Menu

Por que o decreto de Milei revogou a Lei de Terras: o lítio, a água e o solo como itens privados

A Lei de Terras de 2011 estabeleceu limites à titularidade e posse de terras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras e proibiu a venda em zonas ribeirinhas. A revogação permite a entrega a outros países, a corporações econômicas e financeiras. Página 12 – Ágil e incisiva, Mirtha Legrand passou um sábado à noite com Javier […]

2 comentários
Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News
Foto: Reprodução

A Lei de Terras de 2011 estabeleceu limites à titularidade e posse de terras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras e proibiu a venda em zonas ribeirinhas. A revogação permite a entrega a outros países, a corporações econômicas e financeiras.

Página 12 – Ágil e incisiva, Mirtha Legrand passou um sábado à noite com Javier Milei e Patricia Bullrich, onde quase tudo girava em torno de tocar em assuntos delicados.

–E o lítio? Há muito lítio em Jujuy… — provocou a apresentadora.

–Bem, uma das coisas que aconteceu é que Elon Musk me ligou. Ele está extremamente interessado no lítio. E o governo dos Estados Unidos também está muito interessado, assim como muitas empresas americanas, mas eles precisam de um marco jurídico que respeite os direitos de propriedade — respondeu o Presidente com um sorriso e orgulho evidente.

O breve comentário de Milei deixa claro por que uma das disposições do mega DNU 70/2023 é revogar a chamada Lei de Terras (26.737): o objetivo é permitir a estrangeirização da terra para entregar os recursos naturais da Argentina a outros países, corporações econômicas e financeiras, poderosos do mundo e capitais desconhecidos. O lítio é um deles, mas até a água está em jogo, assim como os direitos dos povos indígenas e até a produção agropecuária em áreas chave.

O que é a Lei de Terras?


É uma lei de 2011 que estabeleceu limites à propriedade e posse de terras rurais por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras que procuram aproveitar as riquezas argentinas. Estabelece que apenas 15% das terras podem estar nas mãos de estrangeiros; um mesmo proprietário estrangeiro não pode exceder 30% desse percentual, nem possuir mais de 1000 hectares na zona agrícola núcleo (as terras mais produtivas) ou seus equivalentes. Proíbe a venda para estrangeiros de terras “que contenham ou sejam ribeirinhas de corpos de água significativos e permanentes”: mares, rios, córregos, lagos, pântanos, lagoas, estuários, glaciares, aquíferos. A mesma restrição aplica-se a “propriedades localizadas em zonas de segurança de fronteira”. As compras e vendas devem ser autorizadas pelo Estado e criou-se um Registro de Terras.

“Esta lei foi o resultado de anos de luta por parte de organizações agrárias, ambientalistas e sociais e de partidos políticos. Colocou um freio no processo de estrangeirização que se aprofundou nos anos noventa com leis permissivas que permitiram que muitos grupos de investimento estrangeiro, até mesmo aproveitando ofertas na internet que promoviam a venda de terras com costas de rios e lagos, comprassem e colocassem cercas, portões e fechassem passagens públicas, como o caso emblemático do Lago Escondido, que não é o único. Isso se estendeu para o resto da Argentina. Esta lei está na mira dos empresários estrangeiros, principalmente árabes”, explica a Página/12 Magdalena Odarda, advogada, Mestre em Políticas Públicas e Governo e legisladora provincial de Río Negro (Bloco Vamos con Todos). Odarda lembra que Mauricio Macri flexibilizou os controles por decreto, ao levantar as regulamentações sobre as informações que deveriam ser apresentadas ao registro. Isso permitiu a transferência de ações a estrangeiros sem controle. Se permanecer, o DNU eliminará tudo.

“A lei de terras que se busca revogar foi sancionada para impedir a estrangeirização dos bens naturais e evitar que bens de domínio público que possuem um papel estratégico em termos de desenvolvimento econômico, bem-estar social, cuidado ambiental, proteção de corpos de água, direitos fundamentais dos povos indígenas e reivindicação da soberania nacional sejam colocados em risco”, diz um texto do Centro de Políticas Públicas para o Socialismo, que não vê motivos de necessidade e urgência para sua revogação.

O lítio

O lítio é um mineral que é obtido de rochas ou salinas de altitude. Na Argentina, ele é extraído em áreas da puna (em Jujuy, Catamarca e Salta). É um insumo para a fabricação de baterias para veículos elétricos e celulares, daí sua alta demanda. Também é usado para armazenar energia renovável. Cerca da metade da reserva mundial de lítio está no “triângulo do lítio” formado por Argentina, Bolívia e Chile. Em 2022, o país aumentou as exportações de lítio em mais de 230 por cento. É o quarto produtor mundial.

Entre a possibilidade de venda de terras e a ideia de privatizar a YPF (e com isso a YPF Litio e a Y-Tec), por exemplo, o que estava planejado como contribuição para as economias regionais e negócio estratégico local iria para mãos privadas e/ou estrangeiras. Em outubro passado, foi anunciada a primeira fábrica de baterias de lítio em um projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Universidade Nacional de La Plata. A YPF também havia assinado um acordo com a Catamarca Minera y Energética Sociedad del Estado para exploração em Tinogasta. Um ponto central: os recursos são das províncias e é necessária autorização para explorá-los. A compra de terras, com a lei revogada, estará liberada. O conjunto é uma porta para as negociações. A experiência em Jujuy mostrou que o ex-governador Gerardo Morales organizou uma reforma constitucional que visava flexibilizar a exploração do lítio, em detrimento dos povos indígenas e da gestão da água.

Aqui vem o outro lado da questão. “Quando Milei se refere a Elon Musk e ao lítio, devemos ter em mente os direitos dos povos indígenas e a reivindicação sobre o direito à consulta prévia, livre e informada e o direito de decidir sobre seus territórios. Nas províncias com zonas úmidas andinas, as reivindicações giram em torno das falhas nos padrões de participação e de direitos humanos”, diz Florencia Gómez, ex-diretora do Registro Nacional de Terras Rurais. A advogada lembra que há uma medida cautelar na Suprema Corte desde 2019, onde “as comunidades de Salinas Grandes e Laguna de Guayatayoc, juntamente com a Fundação Ambiente e Recursos Naturais, alertaram sobre o dano irreversível que a mineração de lítio e borato provocará”. Em março, o tribunal pediu informações sobre permissões de exploração e explotação, mas não resolveu o mérito.

A água

“A estrangeirização da terra facilitaria a estrangeirização dos recursos naturais de fato”, aponta Gómez, que considera a Lei de Terras essencial para o desenvolvimento humano. A revogação da lei estaria alinhada com a estrangeirização da água, algo que já ocorre na prática. A água não poderia ser apropriada por privados, mas sim o acesso a ela.

O exemplo paradigmático é o de Joe Lewis, que, com a conivência da província de Río Negro e do Poder Judiciário, além de seu exército parapolicial, bloqueou o acesso ao Lago Escondido. O magnata é investigado nos Estados Unidos, mas não na Argentina. Pior: o ex-titular da Inspeção Geral de Justiça, Ricardo Nissen, que solicitou a intervenção da empresa “Hidden Lake SA” de Lewis, proprietária de 12.000 hectares que contêm o lago, será investigado por uma ordem da Câmara Federal da semana passada. Em novembro, ainda sob Nissen, a IGJ proibiu no país a Fundação Humedales de Paul Tudor Jones II, considerando-a uma fachada para se apropriar dos Esteros del Iberá e outras áreas protegidas de banhados, esteros, lagoas e arroios.

Quando dirigia a Unidade de Informação Financeira, Carlos Cruz solicitou informações sobre a titularidade dos portos do rio Paraná. “Era para saber se estavam habilitados, se eram estrangeiros, quem os explorava, a documentação dos sócios. Não tivemos resposta. Pelo corredor litorâneo passam 80% das exportações argentinas. Operam cerca de uma dezena de empresas estrangeiras e buscávamos ver se eram donas dos territórios ribeirinhos”, explica. Cruz, titular da Associação de Advogados/as de Buenos Aires, alerta: “Esta via fluvial sem controles é, além disso, usada para narcotráfico, tráfico de pessoas, contrabando. Se a lei de terras for revogada, as empresas estrangeiras poderão comprar legalmente a parte ribeirinha e controlar este corredor com implicações geopolíticas. Até mesmo se quiserem, poderão estabelecer uma base de distribuição de drogas”.

Apoie o Cafezinho

Rhyan de Meira

Rhyan de Meira é estudante de jornalismo na Universidade Federal Fluminense. Ele está participando de uma pesquisa sobre a ditadura militar, escreve sobre política, economia, é apaixonado por samba e faz a cobertura do carnaval carioca. Instagram: @rhyandemeira

Mais matérias deste colunista
Siga-nos no Siga-nos no Google News

Comentários

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site O CAFEZINHO. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Escrever comentário

Escreva seu comentário

Fanta

27/12/2023 - 13h36

Vivem no meio do lixo numa latrina a ceu aberto, mal conseguer saber o que aconteçe no Brasil mas querem meter o bico na casa dos outros ?

Os brasileiros querem dar palpites de que a outros paises ?

Chega de fazer rir de graça….kkkkkkkkkkkkkkkkk

Nelson

27/12/2023 - 09h30

A foto nem precisa de legenda: é exemplar na demonstração do que pensa Milei e a maioria dos que se dizem libertários sobre liberdade enquanto pregam livre mercado, livre comércio e outras empulhações na defesa do capitalismo.


Leia mais

Recentes

Recentes