política dos EUA.

Isso gera uma grande incerteza, porque não está claro, como ele não tem uma história pregressa de comportamento e de compromissos políticos assumidos há muita dúvida sobre qual vai ser de fato a política que ele vai implementar. Até que ponto, ou em que ponto, grande parte das histrionices que ele externou na campanha fazem parte da construção de um tipo, de um gênero político para ganhar as eleições e o que é que vai sobrar disso, na sua função como presidente da república.

Até me chamou a atenção que o discurso de vitória dele foi um discurso até sóbrio, apontando que é necessário reunificar o país. Isto deixa um ponto de interrogação.

A própria queda do mercado financeiro, na quarta-feira, quando proclamada vitória dele nas eleições mostra que ele não era o candidato do capital financeiro. A aposta desse setor era a eleição de Hillary Clinton.

Essa vitória é preocupante?

Ele vem com um discurso muito forte, um discurso também contraditório. Por um lado ele tem um elemento associado a temas de direita e até de extrema-direita, um discurso politicamente incorreto, contra as minorias, contra homossexuais, contra a imigração. Um preconceito contra a religião muçulmana, identificando seus praticantes como terroristas.

Tem a proposta de criar uma muralha na fronteira com o México para impedir a entrada de mexicanos. Ele mostra uma visão preconceituosa em relação aos latinos, os associando a preguiçosos bandidos e traficantes. Esse é o lado mais folclórico, no mau sentido, em um candidato que possa ter tido com esse discurso maioria no colégio eleitoral nos EUA é um sintoma de grande preocupação.

Por outro lado ele também tem um discurso crítico da situação. Aliás, seu próprio lema Make America Great Again (Vamos fazer a América Grande de Novo) tem a seguinte leitura: “essa política liberalizante enfraqueceu os EUA, o país perdeu dinamismo econômico e está perdendo postos de trabalho”.

Esse é um discurso, portanto, que anuncia medidas protecionistas do mercado e do emprego do trabalhador americano. Esse discurso cala fundo no trabalhador branco, pobre, dos cinturões industriais em decadência nos Estados Unidos e que ressente de trabalho, como ele muito falou na campanha, dos “empregos que perdemos para o México, para a China”, afirmando que “precisamos recuperá-los”.

Uma parte importante do voto dele reflete uma insatisfação com os resultados dos processos de liberalização e globalização na sociedade.

Deste ponto de vista, ele representou uma derrota, pela direita, da agenda neoliberal, o que não quer dizer que ele não tenha alternativas a isso, essa é uma outra discussão, que vamos ter de acompanhar os seus posicionamentos.

Ele tende a enfraquecer vários acordos de integração. O próprio Nafta (North American Free Trade Association, na sigla em inglês) e o TPP (Tratado Trans Pacífico) ele tende a enfraquecer, por entender que, as cadeias de valor preservariam no âmbito desses acordos de integração regional empregos mais precarizados fora da economia americana, portanto comprometendo a recuperação do dinamismo da economia do país, implica reincorporar essas fatias de parcelas de agregação de valor ao mercado americano.

Essa forte agenda de integração, de expansão global, ela tende a se enfraquecer, pelo menos é isso que é anunciado. Vamos ver o que ele vai implementar na prática, já que ele vem fortalecido, ganhou no colégio eleitoral e tem maioria no Congresso.

Ele surpreendeu inclusive o próprio partido, que não desejava que ele sequer vencesse as primárias

Ele deslocou a liderança tradicional do Partido Republicano, ele na verdade derrotou a liderança e impôs a sua candidatura. No sentido não stricto, mas lato, é uma “minirrevolução” política que ele está operando no sistema americano. Ele vai tentar reformatar o Partido Republicano à sua imagem e semelhança, resta ver qual é a imagem e semelhança real do Trump, até que ponto muito do que ele fez não foi mais um teatro político do que um posicionamento, isso é o que se vai assistir daqui para a frente.

O que você acha que vai acontecer na política externa, com essa promessa de menos intervencionismo?

Temos de ver com cautela. Porque o próprio George W. Bush, quando foi eleito, anunciava que era crítico da política externa, do excessivo intervencionismo, do presidente Clinton e também do governo anterior, de seu pai, George H. Bush, na política externa. No entanto, depois dos ataques de 11 de setembro, ele refluiu para uma agenda de guerra global contra o terror que exacerbou o intervencionismo e o unilateralismo da política externa americana, então precisamos ver isso sempre com cautela.

Os discursos de Trump na campanha eram todos muito isolacionistas, com ideia de se voltar para dentro, e causou preocupação entre os principais aliados dos EUA no mundo. Na aliança atlântica a ideia é de que a Europa deveria cada vez mais se defender por si, mesmo em relação à Ásia, a ideia é de que países como Japão e Coreia deveriam assumir os custos e a ação de suas próprias defesas.

Seus anúncios geraram muita preocupação entre os seus aliados e, digamos, o tom de preocupação emitido pelo governo russo e pelo governo chinês não foi muito elevado.

Talvez no caso da Rússia, porque seria possível tentar voltar a uma situação de diálogo e, no caso da China, parece que a leitura é que isso aponta para um menor envolvimento militar dos EUA na região de influência chinesa, sobretudo no Mar da China.

É um evento marcante, como eu disse, lato sensu, uma “minirrevolução política” na política americana, com impactos e significados contraditórios que teremos de acompanhar daqui por diante.

*Luis Fernandes é Doutor em Ciência Política pelo antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e graduado em Relações Internacionais pela Universidade de Georgetown nos Estados Unidos. É professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Suas atividades de pesquisa se concentram em temas de Economia Política das Relações Internacionais, com destaque para os desafios da inovação e do desenvolvimento na era do conhecimento, as transformações nos estados socialistas e ex-socialistas, e a reconfiguração das relações de poder no sistema internacional pós-Guerra Fria. Exerceu distintas funções de gestão pública na área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no Brasil, entre as quais as de Secretário Executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e Diretor Científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

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Theo Rodrigues

Theo Rodrigues é sociólogo e cientista político.

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Comentários

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Antonio Passos

13/11/2016 - 02h48

Hilary deixaria os progressistas tranquilos então ? Só se forem os “progressistas” americanos. Aqui no Brasil nem se fala, os progressistas são fãs dela e do GOLPE que ela apoiou. Rsssss

Gilmar Antunes Miranda

12/11/2016 - 23h36

Quase todos os comentaristas políticos fazem referência aos “ataques de 11.9”, assim, de passagem, sem entrar no mérito do que realmente foram: um ataque de falsa bandeira, perpetrado pelo próprio governo belicista, para justificar perante a opinião pública o intervencionismo militar americano criminoso no Afeganistão.
Com isto, quem poderia dar uma contribuição para desmascarar essa farsa vai contribuindo para essa lavagem cerebral imposta pelos meios de comunicação em nosso país e no mundo ocidental.

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