Ascensão da China é ‘incontrolável’ enquanto EUA se cansam de policiar o mundo, diz ex-coronel do ELP.
O tempo está a favor de Pequim no estreito de Taiwan, segundo Zhou Bo, ex-coronel sênior do Exército de Libertação Popular (ELP). Enquanto Donald Trump pressiona aliados dos Estados Unidos, a China continental aposta na construção de uma marinha de alta tecnologia com alcance global.
Zhou, atualmente pesquisador sênior no Centro para Segurança Internacional e Estratégia da Universidade de Tsinghua, afirma que Taiwan é um ponto sensível, mas destaca que “a geografia não muda”. Para ele, o fortalecimento militar chinês vai além da questão taiwanesa.
“Sim, a China é um país ainda dividido, mas a questão de Taiwan, apesar de central, não é o único foco. Potências como a China têm outras duas missões para suas forças armadas: proteger interesses no exterior e assumir responsabilidades internacionais”, declarou Zhou ao South China Morning Post, antes do lançamento de O mundo deve temer a China?, livro que reúne 102 ensaios seus entre 2013 e 2024.
A obra, publicada pela C. Hurst & Co neste mês, analisa o papel crescente da China na ordem internacional, sua influência geopolítica e as tensões com outras potências.
Zhou foi diretor do escritório de cooperação militar internacional do Ministério da Defesa da China e, agora, observa que os avanços tecnológicos estão transformando a marinha chinesa em uma força de alcance global, alinhada ao objetivo de tornar-se uma potência militar de classe mundial até 2049.
“A China é a maior nação industrial do mundo, mas agora também está fazendo avanços significativos em sua indústria de defesa. O governo enfatiza a importância da alta tecnologia, e todos percebem a relevância desses sistemas de armas na guerra moderna”, afirmou.
Segundo ele, a Marinha do ELP tem navegado cada vez mais longe. “Isso não é segredo. Declaramos publicamente nossa ambição de nos tornar uma potência militar de primeira linha.”
Zhou argumenta que, embora o crescimento da China traga mudanças globais, nenhum outro país se beneficiou tanto da globalização quanto ela, baseada em uma economia aberta e orientada para o mercado.
No livro, ele rejeita a visão americana de que a China seria uma “potência revisionista” disposta a remodelar a ordem liberal internacional. Para Zhou, essa visão é eurocêntrica e marcada por triunfalismo ocidental.
“Mesmo que os EUA queiram conter a China, não conseguirão. Os Estados Unidos estão cansados de policiar o mundo”, afirmou.
Segundo Zhou, Washington está redirecionando seu foco para o Indo-Pacífico, região onde enxerga tanto oportunidades quanto uma forte concorrência estratégica representada pela China.
Apesar das ameaças de Trump durante a campanha de reeleição, Zhou acredita que Pequim pode ficar tranquila com seu retorno ao poder, já que o país aprendeu com o primeiro mandato.
“A economia chinesa está menos dependente dos EUA. Se Trump quer nos forçar a romper laços, nós também queremos reduzir nossa dependência. Isso está acontecendo”, disse Zhou.
Ele acrescenta que a China avançou em setores de alta tecnologia e passou a valorizar mais suas empresas privadas. “Acho que isso é algo imparável. Estamos no caminho certo.”
A coletânea de ensaios termina pouco antes dos primeiros meses do novo mandato de Trump, marcado pela imposição de tarifas não só à China, mas a vários outros países. Ele também propôs um acordo de paz favorável à Rússia na guerra da Ucrânia, sugeriu reconstruir Gaza e exigiu mais gastos militares de aliados dos EUA na Europa e no Pacífico.
Mas, segundo Zhou, o recuo americano será gradual, em parte porque seus aliados resistirão. “A autonomia estratégica da Europa não se consolidará nos próximos 10 anos, se é que se consolidará. E a confiança de Israel em estabilizar o Oriente Médio em seu favor ruiu com a guerra em Gaza.”
O governo Trump também pressiona na questão de Taiwan. Elbridge Colby, indicado para o cargo de subsecretário de Defesa, afirmou em março que a ilha deveria elevar seus gastos militares para 10% do PIB. Trump, por sua vez, evitou responder se defenderia Taiwan em caso de ataque da China continental.
O Pentágono confirmou, em janeiro, estar desenvolvendo uma estratégia chamada “inferno na Terra” para conter uma eventual ofensiva do ELP, baseada no uso massivo de drones no estreito.
Pequim considera Taiwan parte de seu território e promete reunificá-lo, se necessário, pela força. Os EUA não reconhecem Taiwan como Estado independente, mas fornecem armas à ilha e são seu principal fornecedor militar.
Taiwan é o ponto mais sensível nas relações entre Pequim e Washington, mas há também tensões no mar do Sul da China, onde embarcações chinesas têm confrontado navios das Filipinas, aliado dos EUA, em áreas disputadas.
Para Zhou, essa região é ainda mais perigosa que o estreito de Taiwan, pelo risco de choques acidentais escalarem para conflitos armados.
Ele acredita que o chamado dos EUA para que Taiwan aumente seus gastos militares preocupa Taipei. “Independentemente de quanto queiram comprar, Taiwan está próxima demais da China continental. Essa geografia não muda, e o tempo está ao lado da China.”
Zhou acrescenta que compras de armas têm valor mais simbólico do que prático. “Mesmo que comprem muito, isso não será útil de verdade.”
Sobre os planos militares de Pequim, que incluem até seis porta-aviões até 2035, Zhou disse que é difícil prever o papel futuro dessas embarcações.
Embora a China não divulgue informações sobre avanços tecnológicos em armamentos, Zhou acredita que tecnologias como inteligência artificial e drones devem alterar a função de grandes plataformas militares.
Os três anos desde a invasão da Ucrânia testemunharam o uso massivo de drones por ambos os lados, mudando profundamente a forma da guerra, segundo ele. Esses avanços podem ganhar ainda mais importância em futuros conflitos.
“As pessoas estão começando a questionar a utilidade de plataformas de combate tão grandes. O quão úteis elas serão no futuro é uma questão para toda a comunidade militar, não apenas para a China.”
“Mesmo que ainda sejam necessárias, será que os porta-aviões do futuro serão tripulados? Terão mais drones do que aeronaves com pilotos? Essas são boas perguntas.”
Por Seong Hyeon Choi
Publicado em 08/04/2025
Fonte: South China Morning Post (scmp.com)
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