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O submundo dos golpes internacionais

A queda de um bilionário cambojano é só o início de uma guerra longa, onde a fronteira entre tecnologia e exploração se torna cada vez mais turva Em um dos maiores golpes desferidos contra o crime digital, os Estados Unidos e o Reino Unido anunciaram uma ofensiva conjunta contra a crescente indústria de fraudes online […]

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As potências ocidentais tentam frear um crime que cresce mais rápido que as leis — e transforma o desespero humano em lucro digital.

A queda de um bilionário cambojano é só o início de uma guerra longa, onde a fronteira entre tecnologia e exploração se torna cada vez mais turva


Em um dos maiores golpes desferidos contra o crime digital, os Estados Unidos e o Reino Unido anunciaram uma ofensiva conjunta contra a crescente indústria de fraudes online que se espalha pela Ásia. No centro da operação, uma apreensão sem precedentes: cerca de US$ 15 bilhões em criptomoedas, o maior valor já confiscado pelas autoridades americanas. O caso envolve Chen Zhi, bilionário cambojano e presidente do Prince Group, conglomerado que o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) descreve como “uma das maiores organizações criminosas transnacionais da Ásia”.

Em 14 de outubro, o governo americano confirmou a prisão de Chen Zhi e anunciou sanções severas contra o Prince Group e seus associados. O Reino Unido acompanhou a medida, bloqueando 19 propriedades em Londres, entre elas um prédio comercial avaliado em £100 milhões (US$ 133 milhões). As penalidades proíbem o grupo e seus dirigentes de fazer negócios ou movimentar recursos em ambos os países. A empresa, no entanto, nega qualquer envolvimento em atividades ilícitas, conforme relatou a Associated Press.

A operação, considerada histórica, é um marco da nova postura das potências ocidentais diante de um crime que cresce em ritmo acelerado. Estimativas indicam que a fraude digital movimenta mais de US$ 500 bilhões anuais, tornando-se uma das indústrias ilegais mais rentáveis do planeta, comparável ao tráfico de drogas. Segundo o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, os prejuízos causados por esses golpes “dizimam economias de uma vida inteira em questão de minutos”.

Os chamados “golpes de abate de porcos” estão entre os mais devastadores. Neles, criminosos constroem uma relação de confiança com as vítimas — muitas vezes fingindo interesse amoroso — antes de persuadi-las a investir em esquemas fraudulentos, frequentemente relacionados a criptomoedas.

O Camboja emergiu como epicentro mundial dessa indústria sombria. O especialista Jacob Sims, que estuda o crime transnacional no Sudeste Asiático, afirma que o país abriga uma rede massiva de operações fraudulentas. Segundo as Nações Unidas, esse mercado movimenta US$ 12,5 bilhões por ano, superando até mesmo o setor têxtil, principal atividade econômica legal do país. Aproximadamente 200 mil pessoas trabalham nessas “fábricas de golpes” — muitas em condições desumanas. Diversos complexos são cercados por arame farpado, câmeras e seguranças armados, e relatos apontam que parte dos trabalhadores é mantida em regime de escravidão.

Enquanto EUA e Reino Unido intensificam sua pressão, os países asiáticos também demonstram uma postura mais firme. A China, por exemplo, prendeu centenas de milhares de cidadãos envolvidos em fraudes online e, em 29 de setembro, condenou à morte 16 líderes de operações criminosas localizadas no norte de Mianmar. O governo chinês tem pressionado seus vizinhos — Mianmar, Tailândia, Camboja e Laos — a reforçarem o combate. Já Singapura aprovou novas leis contra lavagem de dinheiro e uso indevido de chips de celular para fins ilícitos.

Para alguns diplomatas, há um fio de esperança. “Se o Ocidente cortar o fluxo financeiro dos criminosos e a China perseguir os chefões individualmente, teremos uma chance de acabar com essa indústria”, disse um diplomata asiático envolvido nas discussões.

Mas o otimismo é cauteloso. Especialistas alertam que a enorme lucratividade dessas fraudes continua atraindo novos operadores, mesmo sob forte repressão. Recentemente, centros de golpes surgiram em regiões remotas, como Oecusse, enclave de Timor-Leste, além de Papua-Nova Guiné e outras ilhas do Pacífico, conforme informações do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Fontes locais afirmam que líderes cambojanos do setor já estudam migrar suas operações para os Emirados Árabes Unidos e a Geórgia, onde acreditam encontrar ambientes mais permissivos.

Enquanto isso, o governo do Camboja mantém-se inerte. Mais de uma semana após o anúncio das sanções, nenhuma das propriedades ligadas aos esquemas foi alvo de ação policial. A aparente falta de reação reforça a sensação de impunidade e levanta dúvidas sobre a real disposição do país em enfrentar o problema.

As investigações conduzidas pelo Ocidente são, sem dúvida, um passo significativo na tentativa de desmantelar essa rede global de fraudes. No entanto, especialistas ressaltam que atingir um único conglomerado não é suficiente para conter uma indústria tão lucrativa, adaptável e bem estruturada. A batalha contra o crime digital, dizem, está apenas começando — e exigirá cooperação internacional, vigilância constante e vontade política real para gerar resultados duradouros.

Com informações de The Economist*

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