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Os ataques ao Ministério da Cultura indicam tempos obscuros pela frente

Foto: Mídia NINJA Análise: Rebaixamento do MinC é declaração de guerra à classe artística Por Jotabê Medeiros, no UOL A fusão dos ministérios da Cultura e da Educação anunciada pelo presidente interino Michel Temer representa um rebaixamento do primeiro –passará agora a ser um departamento da pasta comandada por Mendonça Filho (DEM-PE), um birô administrativo, […]

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Foto: Mídia NINJA

Análise: Rebaixamento do MinC é declaração de guerra à classe artística

Por Jotabê Medeiros, no UOL

A fusão dos ministérios da Cultura e da Educação anunciada pelo presidente interino Michel Temer representa um rebaixamento do primeiro –passará agora a ser um departamento da pasta comandada por Mendonça Filho (DEM-PE), um birô administrativo, cuja única função será repassar recursos e gerir pessoal das estruturas do atual MinC (Ministério da Cultura).

Uma coisa que parece evidente é que o governo interino de Temer avaliou que o risco de ruído oposicionista na manutenção de um Ministério da Cultura seria grande. Ou seja: melhor evitá-lo. Tirando dois ou três franco-atiradores de qualidade artística e ativística muito discutível, não se conhece artista realmente grande que tenha apoiado a operação que culminou com o afastamento de Dilma Rousseff do cargo. Esses artistas, desgostosos com a situação, nunca apoiariam um novo ministro, por mais notável que fosse. Nunca haveria interface para diálogo. Portanto, estabelece-se logo a guerra.

Uma simples passeada pelo Facebook do novo ministro das duas pastas, o pernambucano Mendonça Filho, o Mendoncinha, indica que ele é torcedor ferrenho do Santa Cruz, anti-petista a ponto de postar charges desrespeitosas contra os adversários e nunca cumpriu sequer uma única agenda cultural nos últimos oito meses. Não há referência a qualquer atividade minimamente relacionada ao setor –nenhuma lágrima por David Bowie, Naná Vasconcelos ou Fernando Faro, nenhum comentário sobre o novo disco de Elza Soares, Radiohead ou de Céu. Nada.

Difícil começar sequer a conversar com Mendoncinha sobre um fato do Brasil de 2016: as políticas de estímulo às diferentes áreas da cultura dão resultados incontestáveis. Em 1992, último ano do governo Collor, um único filme brasileiro foi lançado comercialmente no país. Aquele período foi apelidado de “desmonte”. Duas décadas depois, o cenário é totalmente diferente: só em 2015, foram produzidos 128 filmes feitos por 116 empresas produtoras distintas, filmes nacionais que foram vistos por 22 milhões de pessoas. A cadeia de empregos e mercado que se desenvolveu é das mais saudáveis da América Latina.

Mas já é meio passadista usar como estratégia de convencimento argumentos economicistas, dizer que de cada R$ 1 gasto em cultura, de R$ 5 a R$ 7 voltam para a economia Somente o mais puro sentimento de barbárie sustentaria a desnecessidade de se investir em cultura, de o Estado não abrir mão de definir estratégias para o setor.

São duas sistemáticas de políticas públicas muito distintas, a educação e a cultura, embora correlatas: a primeira pede estratégias de inversões vultosas de verbas, ações de caráter sociológico, científicas; a segunda pede contatos interpessoais, detecção de sensibilidades, anticientificismo, saberes tradicionais, antecipação de tendências. Não coexistem num mesmo guarda-chuva, quanto mais num mesmo para-raios.

“Num País que passa fome, é necessário um Ministério da Cultura?”, perguntaram a Celso Furtado em 1986, quando ele assumiu a pasta que estava sendo criada. “Se considerarmos a cultura no seu sentido mais profundo, vamos perceber que ela é mais importante para os pobres do que para as classes privilegiadas. Uma festa popular, por exemplo, tem possivelmente mais significado para aqueles que dela participam do que um grande espetáculo de ópera para uma pessoa de classe média que vai ao teatro quase por rotina.”

Furtado ficou somente três anos no cargo, mas a repercussão de sua ação foi profunda. “Até hoje, persistem frutos positivos da passagem de Celso Furtado na pasta da Cultura”, disse o então prefeito de Ouro Preto e ex-presidente do Iphan, Ângelo Oswaldo.

Nunca foi uma questão de dinheiro: o orçamento é um dos menores do país, e não há gestão de esquerda, de centro ou de direita que consiga reverter suas carências. “Fui um ministro mais do verbo do que da verba”, brincou uma vez Gilberto Gil. Ainda assim, o verbo converteu sua gestão num poderoso alavancador de políticas públicas, algumas adotadas em outros países, como os Pontos de Cultura.

Uma atmosfera trevosa cerca os novos tempos, e os sinais são muitos.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Onofre Junqueira

13/05/2016 - 10h24

É , os tempos serão outros. A turminha da cultura vai ter que trabalhar !

George Gomes Coutinho

13/05/2016 - 09h47

Creio que todos que tenham discernimento e trabalham na educação pública já ficaram suficientemente estarrecidos com a nomeação de Mendoncinha para o MEC. Não imaginei que nesta altura do campeonato alguém da linhagem DEM-PFL-ARENA assumiria o Ministério da Educação.. Justamente um oligarca, um coronel nordestino, destes que simplesmente mantém suas bases políticas e ideológicas desde a República Velha.

Prosseguindo, por esta razão e pelos argumentos apresentados, me solidarizo de forma radical, plena e irrestrita com @s artistas de nosso país. A fusão Ministério da Educação e Ministério da Cultura já seria absurda pela especificidade de atuação de ambas as pastas. É um retrocesso incontestável. Também todos sabemos que as demandas da Cultura serão sub-representadas dado o gigantismo do Mec em sua atuação (simplesmente é um ministério com uma das estruturas mais complexas da união). Em suma, as demandas específicas da cultura serão engolidas… Se era ruim um Ministério da Cultura relativamente inexpressivo em termos de investimento, o que não implicou no isolamento do mesmo na busca pelo diálogo com a classe artística, agora se apresenta um cenário ainda mais miserável.

Já seria intolerável, seja qual pasta fosse, só pela nomeação de Mendoncinha.. Enfim….

O que vislumbro e desejo é que educadores(as) de forma geral e artistas se unam no enfrentamento que se apresenta no horizonte após estas quase 24 horas de governo Temer. Evidentemente, nada temos a temer. Se podemos vasculhar e descobrir algo de positivo, duas das categorias mais críticas e incômodas do país com um possível adversário em comum já seria uma novidade política alvissareira nesta altura do campeonato.

Por fim, cito trecho da análise onde o grande Celso Furtado é lembrado. Trata-se de algo a nos inspirar ante o que se avizinha:

” ‘Num País que passa fome, é necessário um Ministério da Cultura?’, perguntaram a Celso Furtado em 1986, quando ele assumiu a pasta que estava sendo criada. ‘Se considerarmos a cultura no seu sentido mais profundo, vamos perceber que ela é mais importante para os pobres do que para as classes privilegiadas. Uma festa popular, por exemplo, tem possivelmente mais significado para aqueles que dela participam do que um grande espetáculo de ópera para uma pessoa de classe média que vai ao teatro quase por rotina.’ “


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