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Wanderley: o possível futuro africano no Brasil

Coluna Segunda Opinião O POSSÍVEL FUTURO AFRICANO DO BRASIL Por Wanderley Guilherme dos Santos Em 2015, cerca de oitenta por cento dos cinco bilhões de pobres viviam em países em desenvolvimento, conforme a previsão do projeto Millenium das Nações Unidas. A contabilidade mantém como resíduo retardatário o bilhão de miseráveis ainda espalhados pela África e […]

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Coluna Segunda Opinião

O POSSÍVEL FUTURO AFRICANO DO BRASIL

Por Wanderley Guilherme dos Santos

Em 2015, cerca de oitenta por cento dos cinco bilhões de pobres viviam em países em desenvolvimento, conforme a previsão do projeto Millenium das Nações Unidas. A contabilidade mantém como resíduo retardatário o bilhão de miseráveis ainda espalhados pela África e partes da Ásia. Não há explicação oficial para tamanha estagnação nem proposta para superá-la. Aparentemente, acidentes fortuitos teriam provocado o retardamento, e a perseverança nas receitas canônicas do desenvolvimentismo dará conta do problema. A este bilhão, o Brasil acaba de acrescentar cerca de 55 milhões de pobres e miseráveis (26,5% da população) que, ademais, revelam mórbida hierarquia de indigência entre a porcentagem de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza em certas regiões: 54% no Maranhão contra 8,5% em Santa Catarina, conforme o critério do Banco Mundial. O destino de um fracasso africano não é uma possibilidade retórica para o Brasil.

O pântano em que se encontram a África e partes da Ásia resultou das estratégias de ocupação colonial, pós Primeira Guerra Mundial, com o objetivo político de apropriação de grandes espaços, acompanhado da meta econômica de predação de recursos naturais e expansão de comunidades agrárias monocultoras. Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Itália e Inglaterra, principalmente, agregaram ou dividiram etnias heterogêneas para a conformação de estados subordinados, tendo o sucesso assegurado pela imensa disparidade em capacidade bélica e sofisticação de armamentos.

O fim da Segunda Guerra Mundial deu início ao processo de descolonização, cujos frutos foram sociedades rurais pobres, recheadas de conflitos internos insuperáveis e com os perfis esculpidos no bilhão de miseráveis que constituem a base da pirâmide internacional (O processo de formação dos estados colonizados encontra-se em Robert Bates, The Development Dilemma, Princeton, 2017; o tema do bilhão da base econômica e social da humanidade está em Paul Collier, The Bottom Billion, Oxford, 2007).

Nações podem fracassar, tal como ensina a História. Em todos os casos, o fracasso sempre foi consequência da incapacidade de um país manter-se atualizado na vanguarda do modo de produção da riqueza. Lê-se a crônica de vários fracassos em Collapse – How societies choose to fail or succeed, de Jared Diamond (Viking/Penguin, 2005) que, em passagem rápida, expõe o essencial do problema: “(todos os casos estudados) ilustram situações nas quais uma sociedade falha na solução de problemas percebidos porque a continuidade de tais problemas é benéfica para alguns grupos (p.432 – no original está “algumas pessoas”, mas a explicação me parece bem mais generalizante).

Fracasso não significa falência. Fracasso indica estabilidade ou decadência em posições subalternas na hierarquia internacional. Por razões historicamente acumuladas, Collier revela os principais obstáculos que impediram a África e partes da Ásia; ao perderem passo na revolução industrial, ficaram incapacitadas para inserção autônoma na internacionalização da economia mundial. Como todo analista de bons sentimentos, tanto ele, quanto Battes e Diamond sugerem estratégias de superação do fracasso. Não resistem à análise crítica.

O Brasil acumula deficiências desde o século XIX, acentuadas durante a Primeira República (cujo estilo de governo central dividido com potentados locais, monopolizadores da terra, é primo carnal da estratégia inglesa em suas colônias), terminou incluído no conjunto de países de ciclos de desenvolvimento frustrados: o início de industrialização com Getúlio Vargas, em 1930, foi abortado por Eurico Dutra e pelo entreguismo de Juscelino Kubischek (durante todo o Império e os primeiros 60 anos da República o exclusivismo agrícola ficou intocado); os ensaios de concepção militaristas da ditadura de 64 foram facilmente desmontados pelos dois mandatos tucanos de Fernando Henrique Cardoso; finalmente, a opção pelo consumismo de massa e proteção ao sistema bancário, versão Lula, não resistiu a dois anos de Michel Temer.

Com a revolução industrial incompleta e a supremacia da subalternidade como ideologia, o Brasil, que de sexta economia industrial no mundo, já caiu à décima posição, tende a ocupar a posição de copeiro na civilização tecnológica em curso. E, claro, a posição subalterna será extremamente benéfica para alguns grupos. Há bilionários na África.

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Wanderley Guilherme dos Santos

Cientista político brasileiro, autor de muitos livros. Mais: https://www.ocafezinho.com/wanderleyguilherme/

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MAURO LUCIO R DE ASSIS

18/12/2018 - 06h54

Acontece que a pobreza e a miséria só fazem cair mundo afora. No início da Revolução Industrial o mundo tinha 1 bilhão de habitantes e 950 milhões eram miseráveis.

Hoje somos quase 8 bilhões e o numero de miseráveis caiu para 850 milhões, e vem cainda sistematicamente desde o fim da Segunda Guerra, a uma taxa cada vez mais acelerada.

Os mais jovens de nós verão a pobreza extrema ser não erradicada, mas ser reduzida a aqueles que fizerem escolhas ruins, caso da Venezuela atual, por exemplo.

Fonte: https://www.vox.com/2015/8/13/9145467/extreme-poverty-global-poverty

Álvaro

09/12/2018 - 20h39

A luta contra os bilionários que dominam o mundo não se resume aos subdesenvolvidos. A população do mundo inteiro está subjugada. O capital neoliberal é apátrida

Golvea Prado

09/12/2018 - 19h34

Fico impressionado com o racismo espontâneo no intelectual brasileiro. África? Por que África? Bastaria apontar a situação da América Latina quase inteira. Se não bastasse, concentraria atenção sobre a América Central. Ali, a situação é sob todos os aspectos pavorosa. No entanto, era preciso utilizar a paleta negra, dar um colorido africano, para que o desastre anunciado soasse, para o professor, como de fato apocalíptico. A imagem escolhida para ilustrar o artigo, provavelmente pelo Miguel do Rosário, faz eco a essa visão trincada pelo verme do racismo. O intelectual brasileiro levanta voo com tento muito baixo e, o que pioras as coisas, voa abaixo da abóbada desse teto. É claro que não é um racismo consciente, refletido e decidido. Mas é pior. É como uma membrana venenosa que encobre o cérebro e os olhos, ficando inteiramente invisível. Não creio que isso possa ser chamado de inteligência.

    Chauke Stephan Filho

    10/12/2018 - 00h10

    Eu fico impressionado com o besteirol politicamente correto. Essas acusações de racismo que fazem os ditadores da virtude me dão nojo e raiva.

    “Verme do racismo” ? O racismo não é um “verme”. O racismo é um instinto gregário de defesa coletiva.

    E o antirracismo é um racismo antibranco. Quem não quiser ser racista deve defender a raça branca. Os brancos estão sofrendo um genocídio por mão da imigração alógena. A elite globalista tange o gado negro contra as populações brancas.

    Mas a hora chegou de mostrarmos que a Pátria não é um curral.

      Paulo

      10/12/2018 - 00h21

      Caro Chauke, você acredita que a questão crucial – ou uma das questões – do Brasil seja racial?

        Chauke Stephan Filho

        10/12/2018 - 12h25

        Caro Paulo,tinha resposta é afirmativa. Concordo com Augusto Meyer nesse particular. Segundo ele, o racismo é a força mais divisiva da humanidade.

        A miscigenação produziu uma catástrofe no Brasil. Você acha que o Brasil seria a merda que é se aqui habitassem os japoneses? E tudo vai piorar com a nova lei para os imigrantes do maldito Sen. Aloysio Nunes, do PSDB. Este louco e outros que tais da esquerda multicultural aliada a ele deram o Brasil para as populações mais incapazes do mundo.

        O tráfico negreiro recomeçou neste século XXI.

        Mas nada disso é problema para você, não é, Paulo? Com certeza você passa as suas férias no Haiti.

          Paulo

          10/12/2018 - 19h25

          Mas…o que é o Brasil sem a miscigenação? Seria, ainda, o Brasil? Não estou sofismando. É que essa é uma indagação que coloco sempre que alguém argumenta que se tivéssemos sido “descobertos” por outro povo, que não o português, seríamos uma nação rica e próspera. Olha, a obra do Império Português, no Brasil, não foi pequena não! E mais para o bem que para o mal. Veja o nosso tamanho perto dos países da América espanhola! Repare na relativa harmonia linguística, cultural e religiosa (esta só rompida nas últimas décadas, com a ascensão dos evangélicos)! São vantagens civilizacionais, embora concorde que certas características atávicas dos nossos conterrâneos, especialmente de origem ameríndia e africana, mantidas na miscigenação – das quais exsurge como principal, mais recentemente, a demografia insana -, mais atrapalham do que ajudam…

          Chauke Stephan Filho

          10/12/2018 - 23h40

          Muito bonitas suas posições freyrianas, Paulo, mas a verdade é que a nossa “harmonia” mata mais do que a guerra na Síria. Gente nossa que vai para os EUA fica encantada lá, porque lá ninguém tem medo de… andar na rua! (Ou ficar em casa à noite.)

          Há mestiços e mestiços, Paulo. O certo é que o Brasil não precisava importar camelôs do Haiti. A quem interessaria nigriciar o Brasil? Os próprios negros buscam mulheres brancas, que elevam a autoestima deles. Por que, então, africanizar o Brasil? Os negros não ficariam num Brasil de negros. Iriam embora daqui, demandariam um país de gente branca.

          Você tem razão: um Brasil não mestiço não seria mais o Brasil, mas um Brasil negro também não o seria. Um Brasil de negros só poderia interessar à indústria de desodorantes. Tirante os simples loucos, idiotas, ignorantes ou bandidos, como os membros da Comissão de Relações Exteriores do Senado, indiferentes à transformação do Brasil num imenso Haiti. Esses deveriam estar balançando na ponta de uma corda.

          Também os sabotadores de qualquer projeto nacional de unidade étnica superior gostariam de ver o Brasil como uma nova África. Não teriam rivais nesta parte do mundo.

          Mas devemos ser uma nova Roma, Paulo.

          Aliás, as feras estão sendo provocadas e sentem muita fome.

          Paulo

          11/12/2018 - 19h51

          Compreendo suas preocupações com a vinda de trabalhadores desqualificados para o Brasil, porque já os temos aos montes. Mas não creio que algumas unidades de milhares de haitianos vá fazer muita diferença, sequer na composição racial do povo brasileiro. Brizola – muito louvado pela esquerda não petista -, certa vez, sugeriu que importássemos trabalhadores da Europa oriental. Se naquela época a proposta já soou indecorosa, imagine atualmente! No mínimo vão acusá-lo de querer branquear a população brasileira (um processo ao qual, de resto, como você mesmo observou, os próprios negros aderem espontaneamente), o que, aparentemente, é um “crime” que você assume. Mas colocá-lo em pr[ática é impossível, e, mesmo que fosse possível, em pouco tempo esses europeus estariam compondo a classe média, ou seja, rareando, de geração a geração…

          Chauke Stephan Filho

          11/12/2018 - 23h31

          Gostei de você, Paulo. :-)

Chauke Stephan Filho

09/12/2018 - 11h05

O futuro africano do Brasil vem do Haiti.

Paulo

08/12/2018 - 22h46

Um dos grandes problemas do Brasil é que sempre apostamos (a elite apostou) na pobreza como reprodutora de mão-de-obra barata. Mas, atualmente, na civilização pós-industrial, a fartura de mão-de-obra já não basta e acarreta, ao mesmo tempo, grave problema social nas periferias das grandes cidades. É uma questão cultural (o pobre tem mais filhos que os ricos e remediados), mas é também social e de planejamento. Nunca tivemos planejamento que sequer chegue perto do Japão ou da Coreia do Sul, países pobres (ou empobrecidos pela guerra) que enriqueceram. Até a China, com seus quase inadministráveis bilhão e pouco, se tornou protagonista. Nós ainda somos coadjuvantes…

Guilherme

08/12/2018 - 20h36

Trazer a coluna de Wanderley para aqui foi uma tacada de mestre de O Cafezinho, parabéns!

Ataulpho Andrade

08/12/2018 - 19h10

O professor Wanderley como analista é bom professor. Sofre do muito disseminado complexo “capitulador acadêmico pequeno-burguês”. Não pretendo fazer com isso um ataque pessoal, mas sim qualificar este tipo de posicionamento.

Os EUA estão à beira do colapso como sociedade, e ninguém diria que se trata de uma sociedade saudável e virtuosa só porque detêm o modo de produção mais avançado do mundo. Aquilo é uma coisa semelhante às mais tenebrosas distopias.

Acho saudável a preocupação do professor com o desenvolvimento econômico brasileiro e com sua posição no concerto das nações. Porém, resvala no velho economicismo. A verdadeira batalha é uma luta dos tais bilhonários contra o restante da população, uma luta político-social. São 55 milhões de miseráveis no Brasil, e a depender dos bilhonários daqui (alguém sabe se eles têm pátria?), este número só fará aumentar.

As lutas políticas do nosso tempo, como podemos aprender do que acontece hoje na França, são levadas a cabo por setores desorganizados. O sindicalismo não mais capitaneia as revoltas. Pode a elas se somar ou permanecer na insignificância. Mas as vítimas difusas do neoliberalismo acabam por se rebelar à falta de um controle social tão brutal quanto o existente nos EUA.

Diria que nosso fracasso ou sucesso não seja um desenvolvimento tão tangível a priori como às vezes somos tentados a supor.

    Marcos Silva

    10/12/2018 - 10h19

    Concordo plenamente em quase tudo que vc colocou.

    Mas há ressalvas sobre esses movimentos de “vítimas difusas do neoliberalismo acabam por se rebelar”.

    Coletes amarelos = Jornadas de junho de 2013 no Brasil.

    Macron está sendo eliminado do circuito porque não soube domar a boiada. Achou que tinha algum dom divino. E está sendo descartado pelo SISTEMA.

    O povo francês é aguerrido, mas a maioria quer simplesmente aumentar seu poder de compra. SÓ ISSO. Coletes amarelos não é um confronto 99% vs. 1%.

ari

08/12/2018 - 17h56

Resumir os governos do PT em “consumismo de massa e proteção ao sistema bancário” é, no mínimo, má vontade. Dizer que o projeto petista “não resistiu a dois anos de Michel Temer” é não ver a violência da luta de classes manifestada através de um golpe cujos resultados finais só o futuro dirá

    CAR-POA

    09/12/2018 - 22h45

    Ari,não peça honestidade a quem carece dela.


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